Com a solidariedade das igrejas, organizações da sociedade civil e ações do poder público, muitas pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo têm conseguido realizar ao menos uma refeição por dia. Mas será que elas se hidratam adequadamente?
O Sefras – Ação Social Franciscana publicou em outubro os resultados de uma pesquisa realizada com um grupo de cerca de 40 pessoas que participam de atividades semanais em seu Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua, o Chá do Padre, no bairro da Sé: 47% delas apresentavam desidratação, 29% estavam em risco para tal e 24% se mostravam adequadamente hidratadas.
Na pesquisa, conduzida por Paloma Brasil, nutricionista do Sefras, os participantes responderam a perguntas sobre a frequência com a qual tomam água, passaram por uma avaliação clínica particularizada e foram orientados sobre a quantidade ideal de consumo diário de água, além de receberem um panfleto com informações sobre os pontos públicos com água potável e os locais nos quais a Prefeitura de São Paulo costuma disponibilizar água quando se registram altas temperaturas na cidade.
Entre os parâmetros para avaliar o estado de hidratação das pessoas foram considerados a sede intensa, boca e pele ressecadas, olhos fundos, pouca ou nenhuma produção de lágrimas, diminuição da sudorese e o tempo de resposta que a pele leva para voltar ao normal após ser puxada (quanto maior a demora, maior o indicativo de desidratação). Fatores como a pulsação, frequência cardíaca, cor da urina, confusão mental, tontura e sonolência também foram considerados. Não houve, porém, coletas de sangue, fezes ou urina para exames laboratoriais.
DIFICULDADE EM ENCONTRAR ÁGUA PARA BEBER
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Paloma Brasil explicou que não é incomum que as pessoas idosas – público majoritário da pesquisa – confundam a sensação de sede com a de fome e, assim, consumam pouca água ou que evitem tomá-la para que não tenham incontinência urinária, algo muito corriqueiro nesta fase da vida. O dado mais significativo, porém, é que muitos dos entrevistados relataram que bebem pouca água em razão da dificuldade para encontrá-la disponível em locais públicos, precisando, por exemplo, fazer consideráveis deslocamentos para encontrar um bebedouro. Diante dos relatos, Paloma e duas estagiárias realizaram uma busca ativa pela região central. “Não há muitos locais com água disponível. Os únicos que nós encontramos foram no Largo da Concórdia, no Brás, e no Parque da Luz. No Brás, eles conseguem água durante 24 horas. Já o parque fica fechado em alguns horários”, lembrou a nutricionista. “Percebo que a preocupação com a hidratação geralmente surge apenas durante períodos de calor intenso”, complementou.
AMPLA AÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO
Paloma disse que o Sefras tenta mitigar essa situação oferecendo água po-tável em todos os seus locais de atendi-mento e dando às pessoas em situação de rua garrafinhas com água para que possam se hidratar em diferentes mo-mentos do dia. De acordo com o Sefras, os resultados da pesquisa “reforçam a necessidade de intervenções contínuas para conscientizar sobre a importância da hidratação e ampliar o acesso à água potável em áreas urbanas. A criação de novos pontos de hidratação é uma medida urgente para prevenir complicações de saúde relacio-nadas à desidratação, especialmente en-tre a população em situação de rua”. A nutricionista recomendou que os grupos que já fazem a distribuição de refeições às pessoas em situação de rua também se engajem para ajudá-las a se hidratar bem, seja pela distribuição de água, seja instalando bebedouros em seus espaços de atendimento. “Os grupos de paróquias que já servem refeições poderiam também ofertar copinhos de água, garrafinhas com água. Alimentação e água são fundamentais para manter um corpo saudável”, apontou.
OBRA DE MISERICÓRDIA
Na Paróquia Senhor Bom Jesus dos Passos, na Praça Portugal, em Pinhei-ros Região Episcopal Sé, “dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede” (cf. Mt 25,35) são obras de miseri-córdia realizadas desde a década de 1980. Especificamente sobre a distribuição de água, um projeto tem ocorrido desde o começo da pandemia de COVID-19, em 2020, com a entrega diária de cerca de 90 garrafas de água de 500ml às pes-soas em situação de vulnerabilidade. Segundo Maria Aparecida Melges, responsável pelos trabalhos sociais da Paróquia, uma academia e uma sorvete-ria doam as garrafinhas vazias. Na Paróquia, as garrafas e as tampinhas passam por um cuidadoso processo de higienização, os rótulos são retirados e, por fim, é colocada a água filtrada. Quando a Paróquia recebe doações de garrafinhas cheias, também as repassa aos atendidos. “Eles são imensamente gratos pelo trabalho desenvolvido de podermos saciar a sede de cada um”, assegurou. Para as paróquias que desejam iniciar um trabalho similar, Maria Aparecida diz que o mais importante é ter pesso-as disponíveis para manter a frequência nos atendimentos. Interessados em cola-borar com a iniciativa podem entrar em contato pelo telefone (11) 3085-9740.
Prefeitura tem operação especial para dias com altas temperaturas
Diante da publicação da pesquisa do Sefras, a reportagem do O SÃO PAULO questionou a Prefeitura sobre as ações que realiza para evitar os riscos de desidratação das pessoas em situação de rua.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Prefeitura de São Paulo informou que desde setembro de 2023 a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) realiza a Operação Altas Temperaturas (OAT) em dias de calor excessivo, a qual “consiste em intensificar a infraestrutura da rede socioassistencial e a abordagem das pessoas em situação de vulnerabilidade para que elas possam se proteger, evitando insolação, desidratação e outros problemas que podem decorrer da exposição ao calor. Sempre que os termômetros ou a sensação térmica atingem 32°C ou mais, são montadas dez tendas em pontos estratégicos da cidade. Nelas, é possível atender qualquer pessoa que queira um abrigo com temperatura amena para descansar e se hidratar, além de oferecer líquidos gelados, como água e suco, e frutas. As tendas também disponibilizam bebedouros da Sabesp com livre uso de água, inclusive para pets”.
A assessoria informou ainda que nos 16 Núcleos de Convivência para pessoas em situação de rua há, entre outros serviços, a oferta de água potável, e o mesmo acontece na Estação Cidadania, mantida pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania na Avenida Rangel Pestana, onde há grande concentração de pessoas em situação de rua.
A Prefeitura informou, também, que “a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) integra a OAT. Por meio dos serviços da Rede de Atenção à Saúde, Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e das equipes de Consultório na Rua, são intensificadas as orientações e ações de prevenção do risco de hipertermia para as pessoas em situação de rua, com especial atenção às suas vulnerabilidades específicas, em seus territórios de abrangência. Nas tendas da OAT ocorrem atendimentos de enfermagem, com verificação de pressão arterial e orientações quanto aos riscos de hipertermia e, caso seja necessário, há disponibilidade de ambulância para remoção para os serviços de urgência e emergência”.