Após ser realizado de modo on-line em 2020 e 2021, nas fases mais críticas da pandemia de COVID-19, o Congresso Estadual da Pastoral da Saúde do Regional 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) voltou a ocorrer presencialmente, no sábado, 26.
Aproximadamente 400 pessoas estiveram no Memorial da América Latina, na zona Oeste de São Paulo. O tema “A alegria do presencial novamente” fez alusão ao próprio evento e à retomada gradual das visitas presenciais dos agentes da Pastoral da Saúde aos enfermos. Já o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), o mesmo da Campanha da Fraternidade de 2023, mantém a tradição da Pastoral de ressoar a CF ao longo de todo o ano e não somente na Quaresma.
A vivência da vocação por parte do agente de pastoral, a espiritualidade e o perdão como caminhos para a recuperação dos enfermos, bem como o papel das práticas integrativas e complementares em saúde, foram alguns dos assuntos tratados, além da constante preocupação em como assegurar a manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS).
Seguidores do mandato de Jesus
O Congresso foi iniciado com a missa presidida pelo Padre João Inácio Mildner, Assistente Eclesiástico da Pastoral da Saúde no Regional Sul 1 e também na Arquidiocese de São Paulo. Concelebraram padres que assessoram a Pastoral, que está presente em todas as dioceses do Regional Sul 1 e nos 645 municípios paulistas.
No começo da missa, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, dirigiu uma palavra de gratidão e encorajamento aos agentes da Pastoral da Saúde.
“Continuem, com coragem e união, porque quanto mais vocês estiverem unidos nos projetos, nos propósitos da Pastoral da Saúde, mais vocês vão poder caminhar e trazer frutos para suas comunidades. A Igreja se preocupa para que os doentes não sejam abandonados, desassistidos, e esta também é a preocupação de Jesus, pois Ele não os deixa sozinhos, abandonados, sem uma palavra, sem um gesto, sem uma oração”, recordou o Arcebispo, que também enalteceu o fato de a Pastoral da Saúde sempre atuar com um foco bem definido e ter iniciativas concretas onde estão os enfermos, além de se empenhar por melhorias nas políticas públicas de Saúde.
Padre João Mildner, na homilia, ressaltou que a Pastoral da Saúde não interrompeu atividades durante a pandemia e recordou que em todo o mundo muitos médicos, voluntários e agentes morreram servindo aos doentes. “Hoje, rendemos graças a Deus por já ser possível retomarmos as nossas atividades presenciais, quer nas casas, nos asilos, nas clínicas de idosos, nos hospitais. Queremos agradecer a Deus também por podermos estar fisicamente presentes junto àqueles que estão sofrendo. A Pastoral da Saúde é o rosto misericordioso de Jesus com aqueles que sofrem”, enfatizou.
A preocupação com o SUS
Na mesa de abertura do Congresso, foi externada a preocupação com a destinação de recursos para o Sistema Único de Saúde, especialmente se for mantida a Emenda Constitucional 95, que desde 2016 determinou o congelamento, por 20 anos, dos gastos públicos em áreas como Saúde e Educação.
“A saúde pública é um direito do cidadão e um dever do Estado. O SUS não é de partidos políticos, não é um programa de governo, é um programa do Brasil. Temos, portanto, a responsabilidade de nos engajarmos nas políticas de saúde e lutarmos para que este SUS continue vivo e atuando preferencialmente em favor dos mais pobres e abandonados”, enfatizou o Padre João Mildner, que também é membro do Conselho Estadual de Saúde e Capelão do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
José Gimenes, coordenador da Pastoral da Saúde no Regional Sul 1, lembrou que essa Pastoral tem se empenhado nas discussões para que o SUS seja cada vez melhor, e para tal dialoga com as autoridades do Poder Executivo e com aqueles com cargos no Legislativo. “Assegurar o financiamento para a saúde pública é uma das nossas metas, bem como ver os compromissos dos governantes com as políticas públicas de saúde”, enfatizou ao O SÃO PAULO.
Dois integrantes da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva participaram do evento. Juliana Cardoso, vereadora na capital paulista e eleita deputada federal, destacou que a Proposta de Emenda Constitucional que o futuro governo busca que seja aprovada pelo Congresso Nacional pretende liberar recursos para áreas como a Saúde. Ela externou a preocupação com a necessidade de maiores gastos no setor, motivada por razões diversas, como o aumento de pessoas com sequelas da COVID-19 e a necessidade de se resolver problemas recorrentes como a demora para a marcação de consultas e a realização de exames, estruturação dos recursos humanos na rede hospitalar e a falta de medicamentos.
