
Nos últimos dias, a sociedade brasileira acompanhou com preocupação a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei nº 2159/2021, que flexibiliza as normas para o licenciamento ambiental em nosso País. Diante desse cenário, sentimos o dever pastoral e comunitário de ajudar a iluminar este debate, com os critérios do Evangelho e a sensibilidade ética que nos pede a defesa da vida, da dignidade humana e da integridade da criação.
É importante recordar que, como cristãos, somos chamados a cuidar da Casa Comum, conscientes de que o cuidado com o meio ambiente é inseparável do cuidado com os mais pobres, os que mais sofrem as consequências da degradação e do desequilíbrio ecológico.
A proposta aprovada traz mudanças preocupantes: ela abre caminho para que empreendimentos de grande impacto ambiental sejam realizados sem as devidas avaliações, sem processos transparentes de consulta pública e sem garantias eficazes de proteção aos ecossistemas. O risco é evidente: o aumento do desmatamento, a perda irreparável de biodiversidade e o agravamento de problemas já muito presentes, como doenças respiratórias e câncer, sobretudo em grandes centros urbanos como São Paulo.
Em nossas comunidades, já percebemos cotidianamente os sinais dessa crise ambiental: a poluição que torna o ar pesado e tóxico, os eventos extremos como enchentes e secas prolongadas, que atingem com mais força as populações mais vulneráveis. A “chuva negra” que recentemente cobriu São Paulo, provocada pela fuligem das queimadas na Amazônia e no Cerrado, é um desses sinais visíveis da ruptura com o equilíbrio da criação.
A justificativa apresentada pelos defensores da proposta é a de que a flexibilização fomentará o crescimento econômico e a geração de empregos. Porém, à luz de uma reflexão mais profunda, precisamos perguntar: crescimento e emprego para quem? Sabemos que os custos da degradação ambiental superam amplamente os eventuais benefícios econômicos que medidas como esta possam trazer.
Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) indicam que o custo médio de recuperação de um hectare de floresta amazônica degradada varia entre R$ 10 mil e R$ 17 mil (Relatório técnico sobre custos de recuperação da floresta amazônica. Brasília: IPAM, 2023). Entre agosto de 2022 e julho de 2023, mais de 9 mil km² de floresta foram desmatados, um passivo ambiental superior a R$ 90 bilhões. Esse é um custo que recai sobre todos nós, especialmente sobre os mais pobres e sobre as futuras gerações, que herdarão uma Terra ferida.
Não podemos esquecer também os exemplos trágicos e dolorosos que marcam nossa memória coletiva: os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, que causaram destruição irreparável a ecossistemas, culturas tradicionais e comunidades inteiras. O acordo judicial para a reparação dos danos causados pelo desastre de Mariana ultrapassa R$ 37 bilhões. Nenhum desenvolvimento econômico pode justificar a perda de vidas humanas, de culturas, de espécies e de paisagens criadas com sabedoria por Deus.
O Papa Francisco, em sua encíclica Laudato si’ (LS), insiste que “a cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais aos problemas que vão surgindo. Deve ser uma visão distinta, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade” (LS 111). Diante disso, cabe a nós, comunidades de fé e de vida, promover essa conversão ecológica, que não é opcional, mas expressão do Evangelho.
Por isso, convidamos todos a refletirem sobre os riscos dessa flexibilização do licenciamento ambiental, a escutarem o clamor da terra e dos pobres, e a se mobilizarem para que nossa sociedade escolha caminhos que promovam a vida, a justiça e a paz.
Que São Francisco de Assis inspire em nós a ternura e a firmeza necessárias para sermos, hoje, testemunhas da esperança, guardiões da vida e construtores de um futuro sustentável para todas as criaturas.
Para quem a vida vale pouco, o futuro vale mais!