Igrejas, organizações sociais, empresários e o poder público uniram esforços para amenizar o sofrimento dos mais afetados pelas baixas temperaturas na capital paulista na última semana

Diante de dias e noites de frio intenso na última semana, com temperaturas abaixo dos 5oC e sensação térmica ainda menor, um mutirão de solidariedade uniu os governos estadual e municipal, empresários, organizações sociais e a Igreja para amenizar o sofrimento daqueles que vivem nas ruas da capital paulista, uma população de ao menos 25 mil pessoas, conforme dados da Prefeitura, de 2019, mas que se estima já ser superior a 30 mil pessoas.
Por meio da operação Baixas Temperaturas, a Prefeitura de São Paulo montou, entre 28 de julho e 2 de agosto, cinco tendas para atendimento à população em situação de rua na Praça da Sé, Praça Princesa Isabel (Campos Elísios), Largo da Concórdia (Brás), Praça Salim Farah Maluf (Santo Amaro) e Praça Miguel Dell’Erba (Lapa).
Nesses locais, foram distribuídos cobertores, agasalhos, mantas térmicas, kits de higiene, refeições e bebidas quentes à população em situação de rua. Além disso, equipes do programa Consultório na Rua, ação da Secretaria Municipal da Saúde em parceria com o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar), realizaram atendimentos médicos quando necessário.
Abrigos temporários
A Prefeitura e o Governo do Estado também instalaram (ou deram suporte a) abrigos temporários para que as pessoas em situação de rua pudessem pernoitar.
Na estação Pedro II do Metrô, o governo paulista montou um ambiente para abrigar até 400 pessoas entre 28 e 31 de julho, no pernoite das 20h às 8h. Todos puderam dormir em colchões e também lhes foram ofertadas re- feições, água potável e cobertores, como parte da ação Noites Solidárias, pela qual foram abertas 2 mil vagas temporárias adicionais em 134 cidades. Na capital, a iniciativa contou com o suporte da Pastoral do Povo da Rua.
“Fiquei impressionado com o carinho da equipe do Metrô, como eles estavam atentos, muito solícitos, o que é uma novidade. Isso até explica por que talvez não tivemos um número de pessoas tão grande ontem [na primeira noite], porque muitas vezes o morador de rua nem consegue entrar no Metrô, assim, pode ter achado estranho o convite para ir dormir na estação”, afirmou Padre Julio Lancellotti, Vigário Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, em coletiva de imprensa, na quinta- feira, 29 de julho.
Como parte da operação Baixas Temperaturas, a Prefeitura estruturou ambientes para o pernoite em locais nos quais a população em situação de rua costuma buscar ajuda, como a Casa de Oração do Povo da Rua, no bairro da Luz; a Paróquia São Miguel Arcanjo e o Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, do Bompar, ambos no bairro da Mooca, e o “Chá do Padre”, do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), no centro.
“Foram 1.057 vagas abertas que se acrescentam às já existentes pela Prefeitura. Vamos mantê-las até 30 de setembro, data final da operação Baixas Temperaturas”, assegurou, ao O SÃO PAULO, Berenice Gianella, secretária municipal de Assistência Social, detalhando, ainda, que além destas já havia 340 vagas e foram também abertas 187 em hotéis para famílias e idosos, com quartos individuais e direito a quatro refeições diárias.
“Toda pessoa que chega a esses abrigos é atendida. Não é pedido a ela qualquer tipo de documento, apenas que dê seu nome e idade. Caso não haja vaga, a orientação é que quem cuida do local telefone para nossa central de vagas e a Prefeitura se encarrega de levá-la para outro lugar”, detalhou a secretária, pontuando, também, que a SPTrans tem feito o transporte gratuito dos que aceitam ir para os abrigos, com a garantia de que serão levados de volta à rua onde permanecem regularmente, caso assim desejem.
“As nossas equipes estão trabalhando para oferecer uma vaga fixa, para que essas pessoas durmam, saiam do local durante o dia e voltem à noite. A ideia é criar vínculos, para que permaneçam no acolhimento e se reestruturem”, prosseguiu a secretária.
