Cardeal Scherer: ‘Temos grande esperança. A Igreja tem perspectivas muito boas pela frente’

Em entrevista na Rede Vida de Televisão, o Arcebispo de São Paulo falou sobre a missão evangelizadora da Igreja, o pós-sínodo arquidiocesano e o Sínodo universal

Reprodução

A Rede Vida de Televisão levou ao ar na noite de 25 de dezembro, a entrevista que o Cardeal Odilo Pedro Scherer concedeu no programa “Frente a Frente”, com a mediação do jornalista Hugo Rocha, e participação do também jornalista Fernando Geronazzo, da assessoria de comunicação da Arquidiocese de São Paulo.

O Arcebispo falou sobre o verdadeiro sentido do Natal, a implementação das propostas do 1o sínodo arquidiocesano, a realização do Sínodo sobre a Igreja sinodal e as diferentes realidades que se apresentam como desafiadoras à evangelização na cidade de São Paulo. 

A seguir, leia algumas das respostas de Dom Odilo sobre alguns temas tratados. A íntegra da entrevista pode ser acessada ao final desta postagem.

O VERDADEIRO SIGNIFICADO DO NATAL

O Natal celebra o nascimento de Jesus, o Filho de Deus que veio em nossa humanidade para ser o nosso Salvador. Este é o verdadeiro sentido da festa do Natal cristão. O Natal também é o dia da fraternidade universal, na medida em que Cristo veio para reunir toda a humanidade como uma família de irmãos e revelar para todos que Deus é Pai. E o Natal é, antes de tudo, a celebração do grande mistério da fé cristã, já que Ele veio a nós, assumindo nossa condição humana, sem deixar de ser Deus (…) Não podemos esvaziar o significado do Natal simplesmente para que ele fique à medida na nossa pequenez. Ele é muito grande, maior do que nós. O anúncio do Natal é para chamar à paz, à uma maior justiça e solidariedade, à valorização da dignidade das pessoas.

A ACOLHIDA ÀS PROPOSTAS DO SÍNODO ARQUIDIOCESANO

O sínodo arquidiocesano trouxe à luz muitas situações que nós temos em nossa Arquidiocese. Ajudou-nos a tomar consciência, a nos colocarmos de uma forma nova diante dessas realidade, para nos perguntamos, como Igreja em São Paulo: ‘O que precisamos fazer?’. A partir disso, vieram a elaboração das propostas sinodais que buscaram responder sobre o que temos de fazer para ser uma Igreja em comunhão, que está em constante processo de conversão missionária, para ser uma Igreja que se renova. Chegamos a conclusões interessantes e, depois, eu escrevi uma carta pastoral para sintetizar as grandes diretrizes que o sínodo foi trazendo. Estamos agora na fase pós-sinodal, na tentativa de colocar em prática as indicações sinodais. É um trabalho muito grande. As coisas na Igreja não mudam por decreto. Por isso, temos no sínodo uma palavra importante: conversão, isto é, mudança de atitude, de direção, para chegarmos mais naquilo que precisamos fazer. A conversão pastoral e missionária na Igreja é um grande desafio, que requer um trabalho continuado na busca de novas posturas, de nova organização, novas prioridades em nossa Igreja. Nós rezamos muito ao Espírito Santo durante o sínodo e continuamos a rezar para que Ele oriente e conduza a Igreja em São Paulo.

A IGREJA É SINODAL

O tema do Sínodo universal não é a sinodalidade. O tema é ‘Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão’. Sinodalidade é um substantivo, e somente mencioná-lo torna abstrato o tema. O substantivo é a Igreja, e sinodal é uma qualidade. A Igreja sinodal está no Evangelho. Jesus pediu: ‘fiquem unidos, em comunhão, não se dividam’. A primeira comunidade cristã tinha tudo em comum. Lemos nos Atos dos Apóstolos uma Igreja participativa, da qual todos se sentem parte, membros, ninguém é estranho, nem hospede, estrangeiro ou peregrino. São Paulo diz ‘vocês são membros da família de Deus, participam’. E a missão é uma consequência disso. Jesus nos fez discípulos missionários. Portanto, a Igreja é sinodal, deve caminhar junto, com cada um se interessando pelos outros. A Igreja é sinodal desde sua origem, mas nós nos esquecemos disso, e por vezes queremos transformá-la em uma sociedade anônima, uma ONG, uma empresa. Não! A Igreja não é isso! Ela é uma comunidade de irmãos, comunidade dos discípulos de Jesus que caminham com Ele, se ajudam, caminham juntos.

