
Na Semana Santa, tanto na celebração do Domingo de Ramos quanto na ação litúrgica da Sexta-feira Santa, o relato da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo revela como o povo de Jerusalém, as autoridades e os apóstolos agiram diante da condenação injusta, da flagelação humilhante e da morte de cruz que Jesus sofreu.
“O relato da Paixão é para que entremos nele, tomemos nossa posição e nos questionemos: o que isso tem a ver comigo? Com a minha fé? Com o meu ser cristão? Com a minha posição de pessoa e de cidadão? Como membro da Igreja? Se a Paixão de Jesus acontecesse hoje, na posição de quem eu estaria?”, refletiu o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, na homilia da ação litúrgica da Sexta-feira da Paixão de 2024.
Apresentamos a seguir reflexões do Arcebispo e dos papas São João Paulo II, Bento XVI e Francisco sobre os comportamentos dos “personagens” relatados na Paixão de Cristo e quais aprendizados o cristão pode extrair destas posturas para os dias atuais.
JUDAS, com um beijo tu entregas o Filho do homem? (Lc 22,48)
“O amor ao dinheiro tinha-o afastado das regras: roubar, e de roubar a trair o passo é breve… Pensemos nos muitos Judas institucionalizados neste mundo, que exploram as pessoas. E pensemos também no pequeno Judas que cada um de nós tem dentro de si na hora de escolher entre lealdade ou interesse. Cada um de nós tem a capacidade de trair, de vender, de escolher pelo próprio interesse. Cada um de nós tem a possibilidade de se deixar atrair pelo amor ao dinheiro, aos bens ou pelo bem-estar futuro.”
(Papa Francisco, homilia em missa na Casa Santa Marta – 08/04/2020)
Não pertences também tu aos discípulos desse homem? Ele [PEDRO] respondeu, ‘não’ (Jo 18,17)
“Jesus sofreu a traição do discípulo que O vendeu e do discípulo que O renegou. Foi traído pela multidão que primeiro clamava hosana, e depois ‘seja crucificado!’ (Mt 27,22). Foi traído pela instituição religiosa que O condenou injustamente, e pela instituição política que lavou as mãos. Pensemos nas traições, pequenas ou grandes, que sofremos na vida… Olhemos dentro de nós mesmos; se formos sinceros para conosco, veremos as nossas infidelidades. Tanta falsidade, hipocrisia e fingimento!”
(Papa Francisco, homilia do Domingo de Ramos de 2020)

Eu sou inocente do sangue deste justo; a vós pertence toda a responsabilidade (Mt 27,24)
“[PILATOS] está cada vez mais convencido de que o Réu é inocente, mas isto não lhe basta para proferir uma sentença de absolvição… Pilatos, intuindo o perigo, cede definitivamente [aos acusadores de Jesus e à multidão] e profere a sentença, acompanhada do gesto teatral de lavar-se as mãos… Ao longo dos séculos, a negação da verdade gerou sofrimento e morte. São os inocentes que pagam o preço da hipo-crisia humana. As meias-medidas não são suficientes. Nem basta lavar as mãos.”
(São João Paulo II, Meditações e Orações da Via-Sacra do ano 2000)
Impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus (Lc 23,26)
SIMÃO DE CIRENE “certamente não queria levá-la [a cruz]. Por isso, teve de ser obrigado. Caminhava ao lado de Cristo sob o mesmo peso. Emprestava-Lhe os seus ombros, sempre que os ombros do condenado pareciam vacilar….”
(São João Paulo II, Meditações e Orações da Via-Sacra de 2003)
“Simão Cirineu tomou sobre si, nas costas, a cruz de Jesus – um condenado, injuriado, torturado, acusado de falso profeta – e não se envergonha de fazê-lo por alguém que era desprezado. Simão Cirineu é a imagem da pessoa solidária, é alguém que faz seu o sofrimento do próximo. É sensível a Jesus que não aguenta o peso da cruz. E um dos problemas do nosso tempo é a insensibilidade diante do próximo”.
(Cardeal Scherer, homilia da ação litúrgica da Sexta-feira da Paixão de 2024)

Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo (Lc 23,39)
“No calvário, confrontam-se duas mentalidades; vemos, no Evangelho, como as palavras de Jesus crucificado se contrapõem às dos seus adversários. Estes vão repetindo, como se fosse um refrão, ‘salva-te a ti mesmo’. Dizem-no os CHEFES: ‘Salve-te a ti mesmo, se és o Messias de Deus, o Eleito’ (Lc 23,35). Proferem-no os SOLDADOS: ‘Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo’ (23,37). E também um dos MALFEITORES, tendo ouvido tais palavras, repete-as: ‘Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo’ (23,39). Salvar-se a si mesmo, olhar por si mesmo, pensar em si mesmo; não nos outros, mas apenas na própria saúde, no próprio sucesso, nos próprios interesses; ter, poder e aparecer. Salva-te a ti mesmo: é o refrão da humanidade que crucificou o Senhor.”
(Papa Francisco, homilia do Domingo de Ramos de 2022)
CENTURIÃO: Verdadeiramente, este homem era o filho de Deus (Mc 15,39) “Este oficial do exército romano, que assistira à execução de um de tantos condenados à pena capital, soube reconhecer naquele Homem crucificado o Filho de Deus, que expirou no abandono mais humilhante… A profissão de fé deste soldado é-nos proposta todas as vezes que voltamos a ouvir a narração da Paixão segundo São Marcos.”
(Papa Bento XVI, saudação aos fiéis na Via-Sacra de 2010)
“[O Centurião] deixou-se surpreender pelo amor. De que maneira vira Jesus morrer? Viu-O morrer amando, e isto maravilhou-o. Sofria, estava exausto, mas continuava a amar. Eis aqui a surpresa diante de Deus, que sabe encher de amor o próprio morrer. Neste amor gratuito e inaudito, o Centurião, um pagão, encontra Deus.”
(Papa Francisco, homilia do Domingo de Ramos de 2021)

(Cardeal Joseph Ratzinger, Meditação da Via-Sacra em 25 de março 2005 – ele seria eleito papa – Bento XVI – em 19 de abril aquele ano).
“Tanto José de Arimateia quanto Nicodemos, embora ocupassem altos cargos entre as autoridades, tiveram a coragem de se expor, não tiveram vergonha de buscar o corpo de Jesus e lhe dar digna sepultura, e neste momento de se declararem discípulos de Jesus. Hoje, quantas vezes acontece de ‘na hora h’, por medo, por pressão, por ver risco, nós ‘tiramos o corpo fora’, nos escondemos, não queremos nos envolver, nos esquecemos da verdade, não nos fazemos defensores da verdade nem do que é justo e digno. Que coragem nós temos hoje de sermos testemunhas da verdade e defendermos alguém que é injustiçado?”
(Cardeal Scherer, homilia da ação litúrgica da Sexta-feira da Paixão de 2024)