Maria Cecilia Parise: A vida de Edith Stein nos ajuda a entender a sociedade contemporânea

Reprodução/Oficina Municipal

Em 6 de março, o Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade, em parceria com a Faculdade de Teologia da PUC-SP, dará início à terceira turma do curso de especialização em Teologia e Ensino Religioso.

Essa pós-graduação, realizada exclusivamente de modo on-line, tem duração de 18 meses e se destina a professores do ensino fundamental e médio de colégios confessionais, administradores escolares, educadores em geral e demais interessados que já tenham algum diploma de graduação. Detalhes sobre a inscrição e valores podem vistos no site da PUC-SP.

Uma das disciplinas do curso é sobre a Antropologia de Edith Stein (1891-1942). De origem judia, a dedicada estudante de Filosofia converteu-se ao Cristianismo, se tornando a Monja Teresa Benedita da Cruz, e em seus escritos soube conciliar a abertura ao Sagrado com os valores da razão. 

Nesta entrevista ao O SÃO PAULO, a professora Maria Cecilia Isatto Parise, mestra em História da Filosofia pela Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne e mestra em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), fala de detalhes sobre esta disciplina que será ministrada por ela no curso e comenta aspectos sobre a vida e os escritos de Edith Stein. 

O SÃO PAULO – No curso de especialização sobre Teologia e Ensino Religioso, a senhora apresenta a Antropologia de Edith Stein. Pode nos falar um pouco mais sobre a dinâmica das aulas e a abordagem sobre alguém quem tão bem mostrou que a fé e a razão são igualmente um dom de Deus à humanidade?

Maria Cecilia Isatto Parise – Durante meu mestrado em Fenomenologia, estudando o conceito de alma em Edith Stein, percebi que a vida e os escritos dessa incrível mulher perpassavam, como um fio condutor, os temas que eu procurava analisar e fundamentar filosoficamente: o reconhecimento de uma abertura ao Sagrado em todo ser humano e a identificação na História de quando e como essa consciência foi sendo apagada, artificialmente, gerando o fenômeno da dessacralização do mundo e do ateísmo. 

Quando começou a pandemia, surgiu a ideia de oferecer cursos, baseados no que eu vinha estudando de Edith Stein e Edmund Husserl, para pessoas que pudessem se interessar pelo tema: não apenas como uma teoria a ser conhecida, mas como uma práxis a ser vivenciada em primeira pessoa, para depois ser passada a outras pessoas, aplicadas em diferentes campos de atuação. Porém, havia o desafio: como organizar a dinâmica das aulas e a abordar um conteúdo tão complexo? Optei pela utilização de slides, o uso de metáforas e imagens para esclarecer argumentos filosóficos mais complexos. Além disso, o emprego de um argumento que faz um paralelo entre a vida e o pensamento dessa grande mulher tornam as aulas mais lúdicas e mais fáceis de “digerir”. 

O desafio é mostrar que a vida de Edith Stein é extremamente enriquecedora e esclarecedora para que possamos entender e ressignificar o que vivenciamos na sociedade contemporânea, tão adoecida pela falta de sentido de vida, especialmente entre nossos jovens e crianças. Como consequência do fechamento ao divino, o ser humano foi se distanciando dos outros, semelhantes a si, chegando a justificar teórica e pragmaticamente as guerras e outras atitudes contrárias ao que a humanidade identificou como os “direitos humanos”. Edith Stein vivenciou isso em sua própria vida e em sua carne, sendo morta em um campo de concentração quando já se havia convertido e tornado monja carmelita, por causa de sua origem judaica.

O professor de Ensino Religioso lecionará essa disciplina na educação básica para adolescentes e jovens. O quanto a vida e obra de Edith Stein pode mostrar e estes estudantes um caminho de esperança e de desenvolvimento integral perante um mundo com tantos fatos de desesperança?

A professora Magna Celi M. Rocha trabalhou, no semestre passado, a biografia de Edith Stein, mas eu irei retomá-la para analisar, junto com os alunos, o percurso que ela vivenciou. Eu o considero essencial por nos proporcionar uma abertura de olhar, com esperança e fundamentado na Fenomenologia, para se compreender e poder lidar com a dessacralização e o ateísmo de nossos jovens e crianças. 

Começaremos a trabalhar a abertura essencial de todo ser humano a outro semelhante a si por meio do fenômeno da empatia ou entropatia, e seguiremos para a análise da constituição do ser humano em sua tríplice dimensão: corpórea, psíquica e espiritual. Temos todos uma estrutura semelhante, desde os tempos arcaicos, mas cada um a preenche de modo único, pessoal e irrepetível. Por isso somos considerados “pessoas”. 

Entretanto, não o somos de um modo acabado, pois nascemos e vamos sendo educados, formados, desenvolvendo nossas características corpóreas e psíquicas, recebendo e incorporando a influência do meio em que vivemos, mas também sendo capazes de reagir e significar de modo pessoal e único o que nos acontece por meio de nossa dimensão espiritual: o campo dos sentimentos, pensamentos e atos conscientes e livres.

