
Após a Ação Litúrgica da Paixão do Senhor, presidida pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer na tarde da Sexta-feira Santa, 18, na Catedral da Sé, aconteceu o momento devocional que recorda o sepultamento de Jesus. Devido ao tempo chuvoso, a tradicional procissão pelas ruas do centro da capital foi substituída por um cortejo no interior da catedral, com as imagens de Nosso Senhor morto e de Nossa Senhora das Dores, em meio a cantos e preces. Houve, ainda, o “canto da Verônica” que recorda a piedosa tradição da mulher que enxugou o rosto ensanguentado de Jesus no caminho para o calvário.
Em seguida, aconteceu o tradicional sermão das sete palavras de Cristo na cruz, proferido pelo Padre Luiz Eduardo Baronto, Cura da Catedral da Sé, e pelo Cônego Helmo Cesar Faccioli, Auxiliar do Cura.
Leia, a seguir, a íntegra do sermão:
Primeira Palavra: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc 23, 34a)
A primeira destas palavras encontra-se no contexto da crucificação entre dois ladrões e a troça das autoridades religiosas que celebram a sua vitória sobre Jesus que ousara pôr em causa as verdades e privilégios sobre os quais tinham construído seu poder. Salvou os outros, salva-te a ti mesmo, se és o Messias de Deus, o eleito.
Eles só conhecem a lógica do poder, do sucesso, que exclui quem pensa diferente ou desafia o seu poder despótico. O pior desses dirigentes é que passam, que são justos e têm o direito de condenar e de eliminar os outros, os que pensam diferente. Pior ainda é que não entendem quem é Deus, mas arrogam-se o direito de julgar em seu nome.
Na realidade, só conhecem a si mesmos e as suas certezas. Se Deus intervém com sua misericórdia de Pai, desarranja este mundo autocêntrico. É em nome de Deus que eles julgam e condenam Deus feito homem.
Este é o maior pecado, aquele que Jesus chama o pecado contra o Espírito Santo, aquele que não permite que Deus entre com a sua misericórdia na nossa vida para transformá-la e salvá-la. Jesus não veio condenar ninguém, nem mesmo esses que o condenam. Não entenderam o coração, a lógica de Deus.
Mas também para eles, como era Paulo, o perseguidor está levantada a cruz da misericórdia e do perdão. A mão de Deus está estendida, é preciso que a outra se abra para a receber. Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.

Segunda Palavra: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43)
Jesus, termina a sua vida como tinha sido anunciado pelo profeta. Serás contado entre os malfeitores. Para o evangelista, esta imagem da sua vida dedicada a redimir a humanidade pecadora, não de fora, mas a partir de dentro, do estar sem pecado entre os pecadores.
Esses dois crucificados são representantes de toda a humanidade merecedora de morte, aos olhos daqueles que se consideravam mais justos e exclui-os com outros. Mas esses são antes de mais pecadores, precisamente por isso, porque não o admitem. A palavra do ladrão assume a súplica de toda a humanidade.
E a última palavra, é a última palavra que Jesus escuta nesta terra. Jesus, lembra-te de mim quando chegares no teu reino. A sua resposta a este grito, é também no evangelho de Lucas, a sua última palavra, dirigida a humanidade pecadora, mas amada.
Hoje, estarás comigo no paraíso. É o resumo de toda a missão que Jesus veio realizar, revelando e realizando o desígnio salvador do Pai, através do dom da vida.
Terceira Palavra: “Mulher, eis aí o teu filho. Filho eis aí a tua Mãe!” (Jo 19, 26-27)
Também agora, no momento da sua aflição, Jesus não está preocupado somente com sua dor, mas Ele olha ainda a sua volta, e vê a mãe e o discípulo amado. Esta é uma imagem que nos emociona muito. Imagem que nós vemos representados em tantas imagens das nossas igrejas.
A figura de Maria e do discípulo amado aos pés da cruz. Jesus, neste momento, já não tem mais nada. Os amigos se foram, já não tem sequer vestes.
Está seminu na cruz, fruto da arrogância daqueles que o crucificaram. Totalmente despojado, sem nada. E mesmo neste momento, Ele se recorda de nós, e nos dá talvez a única coisa que lhe restava, a sua própria mãe.