Por meio de mensagem de vídeo, Alexandre Padilha, deputado federal reeleito e ex-ministro da Saúde, recordou a necessidade de se retomar os bons índices de cobertura vacinal no Brasil, combater a desnutrição e ter maior atenção aos idosos. “A Pastoral da Saúde será fundamental para nos ajudar na reconstrução dos programas na área da Saúde”, assegurou.
Vocação, espiritualidade e perdão
No Congresso Estadual da Pastoral da Saúde também ocorreram palestras temáticas. Uma delas foi sobre “A Pastoral da Saúde e a vocação”, com reflexões conduzidas pelo Padre Washington Conceição, da Diocese de Jales (SP), que também é médico geriatra.
“Antes de cada um de nós termos uma vocação particular, todos temos uma vocação comum que o Senhor nos convidou: a de ser santos. Apenas quando conseguimos dar sentido a essa vocação universal é que vamos conseguir responder às nossas vocações particulares”, enfatizou.
O Sacerdote comentou que a santidade deve ser vivenciada pelas pessoas no cotidiano, por meio de atitudes concretas, às quais, muitas vezes, podem estar em choque com as conveniências da sociedade e envolvem sacrifícios pessoais. Ele também lembrou que a santidade é alimentada pela constância nos sacramentos e por uma vida de oração, para que se tenha sempre como referência os exemplos deixados pelo próprio Cristo.
“Nós, que estamos aqui hoje, também fomos chamados a um modo universal de vida: Deus nos chamou a cuidar daquele que está caído: o enfermo, o doente. Essa é a nossa ação pastoral. Quando uma pessoa tem Jesus como o Senhor de sua vida, a graça que recebe não pode ficar só para si, é preciso que passe aos outros. Por isso é que nos engajamos em uma pastoral”, explicou, enfatizando que santidade, estado de vida e trabalho pastoral devem estar em constante diálogo, para que se viva a vocação na dimensão do encontro com o próximo.
Espiritualidade e recuperação do enfermo
A partir de sua experiência como Capelão do Hospital de Amor, em Barretos (SP), referência no tratamento para pessoas com câncer, o Padre Túlio Gambarato falou sobre “A espiritualidade na recuperação do enfermo”.
Ele explicou que tal recuperação não deve ser entendida como a cura de uma enfermidade, mas, sim, como o reavivar do ânimo, da alegria e da esperança diante da doença. “Muitas vezes, o enfermo não terá a cura total, mas quando você, agente da Pastoral da Saúde, apresenta a ele o Deus vivo e verdadeiro, se aproxima e leva uma palavra de conforto, esse enfermo vai se sentir encorajado, e, quando isso acontece, o modo como ele se coloca diante da enfermidade muda.”
Padre Túlio também comentou que a saúde humana não se resume às dimensões física e mental, pois a espiritualidade também deve ser considerada. “Não se trata apenas de ter saúde no corpo, mas em todo o ser. E é aqui que se encaixa a espiritualidade, ou seja, aquilo que dá sentido, significado, ao nosso ser”, destacou. “Somos um tripé: corpo, mente e espírito, que precisa ser cuidado nestas três dimensões”, prosseguiu.
O Capelão do Hospital de Amor também lembrou que a vivência da religiosidade/espiritualidade faz com que o enfermo enfrente a doença com a fé de que Deus o ajudará a se recuperar; que se abra para hábitos mais saudáveis; que cultive emoções positivas, como o amor, esperança e alegria perante as adversidades; e que consiga melhor discernir quanto a decisões sobre a própria saúde.
Além disso, a espiritualidade ajuda o enfermo a atribuir significado à doença em sua vida. “Não importa o sentido que a pessoa dê a uma enfermidade, mas esse sentido a ajudará. Recordo de um paciente com 28 anos de idade, com câncer na cabeça, e que me disse ‘padre, Deus me colocou este câncer para poder unir a minha família. Eu nunca passei um Natal com meu pai e minha mãe juntos, pois desde que nasci eles se separaram, sempre viveram brigando. Hoje, estamos juntos aqui em Barretos e este é o primeiro ano que passamos um Natal juntos’. Hoje este paciente já está curado e em casa”, contou.
Por fim, Padre Túlio lembrou que a espiritualidade também ajuda a dar o sentido à morte, de modo que a pessoa não a olhe como derrota. “A morte não é o fim, mas o começo de uma nova história de vida em Deus.”
Perdoar a si e ao próximo
Uma temática afim à espiritualidade do enfermo foi tratada na palestra “A importância do perdão”, conduzida por Maria Gabriela Alves de Oliveira, leiga consagrada com atuação no Santuário Nossa Senhora da Salette, em São Paulo.
