Muitas lições em ‘Palavras que não passam’

O SÃO PAULO homenageia o sacerdote de 80 anos que evangelizou diferentes gerações

Poucos minutos depois de o Padre Zezinho, SCJ, apresentar o programa “Tempo e contratempo”, em 5 de novembro de 1973, os transmissores da rádio 9 de Julho foram lacrados pelo regime militar, que desde setembro daquele ano já tinha declarado que a emissora não poderia mais realizar transmissões.

Padre Zezinho era comunicador da rádio desde 1969, quando passou a comandar o programa “A hora e a vez da família”. Passados 30 anos da estreia, curiosamente, foi sua voz a primeira a ser ouvida nos testes dos transmissores para o retorno da rádio, em 1999. Na ocasião, conta-se que um CD sem identificação foi colocado para tocar e o que se ouviu foi a música “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome”, na voz do sacerdote.

Anos depois, Padre Zezinho voltou a contribuir com a comunicação da Arquidiocese de São Paulo. Entre 26 de abril de 2006 e 26 de março de 2013, ele assinou a coluna “Palavras que não passam” no jornal O SÃO PAULO.

Com seu olhar atento sobre a realidade e consolidado conhecimento do magistério da Igreja, comentava assuntos diversos do cotidiano e destacava o compromisso dos cristãos diante dessas temáticas. A seguir, estão alguns trechos destes artigos.

Conselhos aos sacerdotes

“…onde há ‘eu’ demais há Deus de menos. Todo o ‘eu’ engrandecido precisa redimensionar-se. O remédio? Uma dose extra de ‘nós’, três vezes ao dia”.

(‘Redimensionar-se’ – 26/04/2006 – 1a artigo do Padre Zezinho no jornal)

Sem um conhecimento melhor do mundo, da história, do comportamento humano, das ciências, nosso discurso será alienado por mais piedoso que seja”.

(‘Morrer de anorexia’ – 09/01/2007)

Política e combate à corrupção

“…vote em alguém que até hoje se mostrou fraterno, ecumênico, compassivo, preocupado com a dor do povo e, pelo que sabe, não põe o dinheiro, nem a fama em primeiro lugar e, sim, os direitos do povo”.

(‘Bom candidato’ – 12/09/2006)

“Certamente, seríamos muito mais que a sexta economia do mundo se não fôssemos um dos dez países mais corruptos do planeta (…) Na administração há os honestos que gostariam de ser bons prefeitos, bons governadores e bons presidentes e por convicção são incapazes de roubar um alfinete do povo… mas ai vem as pressões dos corruptos e dos grupos de poder que sabem onde está o dinheiro e como arrancá-lo. Em pouco tempo, o político bem intencionado se cala, ou morre, ou renuncia. E mais um bando de bandidos infiltrados na política esfregam as mãos de contentes. Venceram!”.

(‘Combate à corrupção’  – 02/10/2012)

Aprender com os mais simples

“Casinhas de periferia encerram profundas lições de humanidade. Deveríamos passar por lá e ouvir quem as habita. Em algumas delas há mais sabedoria do que em muitos flats de luxo, muitos púlpitos e muitos hotéis cinco estrela”.

(‘Casinhas de periferia’ – 31/05/2006)

Evangelizar as novas gerações

“O pregador deve repercutir junto aos jovens e de um jeito que eles entendam e queiram ouvir mais não o que ele pensa, mas o que sua Igreja ensina […] Neste mundo poluído de mensagens de todas as procedências, o anúncio de Jesus tornou-se mais difícil. Revesti-lo de atualidade, torná-lo atraente e interessante é tarefa para quem os entende”  

(‘Evangelizar os jovens’ – 13/06/2006)

A busca incessante por Deus

“A grande verdade sobre a existência de Deus é que quem se gaba de havê-lo encontrado corre o risco de perdê-lo, exatamente porque se gabou. Quem humildemente continua a procurá-lo, prova que realmente o encontrou porque o primeiro resultado do encontro com Deus é querer saber mais sobre Ele”.

