Dom Odilo: ‘Não vamos pretender que haja um tempo sem perseguições para, então, começarmos a ser cristãos’

Em entrevista, Arcebispo de São Paulo fala sobre a perseguição religiosa e o papel dos cristãos diante da crise cultural vivida pela humanidade

Cardeal Odilo Pedro Scherer (Foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Na segunda parte da entrevista concedida ao jornal O SÃO PAULO, o Cardeal Odilo Pedro Scherer refletiu sobre a realidade da perseguição religiosa, sobretudo aos cristãos, e sobre as ameaças à liberdade religiosa que ainda existem em vários países.

O Arcebispo Metropolitano de São Paulo também enfatizou o papel dos cristãos nos diversos âmbitos da sociedade, especialmente os formadores de opinião pública, para enfrentar a “crise cultural” que a humanidade vive na atualidade.

Ouça o trecho da entrevista:

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Cristãos perseguidos

O SÃO PAULO – Entre os desafios da Igreja, está a perseguição religiosa. Como o senhor avalia esse fenômeno na atualidade?

Cardeal Odilo Pedro Scherer – É verdade que, em nossos dias, temos sinais de perseguição da Igreja, alguns mais abertos, outros mais velados. Tivemos uma grande onda de martírios nas guerras do Oriente Médio, também na África e mesmo no extremo Oriente. Mas também aqui, na América Latina, com tantos mártires nos últimos tempos.

A perseguição e o martírio acompanham a Igreja desde os seus primórdios e como Jesus mesmo havia alertado: ‘se vocês querem me seguir, preparem-se para a perseguição, para a cruz’. Então, isso não assusta e poderia até ser dito que estamos no caminho de Jesus… Uma Igreja que não está com Cristo poderia até nem ser perseguida, porque talvez tenha perdido a força e o vigor do Evangelho.

Por outro lado, é claro que a Igreja tem o direito de ter a sua liberdade. Portanto, os cristãos presentes na vida pública, os católicos, onde quer que estejam, nas suas atribuições, devem lutar para que os cristãos e também os não cristãos tenham liberdade religiosa e de consciência, o que é um direito humano fundamental. Que não haja nem a perseguição aberta, nem velada, sutil, perseguição cultural que, às vezes, é apresentada como ‘revolução cultural’ para reprimir a religião, o Cristianismo, a Igreja.

Não vamos pretender que haja um tempo sem perseguições para, então, começarmos a ser cristãos. Não! Sejamos bons cristãos e, se vierem perseguições, continuemos a ser bons cristãos. Por outro lado, é importante que o direito à liberdade religiosa, normalmente previsto nas constituições, seja observado. E nos países onde não existe claramente a liberdade religiosa, onde o Cristianismo e outras religiões ainda são reprimidas, cerceadas, é preciso que isso seja devidamente considerado pelas autoridades mundiais.

Parece-me que, hoje, a questão religiosa não conta muito quando se reúnem as autoridades mundiais. Sempre são as questões de economia e finanças que contam, mas as questões culturais que, no fundo, trazem tanto sofrimento, questões nas quais estão também as religiosas, acabam não sendo motivo de preocupação das autoridades mundiais quando se reúnem nos seus grandes momentos, nas assembleias da ONU e outros organismos internacionais. Muitas vezes, acontece até mesmo que se varra para debaixo do tapete os problemas de perseguição religiosa para manter certa aparência de boas relações com um país. 

Opinião pública

Como os cristãos podem atuar no enfrentamento da atual crise cultural vivida pela humanidade?

Nós sentimos muita falta de quem faz a opinião pública nesse caos cultural que existe hoje… Pode vir a ideia de que não vale a pena nós dizermos uma palavra. Ora, fazer a opinião pública é falar nesse espaço, não é esperar acalmar tudo para, então, dizermos a nossa palavra. Tem que fazer a opinião pública para ter o contraponto, para mostrar o outro lado, para dizer um caminho diferente, um caminho melhor. Então, os homens de cultura e de opinião pública têm uma grande tarefa a cumprir neste momento de crise cultural.

No meio das crises culturais, pode acontecer que as pessoas se precipitem atrás de qualquer um que se apresente oferecendo algum tipo de esperança. É o tempo em que podem surgir facilmente os enganadores, os falsos profetas, os salvadores da pátria, que se apresentam como uma falsa liderança e levam as pessoas ainda mais para o caos. Por isso mesmo, palavras sábias e serenas de quem as tem, pois, que as diga, que as faça aparecer. E, naturalmente, essas palavras serão valorizadas no momento certo.

Agora, quanto à pessoa comum, que comece em sua casa. Esse sempre foi o princípio básico. Eduque bem os seus filhos, viva bem em seu ambiente de vida privada, de família, de relações de parentesco, de vizinhança e de trabalho. Se todos fizerem isso, o mundo mudará radicalmente. O que não pode acontecer é que, em momentos de crise, cada um se feche cada vez mais dentro do seu ‘cercadinho’ para se defender. Isso fragiliza em vez de fortalecer, porque deixa de criar solidariedade, de criar uma proposta diferente e, é claro, no caos, reina a anarquia.

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