Maria Gabriela recordou que o amor, o perdão e a reconciliação são valores centrais da fé cristã, lições deixadas pelo próprio Cristo, e que devem ser seguidas por todos, para que perdoem o próximo e a si mesmo, postura que gera impactos positivos na saúde de quem o faz.
Práticas integrativas e complementares em Saúde
Por muitas décadas, práticas como a acupuntura, homeopatia, biodança, meditação, yoga, hipnoterapia e o uso de fitoterápicos foram vistas como estratégias paralelas para a prevenção de doenças e a recuperação da saúde. Desde 2006, porém, estas e outras Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) estão institucionalizadas e gradualmente vêm sendo ofertadas no SUS.
Essa temática foi tratada no evento por Raquel Bacchiega, graduada em Direito, pós-graduada em Psicanálise Clínica e Neurociência e professora de PICS.
“As práticas integrativas e complementares em saúde são tecnologias em saúde voltadas ao cuidado, equilíbrio e bem-estar do Ser Integral, o indivíduo considerado como um todo – física, mental, emocional e espiritualmente. Sua atenção é voltada à pessoa e não ao doente, à saúde e não à doença. Seus métodos de ação, viabilizados por meio de técnicas naturais, acessíveis, muitas vezes não invasivas e sem efeitos colaterais agressivos, privilegiam a busca do cuidado das causas para retificação do desafio ou do enfrentamento de demandas na saúde”, explicou Raquel à reportagem.
A especialista enfatizou, porém, que as PICS não substituem, nem excluem tratamento médico convencional. “Costumo dizer que as PICS são gentis ao ponto de nos fazer repensar nosso modo de viver, pensar e agir, e que tais métodos de saúde não impõem; antes, propõem formas de cuidado que nunca foram apenas alternativos, secundários ou de menor importância, mas assertivos em razão dos benefícios que oportunizam”, prosseguiu.
Raquel comentou, ainda, que as PICS “permitem com que cada um de nós, experimentando seus benefícios, se conheça melhor, e, praticando doses de autoconhecimento e autocuidado, consiga definir melhor seus caminhos com mais lucidez, com menos dor, seja mental, emocional. E, mesmo aquela angustiante sensação de vazio, muitas vezes relatada por nossos assistidos, vai ficando para trás e abrindo novo campo, novos horizontes”.
Ao longo do evento, Raquel também falou das experiências que tem conduzido sobre PICS, entre as quais o Projeto Terapias Integrativas na Comunidade, iniciado em maio deste ano nos bairros do Belém e da Vila Matilde, na zona Leste da capital paulista, por meio de atividades como oficinas de autocuidado, rodas de terapia com meditação e atendimentos ambulatoriais, uma iniciativa do estabelecimento terapêutico Espaço Buon Vivere e da Pastoral da Saúde do Regional Sul 1. O projeto também tem realizado oficinas formativas no Centro Pastoral São José, na Região Episcopal Belém.
A especialista fez votos de que mais pessoas na Pastoral da Saúde conheçam as PICS e possam ser capacitadas para difundir os benefícios que proporcionam. Ela lembrou que o Projeto Terapias Integrativas na Comunidade conta com um Centro de Formação de Voluntários, no qual são disponibilizados cursos de formação terapêutica e de integração. Interessados podem obter informações pelo telefone (11) 94919-1160, ou pelo Facebook na página “Projeto Terapias Integrativas na Comunidade”.
Os benefícios de plantas medicinais
Também participante do evento, Luciene Correa, que trabalha na fabricação de chás e medicamentos medicinais, comentou à reportagem que é possível que a pessoa obtenha mais qualidade de vida conhecendo melhor as riquezas proporcionadas pela natureza.
Ela citou o exemplo das sementes de melancia, que são ricas em zinco, mas que acabam sendo simplesmente jogadas no lixo pela maioria das pessoas. “Temos de imaginar que o nosso corpo é um castelo cheio de soldadinhos. Quando ingerimos mais componentes para fortalecê-lo, ou seja, ‘adicionamos soldadinhos’, estaremos mais bem preparados para se defender de agentes causadores de doenças”, comentou.
No entender de Luciene, é fundamental que o agente da Pastoral da Saúde conheça as propriedades medicinais das plantas, para que repasse essa informação aos enfermos e estimule que estes dialoguem com o médico a respeito da possível utilização. “O que sempre ensinamos aos agentes é que eles podem indicar um chá, uma prática integrativa para o familiar de um doente, mas sempre é preciso que a pessoa converse com o médico e com o nutricionista antes de fazer tal uso”, concluiu.