Caridade e união de esforços

Berenice foi uma das autoridades que estiveram na Casa de Oração do Povo da Rua, na manhã da quinta-feira, 29 de julho, quando o governador João Doria e o prefeito Ricardo Nunes, acompanhados das respectivas primeiras-damas, secretários, empresários e políticos com cargos legislativos, participaram de um ato pelo qual foram doados, com a ajuda da iniciativa privada, 8 mil cobertores, mil sacos térmicos de dormir, 2 mil pares de meias e 4 mil agasalhos novos.
Os itens foram repassados a 16 gru- pos e entidades que atuam no auxílio à população em situação de rua, entre as quais o Sefras, a Missão Belém, o Centro Comunitário São Martinho de Lima e o Arsenal da Esperança.
“Nada melhor do que homenagear as pessoas em situação de rua dando a elas o que precisam: amor, alimento, compaixão e acolhida”, declarou Doria. Na ocasião, o prefeito Ricardo Nunes agradeceu a todos os que se sensibilizaram doando os itens ou que de algum modo prestaram solidariedade às pessoas em situação de rua.
A necessidade de ações permanentes
Apesar da mobilização vista na semana passada, ao menos duas pessoas em situação de rua morreram nas noites mais frias. As causas ainda são averiguadas.
Na madrugada de 28 de julho, Flávio Bastos, 65, que vivia em situação de rua, foi achado morto no bairro do Pari. Na sexta-feira, 30 de julho, outro homem, de 37 anos, que dormia ao relento, foi encontrado sem vida na Praça Oswaldo Cruz, na Bela Vista.
O Movimento Estadual da População de Rua de São Paulo, por meio de seu presidente, Robson Mendonça, avaliou que as ações de assistência da Prefeitura às pessoas em situação de rua foram tardias, pois já se sabia previamente que o inverno deste ano seria rigoroso na capi- tal. Em entrevista ao portal G1, Mendon- ça classificou como um “pequeno avanço” a montagem das tendas e a abertura de espaços de abrigo, mas defendeu que estes sejam ampliados para locais como escolas e clubes esportivos.
Durante a visita das autoridades na Casa de Oração, no dia 29, Padre Julio Lancellotti comentou que a ação emergencial é um bom começo para ampliar as políticas públicas em favor da população de rua, mas algo ainda insuficiente.
“Nossas ações são muitas, mas ainda é pouco. A população em situação de rua mudou de perfil, mas muitas vezes estamos dando as mesmas respostas de uma época em que o perfil não era tão heterogêneo. Ontem [quarta-feira, 28 de julho], na primeira noite, encontramos duas famílias na rua, uma delas um casal com uma criança de 2 meses de vida e outras quatro crianças”, detalhou. De acordo com a Prefeitura, após tomar ciência do caso, essa família foi acolhida em uma das vagas dis- ponibilizadas em hotéis.
O Vigário Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua também fez um apelo à sensibilidade de todos: “Cada um pode levar consigo um gorro no bolso, uma garrafinha térmica com uma bebida quente, um par de meias. Quem está sozinho na rua é candidato potencial à hipotermia. Ligue no 156, avise a Prefeitura, ajude a aquecer essa pessoa. Essa responsabilidade é de todos. Os que estão na rua não são somente cidadãos de um estado, de um município: são nossos irmãos e ninguém deve deixá-los morrer de frio”.
CASA DE ORAÇÃO: UM PRESENTE DE DOM PAULO À POPULAÇÃO DE RUA

Na primeira noite para pernoitar na Casa de Oração do Povo da Rua, no bairro da Luz, cerca de 30 pessoas em situação de rua dormiram em um dos 67 colchonetes que foram dispostos no salão da capela.
“A impressão é que estes irmãos estavam no colo de Deus, de um Pai que acolhe, que aconchega seus filhos. Dois frades franciscanos ficaram aqui na capela fazendo companhia pra eles, e isso certamente ajudou a aprofundar a espiritualidade, não foi simplesmente um espaço para dormir”, contou à reportagem Ana Maria Alexandre, coordenadora da Casa de Oração do Povo da Rua.
O espaço existe desde 1997 e foi um presente do Cardeal Paulo Evaristo Arns à população de rua de São Paulo. Arcebispo Metropolitano entre 1970 e 1998, Dom Paulo ganhou em 1994 o prêmio Niwano da Paz, concedido pela comunidade budista japonesa de Tóquio a pessoas que colaboram para promover o desenvolvimento, conservar o meio ambiente e criar um mundo de paz.
