Um caminho de agonia, lágrimas, insultos e solidão. Essa descrição não é apenas a da via-sacra de Jesus, recordada nesta Semana Santa, mas também reflete o trajeto doloroso vivido nos dias de hoje por tantos jovens. Retratar esse sofrimento, configurando-o às dores de Cristo, é a principal inspiração da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo para a Via-Sacra da Criança e do Adolescente, que teve sua 36a edição encenada na sexta-feira, 22, na Catedral da Sé.
A Via-Sacra é parte de uma jornada histórica que teve início em 1985 na Região Belém, por iniciativa de Dom Luciano Mendes de Almeida, então Bispo Auxiliar de São Paulo, e de outras lideranças da Pastoral do Menor. Desde então, é realizada sempre na sexta-feira anterior à Semana Santa e combina um tríplice objetivo, como indica Sueli Camargo, coordenadora da Pastoral do Menor da Arquidiocese: “Além de ser um ato público de fé e de denunciar a ausência de políticas que atendam o povo invisível e marginalizado, a Via-Sacra é uma forma significativa de evangelização, pois acreditamos que a melhor maneira de evangelizar é fazer com que as pessoas vivenciem o Evangelho”.
A AMIZADE QUE DESARMA
Tradicionalmente realizada nas ruas do centro histórico da capital paulista, este ano, devido às fortes chuvas, a Via-Sacra aconteceu no interior da Catedral da Sé.
Tão imprevisíveis quanto o clima são os desígnios de Deus, intui Sandra Lima, de Teresina (PI), que visitava a Catedral pela primeira vez e disse sentir que foi um “plano de Deus” uma Via-Sacra mais intimista: “Nunca vi tantas crianças juntas em silêncio, atentas e concentradas. Foi lindo demais. Quando entendi o que estava acontecendo, agradeci a Deus por ter chovido, pois, de outra forma, eu não teria visto aquele momento que foi um presente de Jesus para minha Semana Santa”.
A Via-Sacra apresentou o tema da Campanha da Fraternidade em cinco estações, destacando a amizade social no relacionamento pessoal, comunitário, eclesial e no âmbito da sociedade. Além deste tema, foram retratadas as crianças e adolescentes vítimas das guerras e conflitos.
“Viver a amizade social é abrir-se ao mistério do outro, é superar a cultura da indiferença, não sentir medo, rejeição, hostilidade, aversão às pessoas pobres e à pobreza”, comenta o Padre Felipe Batista da Silva, da Paróquia São Mateus Apóstolo, Região Belém, que animou e conduziu a Via-Sacra.
DE ESTAÇÃO EM ESTAÇÃO
Cada uma das cinco estações encenadas trouxe uma meditação acerca das do- res dos jovens de hoje. Na primeira, Jesus é açoitado, e esse flagelo representa as atuais chagas de uma sociedade dividida por conflitos e guerras. As marcas se tornam cicatrizes na pele das crianças órfãs, desabrigadas e privadas do básico para viver.
Na segunda estação, Jesus encontra o Cirineu, uma expressão concreta de amizade social. O personagem que divide o peso da cruz com Cristo é representado por um estudante que sofria atos de bullying, situação tão presente no período infantojuvenil. “É preciso vencer a intolerância para sermos capazes de sentir a dor do outro e ajudá-lo a carregar a cruz”, conclui Padre Felipe.
Na terceira estação, Jesus encontra as mulheres que choram e Verônica. O consolo trazido por elas representa o trabalho de tantas entidades que sofrem junto com os mais vulneráveis e se esforçam para enxugar seus rostos sofridos.
Na quarta estação, Jesus oferece sua mãe ao discípulo João, para que um possa cuidar do outro naquele momento de dor. Neste ato, a representação de uma grande urna indicava que a política precisa ser responsável e promotora da amizade social, tendo compromisso com a necessidade do outro.
Na quinta e última estação, Madalena anuncia que Cristo vive e veio para transformar esta realidade que foi denunciada durante toda a Via-Sacra.
Essa esperança tocou o coração de Victor Gabriel Ferreira de Souza, 16, que representou Jesus: “É uma responsabilidade muito grande e me sinto emocionado ao representar Jesus. Ele não deveria ter passado por isso, nem as crianças”.
SEMPRE A CAMINHO
Foram mais de 1,6 mil pessoas, entre crianças, jovens, educadores e convidados, que encheram os bancos da Catedral paulistana, testemunhando uma grande lição de amor, como disse, emocionada, Sueli Camargo: “Com a Via-Sacra, nós ensinamos a esses jovens, todos os anos, a amar Jesus e amar com empatia, compaixão e respeito ao próximo”.
Dom Carlos Silva, OFMCap., Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia e Referencial para as Pastorais Sociais da Arquidiocese, deu a bênção inicial do evento e compartilhou que a Via-Sacra é um apelo para estarmos sempre a caminho de um mundo melhor: “Não podemos ficar parados. Viver a Via-Sacra é caminhar na escola de Jesus, em que a maior lição é sermos mais fraternos. Esse é o papel da Igreja: criar a consciência e a esperança de um mundo melhor”.