Ao olhar para o discípulo, e ao olhar para a sua mãe, Ele nos oferece ainda uma última coisa, antes de partir para o Pai. Filho, eis aí a tua mãe. Mãe, eis aí o teu filho.
E o Evangelho diz que a partir daquele momento, o discípulo levou Maria para sua casa. Assim somos nós também. Cremos em Jesus, o temos como nosso irmão, e sabemos confiantemente que podemos contar com esta presença em nossa vida de sua mãe.
Afinal de contas, não foi uma imposição, mas Ele nos ofereceu o que lhe restava, que era a sua própria mãe. E hoje cada cristão tem a certeza de ter em seu caminho, em sua casa, a figura bendita da mãe de Jesus. Agradeçamos, pois, a Ele, por esse gesto de oferta que nos fez, no momento da sua dor, no momento da sua aflição.
Quarta Palavra: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46; Mc15,34)
Esta exclamação de Jesus crucificado, mostra, antes do mais, como Ele desceu realmente a nossa condição humana, em todas as suas potencialidades e capacidades, mas igualmente a sua dramaticidade. Dor e limitação. Confrontado com a oposição, a violência, a injustiça, a dor e a perspectiva da morte, Ele permanece fiel ao projeto do Pai do Céu, e do Seu desígnio de criação de um mundo mais humano e aberto à plenitude da vida.
Na hora da crise, da violência, da morte, Jesus sente angústia de qualquer ser humano, não só perante a morte física, mas igualmente perante o aparente desenrolar dos seus projetos. Ele sente a experiência do abandono de Deus, nós também sentimos, que contradiz a própria relação com Ele. Esse é também o grito da humanidade que crê, o grito de todos nós.
Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? Não é um grito contra Deus, mas dirigido a Deus na dor, e por vezes na difícil compreensão dos seus caminhos. No fundo, um grito de sede e de confiança, para entender e aceitar o porquê de tudo isso, e a meta onde o caminho da vida nos leva.
A dor pode ter este efeito, reconhecer a própria limitação, e levantar os olhos ao céu, à procura de luz, de força e de caminho.

Quinta Palavra: “Tenho Sede!” (Jo 19, 28b)
Esta não é somente uma palavra, mas é um grito, um grito desesperado daquele que é fonte de água viva, e que grita dizendo, tenho sede. Era um grito também para se cumprir o que estava dito na escritura, Ele pedirá água.
É um grito que resume toda a vida de Jesus, do cumprimento da vontade do Pai, do cântico durante a adoração da Santa Cruz, através do canto Deus nos fez um questionamento, e esse grito de Jesus agora, passa a ser também uma interrogação a todos nós. Diz-se o canto, eu te dei a beber a boa água da pedra, e tu me desse a beber fel e vinagre. Porque nós sabemos que a resposta, que aqueles que crucificaram Jesus deram ao pedido dele, foi justamente lhe dar vinagre.
E assim também nós nos perguntamos, quantas vezes Deus sentiu sede de nós, sede da humanidade, sede de estarmos dispostos, e a disposição dele e do seu chamado. A sede de Deus é nossa, mas também Deus tem sede de nós. Que essa palavra de Jesus, ressoe em nossos corações, para que nós busquemos nele também, a nossa fonte, de onde bota a água viva, que renova a nossa vida cristã.
Sexta Palavra: “Tudo está consumado!” (Jo 19, 30a)
O evangelista São João, depois de parar em contemplação, diante da morte de Jesus, continua revelando o sinal, que cumpre as escrituras, e o projeto de Deus solenemente, prometido pela sede de Jesus. É algo de tão importante, que João faz dessa contemplação, o ponto de chegada, de todo o evangelho, o dom do Espírito, que jorra do peito trespassado de Jesus na cruz. Os soldados partiram as pernas, aos que tinham sido crucificados com Jesus, para que morressem de sufocação, não podendo apoiar-se nos pés para respirar.
Chegando a Jesus, não se deram a esse trabalho, pois viram que estava já morto, mas trespassar-lhe o peito, e saiu sangue e água. O sangue é sinal da vida, da vida levada até a morte violenta. Era por isso que Jesus tinha, explicado o modo de agir de Jesus, no início da narração da paixão, tendo amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim, com grande amor a eles.