(‘Deus – será que o encontramos?’ – 01/05/2007)

Unidade na diversidade

“O que seria da Igreja sem os que lutam pelos pobres e injustiçados e abraçam a sua causa? O que seria da Igreja sem os que oram, animam e chamam à conversão pessoal? Entre os católicos, há os místicos, os ativistas e, infelizmente, os indiferentes e os fanáticos. E o que possuem em comum? O que ainda permitem que todos se considerem de Cristo? Apesar dos enfoques e diferenças, o que faz ainda os católicos serem unidos e católicos? Ensaie uma pequena lista. Seria um bom teste para o seu conhecimento de catequese!”.

(‘Diferentes, mas católicos’ – 14/08/2007)

“Diferença pode haver… O que não pode haver é a estudada indiferença de quem ora a 200 metros do outro, mas não consegue ver-se  o ano inteiro, nem mesmo para tomar um café no mesmo bar da esquina (…) Nunca deixei de ser católico, nunca senti necessidade de mudar nenhuma doutrina na minha Igreja para agradar os outros, mas cresci sentindo a necessidade de ouvir sobre a história e os porquês da doutrina dos outros (…) Enfim, cresci aprendendo que a diástole, abertura de coração na fé, é um dom de respeitar o jeito e a visão do outro”.

(‘Católico, apostólico, diastólico e romano’ – 06/11/2007)

Os riscos do cigarro

“São mais de 4 mil substâncias químicas aspiradas pela boca num maço de cigarro. Algumas delas são tóxicas e geram dependência porque atingem o cérebro (…) que o mundo se incomode com as guerras, mas também com os cigarros! Eles matam mais gente do que as bombas! Consultem as estatísticas”.

(‘Fumaça que mata’ – 07/02/2008).

Um olhar sobre a missa e os templos

“…lá nos nossos templos, [nós, católicos] fazemos cinco procissões: A primeira é a entrada; a segunda, a da Palavra; a terceira, a do ofertório; a quarta, a da comunhão; e a quinta, a da despedida ou do ‘Ide’. Vamos lá e nos movemos. Não ficamos à espera de que venham a nosso banco…”

(‘Religião de quem vai’ – 13/05/2008)

“… sou grato à Igreja Católica por ter me apresentado a Jesus de Nazaré. E ela o fez muito bem. Ainda hoje, quando entro num templo católico, salta-me aos olhos a nossa catequese na parede. Outros templos não a utilizam, mas nós nos valemos até das paredes, vitrais e colunas para contar histórias da nossa fé. Lá na frente há o sacrário e, um pouco ao lado, uma bíblia aberta. Mas assim que entramos começam as linguagens claras da Igreja nos dizer que ali se recorda Jesus Cristo e seu Evangelho”.

(‘A Cristo, pela Igreja’ – 06/07/2010)

A favor da vida

“Quanto à acusação de que a Igreja é pouco moderna ou pouco inteligente ao condenar a distribuição de camisinhas ou se opor ao aborto subsidiado pelo Estado, é de se perguntar se ser clemente não é melhor do que parecer inteligente. Clementes não para com quem tira a vida e sim para com o feto por nascer (…) se defendem o frágil mico-leão-dourado, o frágil ursinho abandonado e as frágeis corujas de beira-mar, porque não defender os frágeis fetos humanos indesejados? Ou salvamos as focas e os ursinhos enquanto eliminamos os filhos já concebidos”.

(‘Os católicos e a saúde pública’ – 09/09/2008)

Matrimônio

“Tem muitos laços o matrimônio. Também tem muitos nós. Mais laços do que nós. O nós por causa do grande ‘Nós’ que os dois ‘Eu’ criaram. Os laços são muito mais flexíveis e é gostoso atá-los e reatá-los […] Uma coisa é certa. Se um casamento tem mais nós do que laços, está em crise. Se só aceita laços frouxos e nenhum nó, está em crise. Sem laços não há eu! Sem os nós, o ‘Eu’ jamais se transformará em ‘Nós’”.

