Fortalecimento da família ganha protagonismo em debate sobre políticas urbanas 

1º Encontro Nacional de Cidades Inclusivas para Famílias Sustentáveis aconteceu na capital paulista, com reflexões e partilhas de experiências entre especialistas e gestores públicos

Debatedores do evento promovido pelo Family Talks e a Prefeitura indicam que é benéfico para toda a sociedade a maior atenção à família
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Com reflexões sobre a urgência de políticas urbanas mais humanas e acolhedoras, aconteceu no sábado, 7, na Praça das Artes, no centro de São Paulo, o 1º Encontro Nacional de Cidades Inclusivas para Famílias Sustentáveis (CIFS), com grande destaque ao fortalecimento dos vínculos familiares para a construção de cidades mais empáticas, seguras e colaborativas. 

A GESTÃO PÚBLICA E AS FAMÍLIAS 

Um dos promotores do evento foi o Family Talks, um programa criado em 2016 pela Associação de Desenvolvimento da Família (Adef) – organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que desde 1978 atua em prol do fortalecimento das famílias no Brasil. 

Na mesa de abertura do evento, Gilberto Jabur, presidente da Adef, ressaltou a urgência de colocar a família no centro das políticas públicas. “Precisamos mobilizar lideranças políticas para promover sinergias entre governos, academia e sociedade civil, além de ampliar o intercâmbio de boas práticas em áreas como habitação, segurança alimentar e parentalidade positiva, sempre com compromissos políticos sérios e permanentes”. 

Inserido na 4ª edição da Virada ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável], promovida pela Prefeitura de São Paulo, o evento também foi idealizado pela Secretária Municipal de Relações Internacionais. “Nosso compromisso é concreto, é trazer o rosto do ser humano para o centro das práticas públicas. Por isso, reafirmamos que a base da vida humana é a relação familiar. ‘Family first!’: a família em primeiro lugar”, disse a secretária Angela Gandra. 

Enrico Misasi, secretário-chefe da Casa Civil da Prefeitura, reforçou a necessidade de os gestores públicos compreenderem a centralidade da família nas políticas municipais. “Adélia Prado escreveu: ‘O que adianta o meu boteco prosperar se não encontro alegria na minha família?’ É uma frase simples, mas que nos ajuda a manter diante dos olhos que não adianta se dedicar ao desenvolvimento econômico da cidade sem tocar naquilo que é mais essencial para a pessoa humana, suas relações familiares”. 

PARENTALIDADE POSITIVA E ECONOMIA DO CUIDADO 

Rodolfo Canônico, diretor-executivo do Family Talks, destacou que um dos princípios do programa é a parentalidade positiva, prática de educar, orientar e cuidar dos filhos com base no afeto, no respeito mútuo e na construção de vínculos saudáveis no ambiente familiar. Exercer a parentalidade, portanto, vai muito além de aplicar técnicas educativas: trata-se de criar um lar seguro, estável e acolhedor, no qual valores como diálogo, responsabilidade e cooperação são vividos diariamente. 

Canônico também falou sobre o custo social das famílias disfuncionais e a importância da atuação preventiva: “Quando a família para de funcionar, isso gera um custo alto para a política pública. A chamada ‘Economia do Cuidado’ representa 10% do PIB no Brasil, o que equivale a cerca de um trilhão de reais, um valor que simplesmente não temos”. 

Entre os dados apresentados, ele citou o custo médio diário de uma internação por dependência química, que chega a R$ 12.500; e o impacto da evasão escolar, com uma perda anual estimada em R$ 214 bilhões. “E o maior prejuízo não é o financeiro, mas o problema que isso causa na vida das pessoas. Por isso, a melhor estratégia de política social é prevenir”, concluiu. 

RESULTADOS CONCRETOS EM OSASCO (SP) 

O secretário da Família, Cidadania e Segurança Alimentar de Osasco (SP), Marcelo Couto Dias, apresentou os avanços obtidos com a implementação de programas voltados ao fortalecimento dos vínculos familiares e à promoção de práticas de parentalidade positiva naquela cidade. 

Em 2023, Osasco criou uma secretaria dedicada a articular, de forma transversal, as políticas públicas voltadas às famílias, integrando ações de áreas como Saúde, Educação, Assistência Social, com vistas a propor e executar programas que fortaleçam os vínculos familiares, promovam a conciliação entre trabalho e vida familiar, e garantam o direito à alimentação, além do combate ao desperdício. 

Diante de um contexto nacional de aumento de violência contra crianças – segundo Couto, apenas em 2022 foram notificados mais de 40 mil casos de violência contra crianças de até 4 anos nas unidades de saúde – a Secretaria de Família, Cidadania e Segurança Alimentar também tem esta temática entre suas preocupações e adota o manual “INSPIRE”, elaborado por organismos como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), que reúne sete estratégias para a prevenção da violência contra crianças, entre as quais a capacitação parental em grupos comunitários, como forma de fortalecer os vínculos familiares e promover ambientes seguros. 

No ambiente escolar, foram implementadas duas metodologias internacionais adaptadas à realidade brasileira: o “Programa ETI” (Educando com Trauma Informado), desenvolvido pela Associação Norte-Americana de Psicologia; e o “Famílias Fortes”, voltado para adolescentes de 10 a 14 anos, com base em um modelo criado no Reino Unido. 

Couto destacou que seis meses após a aplicação desses programas, houve reduções de 60% no comportamento negligente dos pais, de 76% na frequência de episódios de embriaguez presenciados pelos filhos, de 25% na embriaguez de adolescentes e de 11% na frequência do consumo de álcool pelos jovens. Além disso, mais de 90% dos pais relataram melhorias nas práticas de supervisão. [

‘CUIDAR DE QUEM CUIDA’ 

A programação do 1º Encontro Nacional de Cidades Inclusivas para Famílias Sustentáveis teve início com a mesa-redonda “A Declaração de Veneza como Marco para Políticas Urbanas no Brasil”, que contou com a participação de Rodolfo Canônico; Eliana Gomes, secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo; e Filipe Braga Farhat, superintendente-geral de Desenvolvimento Econômico e Social do Paraná. 

Em seguida, aconteceu a mesa “Cuidar das Famílias, Proteger as Crianças: Desafios e Compromissos na Construção de Redes de Proteção Familiar”, com Marcelo Couto Dias; Regina Santana, secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania; e Amanda Calvo, cofundadora do Empoderamento Adolescente. A moderação foi de Silvia Grecco, secretária municipal da Pessoa com Deficiência. 

Na parte final, dois workshops temáticos aprofundaram os debates nos eixos “Habitação, Infraestrutura e Equidade” e “Segurança Alimentar e Apoio à Parentalidade”, com a presença de especialistas como Maria Teresa Fedeli, Ana Paula Vaz, Jorge Luiz Costa Junior, Carolina Bastos Mendonça e Maria Paula Albuquerque. 

Gilberto Jabur destacou o reconhecimento do papel fundamental da família pela própria Constituição: “Não é por acaso que a família é a única instituição a receber, no artigo 226 da Constituição federal, a seguinte e significativa ressalva: ‘A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado’”. E completou: “Ao final deste encontro, nossa maior preocupação é cuidar de quem cuida, porque é na família que se formam os bons cidadãos dos quais a sociedade tanto precisa”. 

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