Natal dos Pobres: um prato cheio de caridade e esperança

No centro da cidade, mais de 1,2 mil pessoas em situação de rua participam da ação celebrativa do Natal, organizada pela Aliança de Misericórdia, com missa presidida por Dom Odilo Scherer
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Centenas de mesas enfileiradas e forradas de vermelho, verde e amarelo transformaram o cenário da Praça Júlio Prestes, no domingo, 15. Em torno delas, mais de 1,2 mil pessoas em situação de vulnerabilidade foram servidas com atenção, carinho e alegria. 

Os 300 voluntários, alguns até provenientes de outros estados do Brasil, passavam com bandejas, levando muito mais do que alimento. “Distribuímos amor em forma de refeição, abraços e acolhida”, afirmou a missionária Elisa Barcelos. 

O Natal dos Pobres, promovido desde 2015 pela Aliança de Misericórdia, encerra a semana de ações de evangelização chamada Thalita Kum. Este ano, animados pelo tema “Ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar, nem tão rico que não tenha nada para receber”, os missionários percorreram praças, favelas, hospitais, universidades, presídios e unidades da Fundação Casa durante cinco dias. 

Também levaram a Palavra de Deus a lugares aonde poucos ousam ir, como bailes funk, pontos de prostituição e de uso de drogas. “Só nas ruas e na ‘Cracolândia’ alcançamos cerca de 600 pessoas. Dessas, 10 foram encaminhadas para casas de acolhida e recuperação”, informou a equipe de comunicação da comunidade, que contabilizou um total de 8.430 pessoas impactadas durante toda a missão. 

“Muitas pessoas olham para esses filhos que estão nas ruas e dizem que eles não têm jeito. O que eu digo é: ‘Visitem-nos!’ Nossas casas estão cheias de irmãos que tiveram suas vidas restauradas e são prova viva de que, com Deus, sempre há jeito”, afirmou, ao O SÃO PAULO, o Padre João Henrique, fundador da Aliança de Misericórdia.

‘O NATAL É PARA NÓS TAMBÉM’ 

O 3º Domingo do Advento, também conhecido como o “Domingo da Alegria”, foi o cenário litúrgico da missa presidida pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, que deu início ao evento Natal dos Pobres. 

Na homilia, o Arcebispo Metropolitano destacou a providência da data que reforça o sentido da missão: “É o Domingo da Alegria, e nossa alegria é a certeza de que o Senhor está perto de nós. É uma alegria que supera todas as tristezas que estão ao nosso redor e nos impulsiona a ajudar o próximo”. 

Dom Odilo também deixou uma mensagem aos missionários que se dedicaram nos cinco dias da missão: “Quero agradecer, em nome da Igreja, a tudo o que vocês fizeram como sinal do Evangelho vivido no meio das pessoas. Tenho certeza de que muitas foram tocadas pela missão Thalita Kum e perceberam que Deus pensou nelas por meio de vocês, que cuidaram desses irmãos. Muitos puderam perceber: ‘Nós também valemos; o Natal é para nós também’”. 

Essa foi a certeza de Neuler Rodrigues, 52, que mora na região da Sé e participou de toda a celebração antes da distribuição das refeições: “Eu não comia em uma mesa há muito tempo. Eles me convidaram para a missa na noite do Natal. Eu quero ir, porque me senti importante aqui”. 

UMA CARTA PARA O MENINO JESUS 

Ao final da celebração, Padre João Henrique compartilhou uma carta recebida na véspera, escrita por um jovem cuja vida fora restaurada das ruas. O destinatário da mensagem era o recém-nascido na noite de Natal. 

“Querido Jesus, nesta festa do seu aniversário, quero te presentear com a minha alegria. Um ano atrás, eu estava cheirando cocaína e agora estou aspirando a unção do Espírito Santo. Estava fumando para acalmar meu coração, mas agora tenho a Paz que vem de Deus. Também tinha um revólver na mão para assaltar, mas agora roubo almas para o céu. Eu te agradeço porque você quis nascer por mim e agora eu nasci para você”. 

Emocionado, Padre João Henrique contou que o jovem foi encontrado durante a Missão Thalita Kum. Ele ouviu o apelo de um missionário que dizia: “Abra as portas para Jesus”. Aquele convite simples, mas cheio de esperança, foi a chave que o fez abandonar os vícios, deixar as ruas e iniciar um novo caminho de vida. A carta, intitulada “Uma carta para o Menino Jesus”, foi sua maneira de expressar gratidão pela segunda chance que recebeu. 

Histórias como essa são o que motivam missionários como Clara Vasconcellos, que há 22 anos dedica sua vida à missão por meio do carisma da misericórdia. “Eu me senti chamada a dar de graça o que de graça recebi. Descobri que meu propósito é ajudar as pessoas a encontrarem sentido para suas vidas”, declarou. 

Clara, com energia contagiante, nem sequer dormiu naquela noite, mas demonstrava profunda satisfação. “Ficamos até às 6h no baile funk de Heliópolis, evangelizando os jovens e agora estamos aqui, porque nossa missão é levar o Evangelho às pessoas mais improváveis”, completou. 

Por fim, Dom Odilo destacou que o “Natal é sempre uma boa notícia. É o Filho de Deus que nasce no meio de nós. Assim, Deus declara que não se esqueceu de nós, e isso nos enche de esperança para alcançarmos o encontro definitivo com Ele”. 

Deixe um comentário