(‘De nós e de laço’ – 15/02/2011)

Falsa expulsão de demônios

“Estudiosos do que se convencionou chamar de possessão sabem que não há demônios submissos e obedientes ao pregador. O uso do nome de Jesus, nesses casos, torna-se abusivo porque não há demônio a ser expulso. Demônios submissos demais, que aparecerem ao comando do pregador, não são demônios: são coadjuvantes. É o que se chama hoje de demônios de palco. O personagem principal é o pregador que chama a atenção para si”.

(‘Demônios de ficção’ – 02/12/2008)

Sonhos para o Brasil

“O país que, com outras igrejas, outros religiosos, outros grupos de serviço e de cidadania sonhamos, é um Brasil educado para a convivência e para a paz. Somos daqueles que acreditam que a paz vem do céu, mas não cai em nossas mãos toda vez que a pedimos. Antes, é ela como planta, cuja semente o céu nos dá, mas que se não for semeada, plantada, irrigada em bem cuidada não dará nem flor, nem fruto”.

(‘Ao país dos meus sonhos’ – 17/03/2009)

Conselhos aos artistas

“Foram milhares os famosos feridos pela fama. Suicídios, crimes, desrespeito à palavra dada e aos contratos assinados, graves desvios de conduta, sucessivos matrimônios falidos, perda de rumo, graves problemas com a lei ou com seu público mostram que, tanto entre eles, os notórios e famosos, quanto entre os não notórios cansados de algum fardo, há feridas incuráveis (…) Há todo um mecanismo de marketing atrás da fama. É esse mecanismo que sustenta os famosos que, desde o começo, se revela maior do que a pessoa promovida”.

(‘Fama súbita’ – 04/08/2009)

Aos artistas e comunicadores católicos

‘Bonita e agradável de se ouvir, há uma canção executada nas missas que exclama: ‘Quero amar somente a ti’. Num exercício de súplica, pede a graça de santidade e de conversão a Deus. Se o autor tivesse consultado um teólogo, um bispo, um catequista, teria sido aconselhado a mudar a letra. Motivo: a canção esconde uma insuficiência teológica. Está claro como a luz do dia nos evangelhos que um cristão não pode querer amar ‘somente’ a Deus. É doutrina central do catecismo o amor a Deus e ao próximo. Afirmar o amor somente a Deus não é erro pequeno”.

(‘Amar somente a Deus’ – 06/10/2009)

“Procuram-se pregadores, locutores e apresentadores profundos, dinâmicos e envolventes (…) Não precisam ser doutores, nem gênios da comunicação, mas espera-se que gostem de livros. Mais do que isso: precisam gostar de livros profundos e ricos de informação e catequese e não apenas de livros de testemunho de vida! […] Espera-se que deles que conheçam pelo menos 30 documentos da Igreja, os principais, e passem a informação a seu público (…) Que o povo percebam que não param de ler”.

(‘Profundos e envolventes’ – 02/11/2010)

“A Igreja Católica tem história rica de conteúdo e personagens interessantíssimos que merecem ser conhecidos. O microfone que me emprestam é para apontar para os outros, os holofotes são para mostrar os outros e as câmeras não devem demorar em mim. É o que passo a quem diz aprender comigo. ‘Protagonismo discreto’, eis a ideia. É o que ensino, é o que tento viver”.

(‘Microfone que não é meu’ – 31/01/2012)

Manter a fé diante das adversidades

“… precisamos entender as perguntas de quem acha que Deus poderia, mas não quis, salvar aquelas vidas [vitimadas no terremoto do Haiti, em 2010]. Pouco sabemos sobre a misericórdia, o poder e as ações de Deus. […] Amor, perdão, alegria, afetos, dores e angústias acontecem com os outros e podem acontecer conosco a qualquer momento. A resposta que dermos nos ajudará, ou a morrer ou a viver em paz, apesar das turbulências”.

