Missa em ação de graças pelas duas décadas de trabalhos foi celebrada na Catedral da Sé, no contexto do Jubileu 2025

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO
“É a compaixão que move o coração do homem”. Na multidão de fiéis reunida na Praça da Sé, animada com cânticos e louvores na tarde do sábado, 4, esta frase em uma das faixas era como que uma síntese da trajetória da Missão Belém, que há 20 anos se dedica aos mais pobres, com especial atenção aos “irmãos de rua” que estão no vício das drogas.
Após serem saudados nas escadarias da Catedral Metropolitana pelo Padre Gianpietro Carraro e pela Irmã Cacilda da Silva Leste, fundadores da Missão Belém, todos ouviram as explicações do Cardeal Odilo Pedro Scherer sobre o Ano Jubilar, e o seu reconhecimento pelo bem realizado por esta associação privada de fiéis.
“Vocês são sinal de esperança! A Missão Belém tem todos os motivos para celebrar a esperança e nela se renovar para que continue a fazer este trabalho que é sinal de vida e de ajuda a tantas pessoas que já haviam perdido da esperança”, afirmou o Arcebispo Metropolitano, antes de dar início aos ritos da peregrinação jubilar, incluindo a passagem dos fiéis ao lado da cruz nas escadarias da Catedral e a entrada no templo.

O SIM A DEUS, SOB A INTERCESSÃO DE MARIA
No começo da missa, Irmã Cacilda afirmou que a Missão Belém, nestes 20 anos, percorreu “uma dura escalada de uma alta montanha”, e trouxe dados sobre a abrangência dos trabalhos evangelizadores e de ação misericordiosa no Brasil e no Haiti (leia mais na página 7).
Ao recordar que durante aquela missa 100 irmãos que atuam nas casas de acolhida e grupos de evangelização professariam suas promessas como membros de vida, Irmã Cacilda assegurou que, com eles, “toda a Missão Belém renova o seu sim a Deus, respondendo ao Seu chamado, olhando para o belo horizonte de esperança que se abre à nossa frente. Tudo confiamos nas mãos de Maria, nossa verdadeira Mãe fundadora, que nos acompanha nesta maravilhosa escalada da alta montanha que é o Cristo. A Ele, oferecemos, alegres, a nossa vida neste Jubileu da Esperança, agradecidos por estes 20 anos de caminhada”.

A MISSÃO DE RESTAURAR VIDAS E DE ANUNCIAR O CRISTO
Na homilia, aludindo tanto à passagem do Evangelho segundo Lucas (cf. Lc 10,17-24) – em que Jesus louva a Deus por revelar Sua grandeza aos pequeninos – quanto a São Francisco de Assis, cuja memória litúrgica foi celebrada naquele 4 de outubro, Dom Odilo afirmou que a Missão Belém, com a simplicidade de suas ações, também testemunha a fé a partir das muitas vidas resgatadas.
“Nós louvamos a Deus, louvamos as Suas misericórdias, louvamos pelas vidas restauradas, pela alegria e pelo sentido da vida reencontrados, por tanta caridade, tanta fraternidade vivida concretamente para que o irmão também fique bem”, disse Dom Odilo.
O Arcebispo enfatizou que a Missão Belém jamais deve se esquecer de sua natureza missionária.

