A exemplo de Cristo, a vida do apóstolo Paulo (leia mais aqui) é uma inegável demonstração de despojamento e entrega à causa do Reino. Como um discípulo que se espelha nas pegadas do Mestre e Dele aprende em profundidade, Paulo testemunha com veracidade sua adesão ao Senhor, o que faz com que suas palavras, escritos, vivências e ensinamentos se tornem, mais que um importante legado de fé, um itinerário de como ser um autêntico cristão, destinado aos fiéis de todos os tempos.
Incansável na pregação dos valores evangélicos ainda nas sinagogas da era cristã primitiva e, num segundo momento, disposto a enfrentar perigos, fadiga, perseguição e trabalho duro em longínquas nações para alcançar os povos pagãos, é certo que, dado seu fervor apostólico e se vivo estivesse, Paulo faria das plataformas do mundo digital de hoje o seu grande areópago.
Como um exercício, O SÃO PAULO convida você, leitor, a acompanhar a seguir uma hipotética entrevista com o Apóstolo dos Gentios, a respeito de sua experiência pessoal e de alguns temas centrais da fé cristã, cujas respostas são extraídas do teor de suas cartas, presentes nas Sagradas Escrituras.
O SÃO PAULO – A exemplo de sua própria história de conversão, como se dá o encontro de um ser humano com Jesus Cristo? E qual a relação que surge a partir de então?
Apóstolo Paulo – Irmãos, é preciso que, em primeiro lugar, compreendamos o valor absolutamente fundante e insubstituível da fé, pois estamos convencidos de que é pela fé que o homem é justificado, independentemente das obras da Lei (cf. Rm 3,28). Como ensinei, o homem não é justificado pelas obras da Lei, mas unicamente pela fé em Jesus Cristo; por isso, também nós acreditamos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé Nele e não pelas obras da Lei; porque pelas obras da Lei nenhuma criatura será justificada (cf. Gl 2,16). “Ser justificados” significa ser tornados justos, ser acolhidos pela justiça misericordiosa de Deus e entrar em comunhão com Ele. Isso nos possibilita estabelecer uma relação muito mais autêntica com todos os nossos irmãos, tendo antes, como base, o perdão dos nossos pecados. Essa condição de vida não depende das nossas eventuais boas obras, mas de uma mera graça de Deus, pois, sem o merecermos, somos justificados pela sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus (cf. Rm 3,24). Afirmo que o novo rumo da minha vida se deu a partir do encontro com Cristo ressuscitado. Antes da minha conversão, embora não fosse um homem afastado de Deus e da sua Lei – pelo contrário, era um observante fiel, a ponto de beirar o fanatismo –, compreendi que tinha procurado me edificar a mim mesmo, à minha própria justiça e, com ela, tinha vivido de maneira egoísta. Compreendi que era preciso reorientar minha existência, pois a vida que agora tenho na carne a vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim (cf. Gl 2,20).
O SÃO PAULO – Como é viver a vida sob os desígnios de Cristo?
Apóstolo Paulo – É preciso ter em mente que, uma vez tendo encontrado a pessoa de Cristo, não se vive mais para si mesmo, para a própria justiça. Vive-se de Cristo e com Cristo, entregando-se a si mesmo, não mais procurando e se construindo a si mesmo, mas deixando que Ele se torne o centro de nossas vidas. Esta é a nova justiça, a nova orientação que o Senhor nos deu, que a fé nos deu. É preciso deixar que Ele seja soberano e que nos deixemos conduzir por Ele. Diante da cruz de Cristo, que nada mais é que a expressão extrema da sua autodoação, não há ninguém que possa se vangloriar a si, à própria justiça. Assim, devo lembrar-lhes de que aquele que se gloria, deve se gloriar no Senhor (cf. 1Cor 1,31), porque tenho consciência de que não devo de nada me gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo (cf. Gl 6,14).
O SÃO PAULO – Quais são os pontos centrais propostos por Cristo para se viver uma vida segundo os valores do Reino?
Apóstolo Paulo – Para vivermos segundo o que o Senhor nos pede, irmãos, é preciso que sejamos sóbrios, e nos revistamos da couraça da fé e do amor, e do capacete da esperança da salvação, pois Deus a ela nos destinou. Nossa fé deve ser ativa, dinâmica, pois Jesus Cristo morreu por nós a fim de que nós vivamos em união com Ele (cf. 1Ts 5,8-10). A cruz do Senhor é salvadora e redentora por estar impregnada do seu amor. Assim, uma vez que o exemplo parte Dele e como discípulos devemos imitá-lo, não nos esqueçamos, portanto, de que o amor é fundamental. De nada adiantaria falar a língua dos homens e dos anjos, ter o dom da profecia, conhecer todos os mistérios e toda a ciência, ter toda a fé, distribuir todos os bens em sustento dos pobres e até mesmo entregar o próprio corpo para ser queimado pois, se não houver amor, nada disso valeria. O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta! Lembrem-se: o amor jamais acabará! Por ora, permanecem estes três pontos centrais: a fé, a esperança e o amor; o maior deles, porém, é o amor (cf. 1Cor 13,1-13).
O SÃO PAULO – A que nossa vivência da fé deve nos conduzir?
Apóstolo Paulo – A fé, irmãos, como dom dado por Deus, deve ser cultivada de maneira assídua na vida cotidiana. Deve manter-nos, no entanto, numa atitude de constante humildade perante Deus, levando-nos, antes, a louvá-lo e adorá-lo. O que somos como cristãos devemos unicamente a Ele e à sua graça. Uma vez que nada e nem ninguém pode ocupar o seu lugar, é preciso que não ofereçamos a outrem o louvor e a adoração que Lhe são devidos. No entanto, a nossa pertença radical a Cristo e o fato de que “existimos Nele”, deve infundir-nos uma atitude de total confiança e imensa alegria e, assim, possamos exclamar continuamente, juntos: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31). A resposta é que ninguém poderá nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso (cf. Rm 8,39). Que nossa vida se baseie na rocha mais estável e segura que se possa imaginar, pois tudo podemos Naquele que nos fortalece (cf. Fl 4,13).