(‘Deus e o terremoto’ – 26/01/2010)

Um olhar sobre a cidade de São Paulo

Toda vez que entro em São Paulo sabendo que estarei no meio de seus mais de 10 milhões de habitantes, o primeiro sentimento que vem é o de mistério […] vou vivendo nesta cidade de crime, de violências, envenenamentos, asfaltos, sangue no asfalto, loucuras, abraços, beijos apaixonados no metrô, ternuras, religião e fanatismo. (…) Sei que vou morrer e não sei quando, mas sei que enquanto estiver vivo e puder fazer alguma coisa para que isto aqui se torne um lugar mais decente, é exatamente isto que farei”.

(‘Misteriosa metrópole’ – 04/01/2011)

O passar dos anos

“A vida nos encontrará manhosos, carentes, resmungões e insatisfeitos se esperávamos que ela jogasse as respostas em nosso colo. Vai nos achar tranquilos, sem grandes carências e criativos como sempre se formos ao encontro dela. Somos como o sujeito que diante do apagão da casa achou a gaveta, o fusível e as chaves. Ele tinha no chaveirinho, uma lanterninha com mini-pilha que sempre se renovava. Sua pequena luz o ajudava a achar luzes maiores onde quer que fosse”.

(‘Sólidos e cimentados’ – 24/05/2011)

O católico precisa estudar sempre

“Num país cada dia mais dependente da televisão e da internet, dos resumos oferecidos por editores de revistas, jornais e programas de rádio e televisão, convém formar o católico para que vá à fonte e leia os documentos, os livros e se inteire do que realmente foi dito e escrito”.

(‘Cristão que estuda e que lê’ – 27/03/2012)

Futebol e violência

“Como esperar que os jovens de uma nação não recorram à violência para alcançar alguma vitória, se seus ídolos que calçam chuteiras a ela recorrem diante de estádios lotados e de milhões de espectadores? Chutes, calços, empurrões, cotoveladas no rosto, mão na cara, camas de gato, testadas e cabeçadas, mentiras, fingimentos e simulações… […] como tem sido jogado aqui no Brasil, o esporte das multidões, em muitos momentos, é imoral e antiético. Não prima pela verdade nem pelo respeito. Poderia ser uma escola de lealdade. Não tem sido!”.

(‘Futebol e violência’ – 16/10/2012)

Coerência de vida

“Coerência supõe santidade e maturidade, valores que não caem do céu nem acontecem no estalar de alguns dedos. São conquistas lentas […] Mostramos nossa incoerência quando juramos e não cumprimos, prometemos e não assumimos, quando vamos embora de companheiros, familiares e igrejas ou grupos, se ir embora se nos afigura mais vantajoso (…) quando achamos sempre uma desculpa para nossos desvios e nos mostramos inclementes contra os erros dos outros; quando escondemos a enorme farpa em nosso olho e achamos horrível o cisco no olho alheio…”.

(‘Coerentes como Jesus’ – 26/02/2013)

Esforço e doação ao próximo

“Está enraizada em nós a luta entre ser e não ser, querer e não querer, escolher entre o bem e o mal e viver o conflito do menos e do mais […] Desde criança, temos a tendência de obter mais com menos esforço e queremos o máximo possível com o menos possível (…) Na sociedade dos que não amam o bastante para sofrer por ela, poucos cedem em favor dos menos favorecidos. Ajudam aqui e acolá desde que não percam […) a mística do menos para nós e mais para os outros já fez muitos santos na Igreja. Mas é ascese para pouquíssimos: coisa de Reino dos céus…”.

(‘A graça do menos e do mais’ – 26/03/2013 – último artigo no O SÃO PAULO)

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