Projetos sociais ajudam a diminuir os abismos da desigualdade na capital paulista

Na zonas Sul e Noroeste da cidade, duas iniciativas permitem novas perspectivas para crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social

Katia Ribeiro (ao centro), fundadora da FB Danças, com bailarinas durante uma apresentação de rua (arquivo pessoal)

Atenta às situações sociais a sua volta e sensibilizada pelo alto índice de gravidez precoce na adolescência, a pedagoga Katia Bernardes criou, em 2009, a Francklin Bernardes Companhia de Dança (FB Danças), que oferece aulas gratuitas para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, na Vila Brasilândia, bairro periférico da zona Noroeste da capital paulista.

Katia afirma ser necessário uma ação conjunta de cada indivíduo, das entidades e da sociedade em geral para transformar as lacunas da desigualdade pautando os interesses: primeiro, no compromisso com a Educação de qualidade para todos; depois, cidadãos, instituições e poderes públicos comprometidos pela causa social, desenvolvendo políticas públicas para diminuir as diferenças socioeconômicas entre os brasileiros.

O PODER TRANSFORMADOR DA DANÇA

Inicialmente, Katia procurou saber quais espaços existiam para atividades das meninas na Região. “Nada encontrei, então, nasceu o desejo de fazer alguma coisa para mudar essa realidade”, contou ao O SÃO PAULO, recordando as motivações para a criação do projeto.

A FB Danças oferece uma programação educativa na linguagem da diversidade da Arte da dança com foco no ballet, jazz dance, samba, danças urbanas, flamenco, sapateado e outros, para alcançar um impacto positivo na vida das garotas e suas famílias.

“O ideal é transformar vidas por meio da dança, com ênfase na capacitação profissional. Aqui elas entram pequenas e sem saber nada de dança e saem bailarinas profissionais, prontas para o mercado de trabalho nacional e internacional”, disse a fundadora, que já recebeu mais de 5 mil bailarinas no projeto.

De acordo com a pedagoga, a dança, a arte e a cultura são elementos transformadores capazes de ressignificar a vida, as escolhas e redirecionar os sonhos. 

DA PERIFERIA PARA OS PALCOS DO MUNDO

Jéssica Gourlat é bailarina desde os 5 anos de idade. “Minha mãe conheceu o projeto e me trouxe para as aulas de dança. Enquanto ela trabalhava, eu ficava aqui. A cada aula, eu me apaixonava pelo ballet e, ao mesmo tempo, estava protegida da violência e na companhia de amigas”, disse.

Dançar é uma atividade que exige esforço, concentração, memória, disciplina e dedicação. Desenvolve as formas individuais e coletivas de expressão, de criatividade, de espontaneidade, expande a interação e comunicação com o outro.

“Era muito tímida e a dança me fez compreender que a expressão corporal é uma forma de mostrar ao mundo quem sou, independente de onde moro ou do status social”, expressou Nicoly Oliveira, bailarina que vai, em breve, se apresentar nos palcos e parques da China.

“Dançar em outro país é um sonho que abre portas e oportunidades para expressar a arte que aprendi graças ao projeto. É um sonho representar meu bairro além fronteiras”, comentou.

Kethllin Bernardes é coreógrafa na entidade e destaca que promover a inclusão das meninas da periferia é uma possibilidade de transformação social. “A sociedade idealizou um perfil para as bailarinas. Aqui, mostramos que, além do estereótipo, o importante é a dedicação e a resiliência em buscar os sonhos”, comenta a profissional, destacando, ainda, que “cada passo, cada gesto da dança, a postura, a expressão facial transformam, também, o modo de encarar a vida de uma forma mais serena e comprometida com o próximo”.

O espaço da Companhia é pequeno, mas os sonhos gerados são grandes e ultrapassam as barreiras físicas. “O ballet me permite viajar sem sair do lugar. Quando danço, esqueço os problemas, os medos, a insegurança. A dança me permite conquistar um mundo de possibilidades. Quero retribuir um pouco do que sei de dança para outras alunas”, destacou Jessica Brito, que chegou à FB ainda criança e que quer ser professora. 

AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO

Há quase dois anos, os filhos de Sharon Ribeiro Richter são atendidos no Centro para Crianças e Adolescentes (CCA), uma obra social, sem fins lucrativos, mantida pelo Instituto Meninos de São Judas Tadeu (IMSJT), vinculada aos Padres do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos), que atende um número expressivo de crianças, adolescentes e jovens em várias frentes de atuação.

Instituto Meninos de São Judas Tadeu (IMSJT) desenvolve atividades com crianças, adolescentes e jovens (foto: IMSJT)

“Estou passando por um momento delicado e o CCA é uma oportunidade de garantir a meus filhos, Thiago e André, uma formação humana de qualidade, desenvolvendo suas habilidades e capacitando-os para a vida e para o mercado de trabalho”, contou a mãe, que está desempregada e recebe cestas básicas do IMSJT.

“Percebo como meus filhos amam estar no projeto, um ambiente saudável, acolhedor e de convívio fraterno. Lá, aprendem várias atividades inclusivas e pedagógicas, aula de música, dança e reforço escolar”, destacou Sharon, que nota a evolução dos filhos e a contribuição do projeto para sua família e para a sociedade.

O Padre Cristiano Francisco de Assis, diretor do Instituto, comenta sobre as atividades nas áreas de Educação, Assistência e Desenvolvimento Social que são realizadas.

“Aqui as crianças e adolescentes recebem o acompanhamento escolar; aulas de dança, teatro, música, esporte. Além de atendimentos psicológico, odontológico, psicopedagógico e fonoaudiológico e complementação nutricional. Trata-se de uma contribuição às famílias que necessitam deste serviço e que, por condições financeiras, não conseguem oferecer isso aos filhos”, disse o Sacerdote. Ele comenta que o atendimento é um “verdadeiro oásis de esperança, pois aqui eles encontram a oportunidade de se prepararem para viver a vida e a possibilidade de construírem um mundo melhor ao seu redor”.

Aula de canto no Instituto Meninos de São Judas Tadeu

Sharon disse que o filho André foi diagnosticado com autismo e “graças à entidade tem acesso ao atendimento com a psicopedagoga, com a fonoaudióloga, coisas que não poderia viabilizar no momento”.

A gerente de serviços Valdirene Fernandes de Brito disse-se feliz por perceber “o movimento das famílias e crianças em busca de seus direitos, com ferramentas para alcançá-los não somente para o individual e sim para o coletivo. A transformação dos atendidos que alçam voos maiores na sua vida pessoal e profissional”.

O jovem Thiago Batista Richter destacou o poder transformador em participar das atividades: “eu gosto demais das atividades. O reforço escolar, as aulas de música e de dança são oportunidades de crescimento e aprendizado que me fazem uma pessoa melhor”, concluiu.

** AS FOTOS DESTA REPORTAGEM SÃO ANTERIORES À PANDEMIA DE COVID-19

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