“Vocês são uma comunidade católica missionária que sai às ruas, que vai aos que estão caídos nas drogas, na miséria e diz a cada um: ‘Deus ama você. Levante-se, nós vamos ajudar você’. Isso faz a pessoa perceber que a vida tem sentido”, disse, destacando que pelas ruas da cidade ainda há muitas pessoas caídas e que precisam sentir que são amadas por Deus.
Por fim, o Cardeal recomendou a todos que tiveram suas vidas restauradas que foquem o seguimento a Jesus, sem olhar para o passado. “Todos vocês, irmãos, podem dizer isto: ‘O que passou, passou. O que aconteceu, aconteceu. A vida que eu tive antes já foi. Tudo isso Jesus carregou na Sua cruz, tudo isso já entreguei a Ele, agora importa a vida nova’”.
COMPROMISSOS DE FÉ
Após a homilia, a “chama viva da esperança” espalhou-se pela Catedral da Sé com as velas acesas a partir da lamparina do Jubileu. Depois, os fiéis realizaram a renovação das promessas batismais e foram aspergidos com água.
Na sequência, 100 irmãos que atuam nas casas de acolhida e grupos de evangelização professaram suas promessas como membros de vida, comprometendo-se à obediência a Deus e Seus representantes na Terra; à castidade e à pobreza evangélicas, bem como à vivência da vida de comunhão da Sagrada Família.

Na conclusão da missa, o Padre Gianpietro assegurou ao Cardeal Scherer que a Missão Belém intensificará ainda mais as ações como “uma comunidade católica missionária que leva o anúncio do amor de Deus nos bolsões de pobreza, de miséria e de desespero”.
O Sacerdote também agradeceu ao Arcebispo pelo permanente apoio: “Eu sempre repito que Dom Odilo nos ‘pegou no colo’ quando éramos muito pequenos, tínhamos dois, três anos de vida, e ele, pessoalmente, acompanhou a Missão Belém, aprovou a nossa obra em 2010, e em 2024 tivemos a aprovação definitiva do nosso estatuto. Por isso, nós o reconhecemos, Dom Odilo, como nosso querido pai”.

Antes da bênção final, o Cardeal Scherer agradeceu aos sacerdotes, às irmãs consagradas e aos leigos engajados na Missão Belém, bem como aos benfeitores do Brasil e de outros países, como da Itália, que colaboram com as iniciativas, além daqueles que apadrinham a distância as crianças e os adolescentes beneficiados pelas ações da Missão Belém no Haiti.
TESTEMUNHOS DE FÉ

Willamis Ponciano da Silva, 43, foi acolhido em uma das casas da Missão Belém em 2007. Libertou-se dos vícios em álcool e drogas e recebeu os sacramentos de Iniciação à Vida Cristã. “A Missão Belém é de Deus. Sou muito grato por tudo. Em 2014, eu me casei com a Adriana, na Igreja, e temos dois filhos maravilhosos, Maria Estela e José Felipe. Hoje, tento devolver tudo o que recebi, dou aconselhamento, um abraço, um testemunho, uma palavra. Quando cheguei, os médicos me deram apenas quatro meses de vida. Meu pâncreas estava inflamado, meu fígado muito danificado, mas aqui Jesus me ressuscitou”.
Jefferson Cavalcante de Souza, 46, viveu em situação de rua por 20 anos e se afundou no vício de drogas na Cracolândia. “Ao chegar à Missão Belém, vivi uma experiência profunda de acolhimento e transformação. Ali, eu não apenas larguei as drogas; eu aprendi a falar a verdade, a deixar de manipular as pessoas, a comer nos horários certos, a ter responsabilidade, a respeitar os outros e, acima de tudo, a amar e servir. Aprendi a olhar para mim mesmo com dignidade e a olhar para o outro com compaixão. Hoje, estou na Casa Guadalupe, trabalho como cuidador de idosos e essa missão me enche de alegria”.


Priscila dos Santos Pedroso Marinho, 44, começou a participar das formações e grupos de evangelização da Missão Belém em 2015. Em 2017, foi convidada para cuidar da Ação entre Amigos que a Arquidiocese fez para a reforma do Edifício Nazaré. “Permaneci como cooperadora até ter uma gravidez de risco [o filho hoje tem 7 anos]. Em 2023, fui convidada para ajudar as casas de acolhida de São Paulo na parte administrativa/econômica. Estou muito feliz por esse contato mais próximo com os pobres, e que me faz perceber e reafirmar ainda mais a minha vocação. Professei minhas promessas pela primeira vez em 2023”.
Casas e corações sempre abertos