O OLHAR ÀS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

“Há um crescimento da população em situação de rua. Este é um problema social, que certamente decorre de um problema econômico e é, também, um problema humano. São pessoas que acabaram se desintegrando do núcleo familiar, das relações familiares, das relações sociais. Há também um problema econômico: são pessoas que não conseguiram mais trabalho ou que não ganham o suficiente para se manter e procuram viver da forma que conseguem. Para a grande maioria delas, viver na rua não é uma escolha. Elas acabam sendo levadas a essa situação. Portanto, é um fenômeno que precisa ser levado muito a sério, seja por quem governa e administra – por meio de políticas públicas para encarar este fato – seja pela via da solidariedade humana, é algo que precisa ser abraçado por todas as organizações da sociedade civil e pela nossa Igreja Católica. Muito tem se feito diante dessa situação, porém ainda é como que uma gota no oceano. Muito mais precisa ser feito! (…) Morar na rua não faz bem a ninguém. A vida se abrevia, se fica mais suscetível a doenças e a todo tipo de males à saúde e essas pessoas estão expostas a todo tipo de violências também e explorações de todas as formas.

UM BALANÇO SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2023

A Campanha da Fraternidade é uma campanha de evangelização, de tomada de consciência sobre um problema, para suscitar atitudes. Desse modo, pode ter resultados imediatos ou a médio e longo prazo, desencadeando processos. Penso que muitos resultados concretos foram alcançados com a Campanha da Fraternidade 2023 [cujo tema foi Fraternidade e Fome]. Com a coleta da campanha, projetos de alimentação, de produção de alimentos, de acesso a alimentos foram implementados ao longo deste ano por iniciativa da CNBB, por meio da coordenação da campanha e do conselho gestor do Fundo Nacional de Solidariedade. Porém, o mais importante foi a tomada de consciência de que existe a fome, de que precisamos e podemos fazer muitas coisas para ajudar a superá-la. A questão da fome envolve, também, fazer encaminhamentos políticos. São importantes as doações, que resolvem a questão momentaneamente, mas a médio e longo prazo é preciso haver políticas que ajudem a implementar a justiça, a solidariedade e o acesso aos meios para matar a fome, como a produção de alimentos, o acesso a eles, a distribuição se preciso for. Há também a questão de as pessoas terem trabalho para que possam comprar os próprios alimentos. A campanha da fraternidade, claro, trata de questões políticas. Não dá para falar da fome sem relacionar isso com a legislação, com projetos de governo e de administração, propostas de políticas públicas para encaminhar soluções para o problema da fome.

UM MUNDO SEM ÓDIO NAS REDES SOCIAIS

Eu quero crer que estas maravilhas da técnica – a internet, as redes sociais e agora a inteligência artificial – um dia estarão a nosso serviço. Não serão ‘terra de ninguém, algo que mande nas nossas cabeças, em que acabamos sendo dominados pela nossa criatura. Penso que a questão agora é a de todos nós criarmos juízo, saber usar bem tudo isso e para a edificação recíproca. Que se use para o debate, mas que se faça no respeito, na empatia. Não devemos olhar o outro que discorda de nós como um inimigo.

O PAPEL DA MÍDIA CATÓLICA PARA A EVANGELIZAÇÃO

Os veículos católicos têm um papel muito importante, pois ampliam o alcance da voz e da mensagem da Igreja, que por meio de todas as formas de comunicação pode chegar mais longe e a muita gente, e de forma aprimorada, por meio de linguagens diferenciadas. Portanto, é muito importante nós na Igreja darmos uma atenção privilegiada a todas as formas de comunicação, pondo-as a serviço do Evangelho. Eu fico pensado como seria se Jesus tivesse tido à sua disposição todos os meios e as formas de comunicação que hoje nós temos. O que Ele não teria feito! Se o apóstolo São Paulo tivesse tido à sua disposição um jornal, uma rádio, uma tevê, uma mídia social, o que ele não teria feito! Então, muito podemos fazer tendo tudo isso. Portanto, depende de nós sabermos usar bem, mas estamos no caminho. Estamos todos aprendendo a usar bem essas mídias. Temos de aprender sempre mais a usá-las em benefício da nossa missão, do Evangelho e dos valores do Reino de Deus. O Papa Bento XVI em uma das mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais dizia que a internet não é apenas um meio para se comunicar, mas é um ambiente, e nele precisamos estar para dizer o nosso recado, a nossa mensagem.

O DIREITO DOS CATÓLICOS A SE MANIFESTAR EM FAVOR DA VIDA

O direito à vida é, acima de tudo, uma questão humana, filosófica, ética, antes de ser de natureza religiosa. Essa é uma questão que vem a ser religiosa a partir do momento em que olhamos também os 10 Mandamentos – Não matar, o 5o Mandamento. Para nós que temos fé, isso tem relação, pois nós cremos no Deus da vida, e que nos deu esse mandamento. Porém, o direito de a Igreja participar deste debate, decorre do fato de a Igreja ser uma instituição da sociedade. E quando alguém que tem fé se manifesta sobre a questão do direito à vida e contrário ao aborto, essa pessoa está se manifestando também como cidadão, que tem a liberdade de pensar. Assim, não se pode desqualificar alguém com base em sua convicção religiosa. Isso seria discriminação religiosa. Só podem falar sobre o tema da defesa da vida aqueles que não têm fé? Quem disse isso? Onde está na Constituição? A Constituição assegura a todos os cidadãos o direito da livre manifestação do pensamento. Portanto, ninguém deve querer impedir a Igreja, todas as pessoas da Igreja, de manifestar seu pensamento sobre o tema.

