Projeto de lei para a criação da Política Municipal de Atenção a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua é apresentado em seminário on-line
Nos semáforos à procura de algum trocado ou vivendo precariamente nas calçadas e praças sozinhos ou com seus familiares, cada vez mais há crianças e adolescentes em situação de rua na capital paulista.
“A rua não é um lugar para morar, não é um lugar para viver, muito menos para morrer. Os meninos e meninas em situação de rua representam não só a face visível da desigualdade social, bem como o resultado da omissão e, muitas vezes, da negligência do Estado, que os trata praticamente como sujeitos sem direito, restando-lhes um espaço de violação de direito e uma conjuntura de violência, exploração, drogadição e até de morte”.
A análise é de Sueli Camargo, coordenadora arquidiocesana da Pastoral do Menor, e foi feita durante o 1o Seminário “Criança de Rua tem Pressa”, na quinta-feira, 23, organizado pela própria Pastoral, em parceria com o Escritório Modelo “Dom Paulo Evaristo Arns” e o Grupo de Trabalho Direitos da Criança e do Adolescente, ambos da PUC-SP.
No evento on-line, transmitido pelo YouTube e o Facebook da TV PUC-SP, foram apresentados os detalhes do projeto de lei 253/2021, que dispõe sobre a “Política Municipal de Atenção a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua da Cidade de São Paulo”. Ele foi aprovado em primeira discussão na Câmara Municipal, e após a realização de duas audiências públicas, em datas a serem definidas, será colocado em segunda votação. Se aprovado pela maioria dos vereadores, seguirá para a sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Um problema que deve tocar o coração
Sueli foi uma das mediadoras do seminário, junto com o advogado Fábio Rodrigues de Jesus. Na abertura dos trabalhos, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano e Grão-Chanceler da PUC-SP, disse que o fenômeno das crianças e adolescentes em situação de rua só será superado com um esforço conjunto da sociedade e do poder público.
“É importante que grupos, movimentos e iniciativas da sociedade em geral façam a sua parte, pois o fenômeno da população em situação de rua deve tocar o coração da cidade. Ele não será resolvido se não for enfrentando politicamente, mediante um grande consenso, para que repercuta na Câmara Municipal, na Prefeitura, em dispositivos legais, e, também, em iniciativas administrativas concretas”, afirmou o Arcebispo, destacando que a dignidade das crianças e adolescentes em situação de rua deve ser sempre preservada, bem como a de seus pais.
A fala de Dom Odilo foi corroborada pelos professores Vidal Serrano Nunes Junior, diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP; Carolina Magnani Hiromoto, coordenadora do Escritório Modelo “Dom Paulo Evaristo Arns”; Mônica de Melo, pró-reitora de Cultura e Relações Comunitárias; e Pedro Paulo Manus, vice-reitor da PUC-SP.
Construção coletiva a partir da realidade
Sueli explicou que o PL é resultado de um processo desencadeado em 2013, quando, a partir denúncias o Ministério Público instaurou um inquérito civil público para averiguar a efetividade das ações da Prefeitura a esta população. A partir disso, diferentes atores da sociedade civil, incluindo a Pastoral do Menor, dialogaram sobre o problema e formularam, entre 2015 e 2018, o ‘Subsídio para a elaboração da política municipal de atenção a crianças e adolescentes em situação de rua e na rua na cidade de São Paulo”, que é a base do PL 253/2021, de autoria da vereadora Juliana Cardoso (PT), tendo como coautores os vereadores Eduardo Suplicy (PT), Luana Alves (PSOL), Eliana do Quilombo (PSOL) e Carlos Bezerra (PSDB). Outros parlamentares também participaram das discussões e da formulação dos 28 artigos do projeto de lei.
O que se propõe?
A ideia básica é que essa política municipal assegure os direitos fundamentais das crianças e adolescentes em situação de rua. A legislação prevê, por exemplo, uma atenção específica a esse público, com atendimento integrado e interssetorial.
“O projeto de lei fala da atenção à criança e ao adolescente de rua e na rua, porque a criança na rua normalmente tem uma casa, uma família, ou seja, tem para onde voltar; já a criança em situação de rua não tem casa, não tem um lugar para voltar, nem família”, explicou Juliana Cardoso.
A parlamentar disse que está prevista a criação de um comitê permanente à interlocução, participação e integração das diversas secretarias municipais e da sociedade civil. O PL também reforça a necessidade de que se valorize os vínculos familiares, comunitários e de pertencimento dessa população infantojuvenil.
A legislação menciona ainda a criação de linhas de financiamento e de estimulo a programas e serviços integrados e articulados nos territórios. “A criança e o adolescente precisam estar entre as prioridades do orçamento da cidade para que se desenvolva a politica pública”, ressaltou Juliana.
O projeto de lei também prevê o reordenamento da rede de atenção a esse público, por meio de três núcleos: um especializado na abordagem social, com funcionamento 24 horas por dia e com flexibilidade nos horários, a fim de que os atendidos criem vínculos nestes locais; com um serviço de acolhimento especializado, que funcionará das 8h às 24h, para a busca ativa e a abordagem social inicial; além de Centros de Referência Especializados, onde serão oferecidas atividades diferenciadas de socioeducação, com atendimentos individuais, em família ou em grupos, funcionando diariamente das 8h às 20h.
“Este PL pensa possibilidades de garantia de direitos, entendendo que estar na rua em si não é um crime, mas ter seus direitos violados na rua é. Também é um PL que não criminaliza a família das crianças, mas que busca apoiá-las de forma integral, não pensando em rompimentos de vínculos”, destacou a vereadora Luana Alves.
Intensificação de diálogos
Douglas Gualberto Carneiro, secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), disse que a Prefeitura já tem buscado olhar de modo integral para a realidade das pessoas em situação de rua. Ele avaliou que é fundamental que haja diálogo com outras cidades da Região Metropolitana, pois boa parte das crianças que permanecem nas ruas da capital vivem em outros municípios. Por fim, garantiu que a Prefeitura está disposta a participar das discussões sobre o PL: “Reuniões têm acontecido para que apresentemos um retorno efetivo sobre a adesão e a coerência desse projeto dentro das legislações vigentes e da dinâmica de cada secretaria. Colocamo-nos a disposição para colaborar em sua construção e implantação posterior”, assegurou.
Eduardo Dias Ferreira de Souza, professor da PUC-SP, procurador de Justiça do Ministério Público e ex-promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Capital, recordou que todas as conquistas legais em favor das crianças e adolescentes foram obtidas a partir das mobilizações dos diferentes atores sociais, trilha que deve ser seguida novamente. “Com certeza, essa experiência de São Paulo vai ser paradigmática para o Brasil e, quiçá, para a América Latina. A situação das crianças é triste demais, morando em vãos nas ruas, com riscos diversos, como o de atropelamentos. Esse PL é o primeiro passo concreto de uma parceria entre universidade, sociedade civil organizada, o parlamento e a Prefeitura”, analisou.