Reviver o mistério de Belém: “Jesus que nasce pobre no meio dos pobres, em uma mísera gruta, acolhido com carinho por Maria e José”. Esse é propósito da Missão Belém, que surgiu há 20 anos, por iniciativa do Padre Gianpietro Carraro, italiano, e da paulistana Irmã Cacilda da Silva Leste.
No início dos anos 2000, enquanto trabalhavam para a consolidação de uma comunidade paroquial no bairro de Taipas, na zona Noroeste, Padre Gianpietro e Irmã Cacilda se sensibilizaram com “os mais pobres entre os pobres”, aqueles que viviam nas ruas ou dormiam debaixo das pontes no centro da cidade.
“Sentimos que Jesus nos pediu essa evangelização de uma maneira bem concreta: encarnar-se, assumir na própria carne a vida dos pobres; fazer as escolhas pessoais e comunitárias sempre em vista dos pobres”, recordou Irmã Cacilda.
“Logo entendemos que a rua não é só pobreza; é uma realidade de droga e delinquência. E, sobretudo, entendemos que era preciso mergulhar neste mundo para viver com eles. Assim, nos últimos dias de 2001 para 2002, começamos nossa missão, morando e dormindo na rua”, contou o Padre Gianpietro, que por alguns meses até acolheu alguns desses irmãos no barraco de madeira em que vivia, mas logo percebeu que era preciso ter algo mais estruturado, e foi assim que surgiu, em 1º de outubro de 2005, a Missão Belém, na Comunidade Nelson Cruz, no Belenzinho, na zona Leste.

ACOLHIDA FRATERNA
A Missão Belém recebeu a aprovação na Arquidiocese de São Paulo como associação privada de fiéis de direito diocesano em 2010. Em 2016, foi concedida a aprovação “ad experimentum” ao seu estatuto, que foi aprovado de modo definitivo em 2024.
Ao longo destes 20 anos, mais de 110 mil pessoas foram acolhidas, muitas delas por ex-irmãos que, restaurados, também se tornaram missionários que vão às ruas resgatar vidas.
“O que toca muito os irmãos no começo é ouvir: ‘Você é meu irmão’. O acolhido diz: ‘Eu cheguei aqui, ninguém me perguntou se eu tinha documento, quem eu era ou me julgou. Eles me abraçaram, me deram de comer, me deram um banho e me ofereceram um caminho de restauração’”, recordou Irmã Cacilda.
Em 2018, os trabalhos da Missão Belém ganharam um impulso ainda maior com o Projeto Vida Nova, instalado no Edifício Nazaré, na Praça da Sé, gesto concreto da Arquidiocese de São Paulo no Jubileu Extraordinário da Misericórdia.
No local, ininterruptamente, há a acolhida inicial às pessoas que desejam deixar as ruas e as drogas. “Fazemos as missões e a evangelização, e hoje os irmãos também estão vindo ao nosso encontro. Dizemos que a ‘rua entrou na nossa casa’. Tornou-se uma grande graça de Deus, uma ‘gruta’ aberta o tempo todo para acolher o pobre que chega, para acolher o Jesus chagado e sofrido”, explicou Irmã Cacilda.