A IGREJA PERANTE O MUNDO ATUAL

A Igreja caminha continuamente, não vai por etapas fechadas. Estamos, atualmente, em um processo de tomada de consciência sobre como realizar da maneira melhor a nossa missão diante das situações que vivemos hoje, diante de mudanças culturais muito fortes, tanto que até se fala em uma mudança de época. E tudo isso está, evidentemente, afetando a vivência religiosa e também o trabalho da Igreja (…) É interessante o que o Papa Francisco tem nos proposto neste período de Sínodo: que seja um período de escuta, ouvindo o que o Espírito está dizendo à Igreja, para discernir e nos perguntarmos novamente: ‘O que devemos fazer?’, para depois ter a coragem de dar os passos. A Igreja não vai mudar a sua doutrina, nem o Evangelho, também não vai mudar os 10 Mandamentos. Entretanto, vai mudando o seu jeito de fazer, pois precisa acompanhar este tempo, mas sem negar a si mesma. Ela precisa dar passos. Não pode ficar ancorada, petrificada, congelada no passado, pois isso acabaria renegando aquilo a que somos chamados: ir em missão. Eu diria que vivemos muitas situações em ebulição, muitos questionamentos, mas, também, a firmeza na fé, a busca do discernimento e a esperança. Após o Concílio de Trento, no século XVI, que foi realizado em meio a uma situação catastrófica na Europa, aconteceu a reforma interna da Igreja, para colocar as coisas em dia, e, de repente, se viu o reflorescer da Igreja. Na vida da Igreja, portanto, é sempre assim. Temos de nos questionar sempre, de novo, quem somos, qual a nossa missão, o que Deus pede de nós e o que devemos. E vamos trabalhar! Façamos a nossa parte e o Espírito Santo vai nos conduzindo. Temos grande esperança. A Igreja tem perspectivas muito boas pela frente, porque ela se deixa questionar, se deixa interrogar pelas circunstâncias, pelo tempo, e sempre se põe de novo diante dessa questão: ‘O que devemos fazer?’. Como devemos fazer neste tempo novo para que nós possamos continuar a ser fiéis à nossa missão?

OS 10 ANOS DO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO

O Papa Francisco é um papa que está preocupado com a missão da Igreja. Faz sempre um incentivo para a retomada missionária da Igreja. E isto também está presente no tema do Sínodo – Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Uma outra atenção dele é a da Igreja em busca de uma autenticidade sempre maior, sem medo de olhar para as próprias falhas, pois ela tem um lado divino, mas humanamente temos muitos defeitos, defeitos de cada um que somos membros da Igreja. Somos falhos em muitas coisas e precisamos, sinceramente, reconhecer as nossas faltas, e nos converter, para sermos sempre mais autênticos, segundo o Evangelho, para sempre dar o verdadeiro testemunho. Não precisamos, nem devemos, nos acomodar ou nos adequar ao espírito do mundo. Nós somos enviados para levar o Evangelho que leva à conversão do mundo. Porém, a nossa tendência é de nos adequarmos ao mundo e, fazendo isso, renegamos a nós mesmos e à nossa missão. Portanto, essa busca de uma autenticidade maior de tudo aquilo que faz parte da Igreja é uma das marcas do Papa Francisco. Também destaco a maneira simples de agir do Papa agir, de forma direta, é um papa que conversa com as pessoas, busca uma proximidade e o diálogo, algo próprio do Concílio Vaticano II, que buscou essa abertura ao mundo, não para que nos tornássemos do mundo, mas para que possamos entrar no mundo para levar o Evangelho.

COMO É SER O ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Ser Arcebispo de São Paulo é uma grande honra. Suceder a grandes pastores que nós já tivemos aqui em São Paulo – cito alguns deles, Dom Duarte Leopoldo e Silva, o primeiro Arcebispo; Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota; Dom Agnelo Rossi; Dom Paulo Evaristo Arns; Dom Cláudio Hummes – é para mim uma grande honra e diante deles me sinto um grande aprendiz. Por outro lado, ser Arcebispo é uma grande responsabilidade. E por muitas vezes penso muito naquela passagem do livro do Êxodo, quando Moisés vai diante de Deus e diz que não suporta mais todas as situações do povo. De minha parte, eu também digo ‘Senhor, este povo é teu, ajuda!’. Claro, contamos com muitos colaboradores: os sete bispos auxiliares, os muitos padres, diáconos, religiosas, religiosos, os muitos leigos, as famílias ligadas à Igreja. Portanto, a Igreja é viva em São Paulo. Muitas vezes até pode parecer que ela está engolida pela cidade, mas não está! Ela está capilarmente presente na cidade através das suas comunidades e organismos. É, sem dúvida, a organização mais presente na cidade. É uma força que vai muito além do que o Arcebispo possa fazer. Ela caminha com a graça de Deus e a força do Espírito Santo.

Edição de texto: Daniel Gomes/O SÃO PAULO

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