Às vésperas de o Brasil sediar a COP30, acadêmicos, teólogos e lideranças da Igreja trataram dos avanços, resistências e desafios ambientais e sociais, dez anos após a encíclica publicada pelo Papa Francisco

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO
Para marcar os dez anos da encíclica Laudato si’, do Papa Francisco, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), por meio do Núcleo Fé e Cultura e da Pastoral Universitária da Arquidiocese de São Paulo, realizou o evento “Laudato si’: a Casa Comum e os Desafios das Novas Realidades”, na noite da segunda-feira, 3, no Tucarena.
“O intuito é ser um espaço de diálogo entre ciência, fé e cultura, para repensar os desafios do nosso tempo à luz da Laudato si’. A encíclica não terminou com o pontificado de Francisco nem oferece respostas prontas às novas realidades”, afirmou o Padre Rodrigo Pires Vilela da Silva, Coordenador da Pastoral Universitária e do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Foram parceiros para a realização do evento o Centro Universitário Assunção, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), a Caritas Arquidiocesana de São Paulo, a fundação pontifícia ACN – Ajuda à Igreja que Sofre, a OAB Ipiranga, a Faculdade Santa Marcelina, a Pastoral da Ecologia Integral e o Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade.
Entre os participantes estiveram o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo e Grão-Chanceler da PUC-SP; a professora doutora Carla Reis Longhi, vice-reitora da instituição; o professor doutor Padre Luiz Alberto Sleutjes, da PUC-Campinas, especialista em Teologia Moral e pesquisador na área de Ecologia Integral; e o professor doutor Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da USP e vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

NO CONTEXTO DA COP30
Dom Odilo Scherer destacou que é fundamental refletir sobre “o que está em jogo” nas discussões climáticas mundiais e o papel da humanidade diante do cuidado com a casa comum.
“A encíclica se mostra cada vez mais pertinente diante das questões que hoje o mundo vive. A COP30 acontece em um clima de controvérsia sobre a questão, pois há ainda os negacionistas climáticos e ambientais que desconhecem ou não reconhecem os problemas existentes e que são cada vez mais evidentes e já mostram as suas incidências indiscutíveis”, observou.
O Cardeal retomou os princípios centrais da Laudato si’, ao enfatizar a responsabilidade compartilhada e o cuidado com o planeta: “É preciso olhar para o planeta Terra como nossa casa comum, onde tudo está interligado. O cuidado foi entregue a todos e a falta de cuidado atinge a todos.”

O Arcebispo lembrou que, diante do consenso sobre a gravidade da situação, é preciso agir: “Se existe concordância sobre esse ponto de partida, é necessário passar às consequências. O que devemos fazer para corrigir essa situação e não colocar em risco o futuro da vida na Terra?”.
Dom Odilo também indicou a fraternidade universal como caminho essencial para o avanço das soluções. “Enquanto cada país tentar levar vantagem para si, sem se importar com os demais, não haverá verdadeiros avanços. Se somos uma única família humana, habitando a mesma casa comum, é preciso crescer no senso de fraternidade entre os povos.”
Por fim, alertou: “Nesta casa comum, ou se pensa fraternalmente e solidariamente, ou haverá brigas e guerras sem fim. E a casa se destruirá para todos.”

‘CONVERSÃO ECOLÓGICA’ COMO RESPOSTA À CRISE AMBIENTAL
Padre Luiz Sleutjes abordou o tema “Esperança e Ecologia Integral: Jubileu como tempo de reconciliação com a criação”, no qual defendeu que a humanidade deve ir além da simples adaptação às mudanças climáticas: “Vivemos uma falsa virtude do homem contemporâneo, que é a de se adaptar aos problemas ambientais e sociais”.
Segundo o Teólogo, o verdadeiro caminho é o da conversão ecológica, e não o da acomodação. Ele explicou que a ecologia integral propõe uma ação orgânica na sociedade, capaz de recuperar os vínculos entre o ser humano, a criação e os mais frágeis, “para que todos alcancem dignidade – inclusive em uma perspectiva de justiça intergeracional, cuidando das próximas gerações.”
Padre Luiz relacionou a temática ao Ano Santo da Esperança, que a Igreja celebra neste tempo, e recordou o Jubileu da Reconciliação, promovido por São Paulo VI há 50 anos.

“O jubileu é um tempo de reconciliação. Se antes falávamos de uma reconciliação antropológica – do ser humano com Deus –, hoje falamos também de uma reconciliação cósmica, na qual nos reconciliamos conosco mesmos e com o planeta que nos acolhe”, disse.
O especialista detalhou que a conversão ecológica deve acontecer em quatro dimensões: “No campo sistêmico, é preciso passar da tecnocracia para uma cultura do encontro; no existencial, da indiferença à empatia; no social, de uma atuação passiva para uma atuação ativa e preventiva; e, no cultural, de uma cultura do descarte para uma cultura do cuidado”. Ele enfatizou que essa mudança de mentalidade é essencial para que a humanidade reencontre o sentido da esperança e do compromisso comum com a criação.

GRANDES DESAFIOS
“O ser humano já superou grandes desafios – e pode enfrentar a crise climática com união e ciência”, afirmou Marcos Buckeridge, que em sua fala buscou aproximar ciência e fé, conectando os conceitos da encíclica Laudato si’ com os desafios ambientais contemporâneos.
“Quis mostrar o que é mudança climática de forma didática e otimista. Não se trata de falar de desastres, porque acredito que o ser humano tem condições de superar os desafios quando se une”, comentou Marcos.

Ele lembrou que, historicamente, a Terra sempre passou por ciclos naturais de aquecimento e resfriamento, mas que o ritmo atual das transformações é inédito: “A cada cem mil anos, temos períodos glaciais. O problema é que agora essas mudanças estão acontecendo em décadas”.
Segundo o professor, o aquecimento global tem sido intensificado pela ação humana desde a Revolução Industrial. “No século XX, o ser humano acelerou tudo. O aumento populacional e o uso de combustíveis fósseis foram determinantes”, afirmou. “Quando queimamos hidrocarbonetos, liberamos gases de efeito estufa — especialmente o dióxido de carbono — que aquecem a atmosfera e alteram o clima. É pura física: mais energia, eventos mais intensos”.
A íntegra do evento pode ser vista no Youtube da TVPUC, no link