ITINERÁRIO DE RESTAURAÇÃO
Os acolhidos que desejam firmemente uma mudança de vida são convidados a ir para uma das cerca de 200 casas mantidas pela Missão Belém. Nelas vivem atualmente 2,4 mil pessoas, incluindo cerca de 700 doentes graves, com questões psiquiátricas ou que buscam se libertar das drogas.
Padre Gianpietro ressaltou que essas casas não devem ser equiparadas a clínicas terapêuticas de recuperação de dependentes químicos, entendimento recentemente referendado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a natureza religiosa das ações da Missão Belém, após receber detalhados memoriais sobre os trabalhos realizados.
“Alguns promotores dizem que somos uma clínica clandestina. Clandestinos não somos, pois todos sabem onde estamos. Inclusive, todos os 700 doentes acolhidos são relatados ano a ano ao Ministério Público de São Paulo. Não existe nada escondido. Defendemos o direito de viver a nossa fé e a liberdade religiosa como uma família de fé que acolhe quem deseja se unir a nós”, explicou Padre Gianpietro. “Não somos uma clínica, somos um Evangelho vivido que transforma vidas”, enfatizou.
Os acolhidos nas casas da Missão Belém fazem o Diário Espiritual: leem e meditam um texto bíblico, escrevem o que mais lhes despertou a atenção, fazem um propósito para viver durante o dia, e, à noite, respondem como o viveram. Também participam de retiros espirituais e catequéticos, além de se prepararem para receber os sacramentos da Iniciação à Vida Cristã ou para bem viver a fé que receberam da Igreja, no caso de já terem os sacramentos.
PRESENÇA NO HAITI
Desde 2010, a pedido do Cardeal Scherer, a Missão Belém está no Haiti, instalada em Warf Jeremie, uma das maiores favelas de Porto Príncipe, capital do país. Ao longo deste anos, resistiu a muitas tensões sociais, as mais recente envolvendo o controle das cidades por gangues.

Atualmente, cinco missionários estão no Haiti, envolvidos diretamente nos trabalhos de um centro educativo para 3 mil crianças e adolescentes, de até 18 anos; de uma pequena unidade hospitalar, que atende cerca de cem pessoas por dia; e de um centro de nutrição, no qual 70 crianças desnutridas são alimentadas e medicadas.
Irmã Cacilda destacou que mesmo com o atual quadro de tensão, os missionários decidiram permanecer no Haiti, pensando no bem-estar das crianças: “Eles escolheram ficar, arriscando a própria vida. Isso é muito forte. Só Deus dá essa coragem e força interior. Por outro lado, é uma faca no nosso coração. A cada momento difícil na missão haitiana, nos unimos em intercessão”.
PROJETO NOVA GUADALUPE
Como toda boa ação que frutifica, a Missão Belém está construindo no bairro do Belenzinho o Projeto Nova Guadalupe: uma estrutura de 12 mil metros quadrados, em um prédio de 19 andares, sete dos quais dedicados à acolhida de pessoas com sequelas graves da vida de rua, da drogadição e da bebida alcoólica.
“Não será um hospital propriamente, será uma enfermaria familiar. Queremos oferecer a esses doentes que estão no final da vida, sem muita perspectiva ou em estado terminal, uma acolhida familiar confortável. Hoje, 50 deles estão na Casa Guadalupe. Será uma estrutura digna, com capacidade para até 200 pessoas. As obras começaram e estamos no 4º andar dos 19. A caminhada é longa, mas estamos dando um passo por vez”, concluiu Padre Gianpietro.
Os detalhes sobre a iniciativa que bem expressa o lema de Missão Belém – “Ser família para quem não tem família” – podem ser vistos em https://www.missaobelem.org/novaguadalupe.
A MISSÃO BELÉM EM NÚMEROS
Fundada há 20 anos (1º de outubro de 2005)
Tem atualmente 30 mil pessoas, entre as quais:
40 consagrados
600 membros de vida (responsáveis pelas casas de acolhida, grupos de evangelização e outros setores)
7 mil membros de aliança (os irmãos acolhidos nas casas, em projetos missionários e cooperadores)
20 mil amigos e benfeitores
6 sacerdotes (1 já falecido, Padre Gilson Frank dos Reis, morto em 2021 por COVID-19)
Mantém cerca de 200 casas de acolhida, nas quais vivem 2,4 mil pessoas (700 delas doentes graves).
Até hoje, 110 mil pessoas em situação de rua foram atendidas pela Missão Belém e destas, ao menos 30 mil encontraram uma vida nova.
Ao todo, 4 mil adultos foram batizados neste período.
Saiba mais – https://www.missaobelem.org