Conhecer o modo como somos constituídos nos auxilia a vivenciar o nosso próprio eu de um modo mais reflexivo, consciente, e não como joguetes nas mãos da mídia e de pessoas mal-intencionadas, que veem o ser humano não como um sujeito, mas como um objeto a ser manipulado e consumido. 

Mas porque escolher Edith Stein, entre tantos outros pensadores? Porque o percurso dela pode ser compreendido por qualquer “pessoa de boa vontade”, independente de suas crenças em Deus ou da falta delas. Ele já foi trilhado por Sócrates, Platão e Aristóteles, no que a tradição identifica como as primeiras “provas da existência de deus”. Saber disso tem um impacto muito grande nos jovens, que continuam curiosos e trazem em si aquela vontade de buscar em suas vidas, algo que lhes dê um norte, um “sentido” para viver: o que é bom, belo, justo e verdadeiro.

Depois, para aqueles que possuem fé, ou pelo menos curiosidade para entender o que sentem e pensam aqueles que possuem fé, Edith Stein mostra como a revelação cristã endossa o argumento dos grandes filósofos que viveram antes de Cristo, aprofundando-o e complementando-o. 

A partir do diálogo que a senhora teve com estudantes que já iniciaram o curso em turmas anteriores, o que eles externam do porquê ter optado em cursar esta especialização? 

A Fenomenologia, método filosófico descrito por Edmund Husserl e aplicado por Edith Stein, sua aluna e assistente, fundamenta-se na descrição das nossas vivências, procurando identificar nelas o que existe de essencial, o que pode ser compartilhado com outros seres humanos. Eu diria, por experiência própria, que conhecer a constituição do ser humano por meio da Fenomenologia de Edith Stein é algo transformador. Aplicá-la ao ensino religioso é um grande desafio, mas algo completamente factível, e asseguro que ela nos torna pessoas melhores: mais abertas ao diferente, mais tolerantes, mais compreensivas. E, contrariamente do que parece ser, a antropologia filosófica de Edith Stein não nos torna pessoas relativistas, bem pelo contrário, pois a nossa capacidade de compreender e ajudar o outro a se desenvolver de modo autônomo e diferente do meu é o resultado da compreensão de estarmos ancorados no solo firme da razão humana. Não de uma racionalidade tecnicista e materialista, mas de uma racionalidade que se abre, humildemente ao mistério, aceitando construir com suas próprias mãos, até onde é possível, o sentido de sua vida, abrindo-se para o Outro que dá sentido ao que não pode ser conhecido no aqui e agora da própria história de vida de cada um.

A revelação cristã apresenta o sentido último das três grandes perguntas que todo ser humano se faz, desde os tempos arcaicos, dos nossos primeiros ancestrais: De onde eu vim? Para onde eu vou? Quem sou eu, ser humano, diferente de todos os outros seres vivos?

Essas perguntas só podem ser respondidas adequadamente, sempre deixando um “véu de mistério”, se vivermos em comunidade, reconhecendo os outros como semelhantes a nós, com uma mesma estrutura, mas cada um com sua individualidade irrepetível. O estar com o outro nos enriquece, e precisamos aprender novamente a conviver com o nosso semelhante-diferente.

Embora amplamente disseminado o formato de aulas on-line, especialmente após o começo da pandemia de COVID-19, há ainda quem tema não conseguir acompanhar o ritmo do curso, as reflexões das aulas. O que diria para aquelas que têm dúvidas se conseguirão acompanhar os estudos?

Como já descrevi acima, tive uma experiência muito rica com as aulas on-line. Primeiramente, perdi aquele preconceito de que estaria falando para uma “tela do computador”. Sempre interagi muito com meus alunos, deixando espaço para que eles pudessem colocar suas dúvidas, retomando-as nas aulas seguintes. Foi incrível e fiz muitas amizades entre os alunos que tive durante a pandemia, e hoje acompanho de perto o percurso de alguns deles, em suas monografias de TCC, seus cursos e dissertações de mestrado, todos procurando conhecer mais essa grande filósofa e Santa da Igreja, Edith Stein.

Utilizarei também textos de apoio de autores muito didáticos, tais como Angela Ales Bello e Eric de Rus, já traduzidos para o português. Assim como as obras de Edith Stein também já traduzidas. Quando recorro a uma obra ainda não traduzida para o português, apresento uma tradução provisória, minha, para usarmos como base para o argumento a ser desenvolvido.

Nunca tive problemas com alunos que não tinham nenhum conhecimento prévio de Filosofia. Acredito que isso se deve muito à minha experiência com alunos de várias partes do Brasil e vindos de escolas e cursos muito diversos que chegavam no Seminário para uma experiência vocacional: cheguei a ter desde alunos recém-formados no ensino médio, universitários e até professores, que deixaram a carreira para discernir sobre uma possível vocação ao sacerdócio.

Convido a todos os interessados e curiosos, que gostariam de fazer uma experiência fenomenológica para aumentar o conhecimento de si e do outro, que se inscrevam nesse curso, com professores capacitados e atualizados, experts em lidar com a contemporaneidade e seus desafios para o ensino da religião. 

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