A premiação foi em dinheiro, cerca de 190 mil dólares. Dom Paulo, então, resolveu usar o recurso para construir um espaço de oração à população em situação de rua, que ainda hoje é mantido pela Arquidiocese, sob a coordenação do Vicariato Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, cujo Vigário Episcopal é o Padre Julio Lancellotti.
A Casa de Oração mantém atividades de evangelização aos irmãos da rua – no próprio ambiente ou por meio dos missionários que vão ao encontro das pessoas e, entre outras ações, levam textos escritos pelo Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), com conteúdo de aprofundamento próprio de cada tempo litúrgico.
O local também é um ambiente para iniciativas caritativas em favor dessa população. Regularmente, prepararam-se refeições que são oferecidas aos irmãos da rua e organizadas as doações de roupas, calçados e cobertores que são distribuídos nas saídas das equipes da Pastoral pelas ruas.
Em meio à pandemia, um dos ambientes da casa foi transformado em padaria. Todos os dias são produzidas 2 mil unidades entre pães e bolinhos, com trabalhos conduzidos pela professora Juliana Pascal. Com a ajuda de voluntários, muitas outras ações são desenvolvidas atualmente, como a costura de ponches e sacos de dormir impermeáveis feitos com tecido de guarda-chuvas usados.
“Não estabelecemos um calendário sobre até quando vamos acolher as pessoas para dormir aqui, afinal, o frio continua. A nossa regra básica se mantém: ir às ruas para auxiliar os irmãos quando a temperatura ficar igual a 13oC ou abaixo. Levamos agasalhos, chocolate quente, sopa, cobertor, e, se for preciso, abrimos a casa para que durmam aqui, afinal, eles são nossos irmãos e isso é um gesto de amor”, enfatizou Ana Maria.
‘NÃO FECHEMOS O CORAÇÃO AOS NOSSOS IRMÃOS’

Além das inúmeras iniciativas realizadas ou apoiadas pelo poder público, muitas outras têm sido feitas por diferentes organizações e paróquias da Arquidiocese para atenuar o sofrimento das pessoas em situação de rua diante dos dias de intenso frio.
A Missão Belém, por exemplo, intensificou a ida às ruas para convidar as pessoas a se abrigarem em uma de suas casas.
“Estamos nos empenhando em trazê-los pra casa e dar todo o suporte. Com isso, precisamos de cobertores, mais alimentos perecíveis, roupas de frio e cuecas, e valores pra nos ajudar nas contas que irão aumentar. Já temos mais de 2.300 acolhidos, 700 são doentes, e esse número vai aumentar muito durante e após esta friagem terrível”, informou a assessoria de imprensa da Missão.
Na edição do programa “Encontro com o Pastor” da sexta- feira, 30 de julho, na rádio 9 de Julho, o Cardeal Odilo Pedro Scherer reforçou o apelo para que se dê maior atenção às pessoas em situação de rua nesta época mais fria do ano.
“Aquilo que nós fazemos ao próximo é como feito a Jesus. Não fechemos o nosso coração diante das necessidades, sofrimentos e privações pelas quais passam nossos irmãos. São momentos importantes para nós mostrarmos os nossos sentimentos cristãos e de solidariedade para com todos aqueles que precisam da nossa ajuda e do nosso socorro”, afirmou o Arcebispo Metropolitano.
Como colaborar com os projetos caritativos da Igreja em São Paulo?
– No mapa do projeto Animando a Esperança, é possível encontrar o endereço e os contatos das paróquias e organizações da Arquidiocese que fazem ações caritativas:
– Também consulte as plataformas digitais de outras iniciativas de referência:
Caritas Arquidiocesana de São Paulo
Serviço Franciscano de Solidariedade
Se você vir alguém em situação de rua em dias frios
– Seja solidário: ofereça roupas, cobertores, alimento, uma bebida quente (chá, café, chocolate etc.) e converse com a pessoa.
– Caso a pessoa aceite ir para um serviço de acolhimento, você pode ligar para o 156, que funciona 24 horas por dia. Informe o endereço onde ela está (pode ser um número aproximado), mencione algum ponto de referência, as características físicas e detalhes de como está vestida.