A água, é a promessa feita por Jesus, ao longo do Evangelho, o dom do Espírito. A humanidade de Jesus, como expressão total do amor, o sangue, e o dom do Espírito do Pai, a água prometida, são o coroamento, da missão de Jesus nesta terra, que introduzem na humanidade, o novo dinamismo. A criação prodigiosa, do ser humano, atinge uma nova dimensão, ao participar do Espírito, da vida de Deus.
E deste fato, do sangue e água, que brotaram do lado aberto de Jesus, nasceu a igreja, da qual somos filhos, e membros vivos. Pensemos, nesta tarde, a igreja que nasce, do lado aberto de Jesus. Pensemos o dom, da fidelidade a ela, para cumprir-se, a palavra de Jesus em nós, que nele acreditamos.
Sétima Palavra: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23.46b)
Era por volta do meio-dia, quando Jesus, então, pronunciou, esta última sua palavra, Pai, em tuas mãos, entrego o meu Espírito. Era Jesus, aquele que havia sido obediente ao Pai, aquele que tinha, se desdobrado, pelo projeto que o Pai lhe havia confiado.
Agora, a sua última palavra, é uma palavra, de profunda confiança no Pai. Aquele que havia perguntado, Pai, por que me abandonaste? Agora termina, entregando o seu Espírito ao Pai, num ato de profunda confiança nele.
Porque somente o Pai, não o deixaria, sob a tutela da morte. O Pai, em tuas mãos, entrego o meu Espírito. A morte de Jesus, meus irmãos, nos faz pensar, também, na nossa morte.
No dia, em que Deus haverá de nos chamar. E esse dia, poderá nos pegar de surpresa. Mas também, poderá, nos dar a certeza, de que nós, não estaremos sozinhos, naquele momento.
Se tivermos fé, viveremos esse momento, da passagem, para o convívio de Deus, com o coração cheio de esperança. Se não tivermos fé, entraremos, num desespero, terrível. Porque, para nós, passará, pela nossa mente, a ideia, de que nós seremos entregues, à escuridão total, e à morte.
Louvada seja, a morte que nos encontrar, a ponto que nos dê, ainda, a possibilidade, de pensar, na fé, o que nos aguarda, naquele instante, que nos separará, deste mundo, para, a vivência, eterna, com Deus. A promessa, em que nós nos apoiamos, de que ressuscitaremos, com Jesus, foi dada por Ele mesmo. Quem crê em mim, mesmo que esteja morto, viverá.
Portanto, essas palavras de Jesus, que expresso a sua confiança ao Pai, também deveriam, expressar, a nossa confiança, no mesmo Senhor Deus, aquele que nos haverá, de tirar, dos grilhões da morte. Essa é a nossa esperança, é isso que nos faz andar, neste mundo, confiando em Deus, e mesmo nas tribulações, nos momentos difíceis, crer que a última palavra, é sempre de Deus, e a sua palavra última, é sempre, a vida. E é por isso, que nós estamos aqui.
Nós viemos ver Jesus morto, para termos ainda mais certeza, do grande mistério, que nos aguarda, que é a celebração, da sua ressurreição, e da sua vitória, sobre a morte. De nada nos adiantaria, chegarmos até aqui, e pararmos aqui. Como será bom, estarmos amanhã, na Vigília, e sobretudo no domingo, novamente reunidos, para dizer, que essa entrega, que Jesus fez da sua vida, finalmente terá, uma grande e vitoriosa conclusão.
O Pai, o retirou, na força do Espírito, da morte, e Jesus agora, vive e ressuscitado. Tornou-se, a razão da nossa esperança. E assim que caminhamos.
E que coisa bonita ainda, é saber que nesse momento, quando Ele chegar para nós, não só Jesus estará conosco, nos dando a certeza da fé, mas poderemos contar também, com a presença, amorosa e materna, da Virgem Maria. Porque durante toda a nossa vida, assim como Jesus também, contou com ela aos pés da cruz, ela que presenciou o momento, da sua morte. Haverá também, a todos aqueles que dela são devotos, ser ela também, a mãe, que estará, no momento da nossa passagem, para a Glória de Deus.
E é por isso, que todas as vezes, que a ela nos voltamos, nós rezamos, Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora, e, na hora da nossa morte. Que Maria, esteja conosco, que Jesus seja, também, nosso companheiro, no dia em que a morte, nos alcançar, da Ressurreição.
