
Ela sentiu “o apelo imperativo da caridade feita serviço, algo que a convidou a dedicar sua atenção às mulheres, especialmente as jovens, necessitadas de cuidado religioso, de assistência social, de autêntica sublimação cristã”. Assim afirmou São Paulo VI, ao canonizar, há 50 anos, em 25 de maio de 1975, Vicenta Maria López y Vicuña.
Nascida em 22 de março de 1847, em Cascante, na Espanha, Vicenta foi criada em uma família cristã e de boas condições financeiras. Mudou-se para Madri aos 10 anos para concluir sua formação. Passou a viver com os tios, um casal conhecido por sua generosidade e dedicação aos pobres. Acompanhando-os em visitas de assistência aos necessitados, viu de perto a situação das jovens migrantes que, sem família e sem apoio, adoeciam, não conseguiam emprego e acabavam vivendo nas ruas.
Nesse ambiente de compaixão e cuidado, Vicenta cresceu alimentando um profundo senso de responsabilidade social. Aos 18 anos, após fazer um retiro espiritual, sentiu o chamado à vida religiosa. Restavam-lhe, então, duas possibilidades: continuar ajudando a tia no serviço às jovens vulneráveis ou ingressar em uma ordem contemplativa. Tomou uma decisão e disse a frase que se tornaria símbolo de sua vocação: “As jovens triunfaram!”
Vicenta fundou, em 11 de junho de 1876, a Congregação das Religiosas de Maria Imaculada, com a missão de acolher, formar e proteger as “meninas trabalhadoras”.

ESCUTA, AFETO E PROMOÇÃO DA DIGNIDADE
As Religiosas de Maria Imaculada mantêm a essência do carisma iniciado por Santa Vicenta: acolher, formar e acompanhar jovens mulheres em situação de vulnerabilidade, especialmente as que buscam oportunidades dignas de trabalho e vida nas grandes cidades.
As religiosas oferecem moradia, formação humana, espiritual e profissional, além de apoio psicológico e acompanhamento vocacional. Com uma metodologia baseada na escuta, no afeto e na promoção da dignidade, seus pensionatos são espaços de proteção, crescimento e esperança. Em cada casa, busca-se não apenas preparar as jovens para o mercado de trabalho, mas também fortalecer sua autoestima, autonomia e fé.
A obra hoje está em quatro continentes: Europa (Espanha, Itália e Portugal), América (Brasil, Argentina, México, Equador, Colômbia, Peru, Chile, Venezuela, Uruguai, Paraguai e Estados Unidos), África (Máli e Burkina Faso) e Ásia (com presença marcante nas Filipinas e na Índia).

A congregação chegou ao Brasil em 1921, estabelecendo-se primeiro no Rio de Janeiro e, mais tarde, em São Paulo. Além do trabalho educativo nas casas de acolhida, as irmãs se dedicam à evangelização por meio de escolas.
O testemunho do jovem Nelson, ex-aluno da Escola Maria Imaculada, reforça o impacto da proposta educativa da instituição: “O colégio foi mais do que uma escola, foi um segundo lar e a base para a pessoa que me tornei. Formou não apenas meu intelecto, mas também meu caráter e meus valores”.
Luan, 17, aluno do ensino médio da escola, compartilhou sua reflexão sobre a importância da história de Santa Vicenta como exemplo de virtude humana: “Ao prestar mais atenção à vida dela, posso defini-la em uma palavra: entrega, porque ela se doou por inteiro e ajudou muitas pessoas”.

RESPEITO À DIGNIDADE DA MULHER
Santa Vicenta estava sempre atenta às diversas formas de violência e abuso que atingiam especialmente jovens em situação de vulnerabilidade.
“Naquele tempo, muitas meninas que trabalhavam como domésticas acabavam sendo obrigadas a ‘servir de várias formas’ os patrões e até os filhos deles”, conta Irmã Maria Francisca. Por isso, Santa Vicenta acompanhava de perto o destino de cada jovem.
“Ela analisava cuidadosamente as casas para as quais as moças seriam indicadas para trabalhar e só autorizava o envio quando tinha plena confiança na idoneidade dos empregadores”, completa a religiosa.

Este cuidado permanece ainda hoje. Cláudia Gonçalves chegou sozinha a São Paulo aos 20 anos de idade. Desempregada e sem condições de manter-se hospedada, recebeu propostas indecorosas para conseguir dinheiro, mas não cedeu. Acolhida pelas Religiosas de Maria Imaculada, encontrou um caminho digno e cheio de esperança.
“Fui morar com elas e me ensinaram tudo. Tive aulas de etiqueta, aprendi como me vestir, como atender ao telefone e até a cozinhar. Foi muito mais do que uma ajuda material, elas cuidaram do meu lado espiritual e isso moldou meu caráter”, conta.
Cláudia hoje integra um grupo de ex-colegiais, muitas delas antigas empregadas domésticas acolhidas pelas irmãs, que se reúnem mensalmente para rezar o Terço. Entre as intenções, está sempre uma oração pelas religiosas e pela missão da congregação. “Eu estaria na periferia da periferia se não fossem as Irmãs. Morei na pensão delas até me estruturar. Hoje tenho meu apartamento próprio e sou formada em Serviço Social”, recorda Alayde Mariana Theodoro, também participante do grupo.

DOIS CARISMAS, UMA MISSÃO
Santa Vicenta Maria (1847-1890) e São João Bosco (1815-1888) partilharam uma missão complementar, ainda que não tenham se conhecido: ele dedicou-se à formação de meninos em situação de vulnerabilidade; ela, voltou seu olhar e coração às meninas expostas aos riscos das grandes cidades. Além disso, ambos compreenderam que a catequese, a alfabetização e o teatro eram caminhos eficazes para fortalecer a dignidade e os valores de seus acolhidos.
Curiosamente, os dois santos foram apoiados pela mesma benfeitora, Doroteia de Chopitea, uma generosa senhora de Barcelona. Inspirados pelo chamado Sistema Preventivo, Santa Vicenta e São João Bosco aplicaram princípios semelhantes de acolhimento e formação cristã.
“Em nossas escolas, recebemos alunos com diferentes carências, algumas financeiras, outras afetivas e emocionais e outras espirituais. A todos oferecemos acolhida, orientação e carinho”, afirma Irmã Maria Francisca Henriques, que em 2026 celebrará 50 anos de vida consagrada.

‘SANTA VICENTA FEZ A COISA CERTA’
Em ação de graças pelos 50 anos da canonização de Santa Vicenta Maria López y Vicuña, o Cardeal Odilo Pedro Scherer presidiu missa na capela do Colégio Maria Imaculada, no Ipiranga, no domingo, 25.
Na homilia, o Arcebispo de São Paulo sublinhou a caridade concreta vivida por Santa Vicenta como uma resposta fiel ao mandamento de Jesus: “Ela fez o que Jesus pediu que fizesse: ‘Amai-vos uns aos outros’. Não um amor de simpatias, mas um amor que ‘arregaça as mangas’, enfrenta dificuldades e incompreensões”.

Dom Odilo também enfatizou a mensagem do 6º Domingo da Páscoa, que apresenta um itinerário de vida cristã ensinado pelo próprio Jesus, e convidou os alunos do Colégio Maria Imaculada a repetir em coro as três orientações deixadas por Cristo: “Não se separem de mim, ouçam minha palavra, fiquem unidos entre vocês”.
Por fim, o Arcebispo lembrou que celebrar a canonização de um santo é mais do que recordar o passado, é reconhecer um modelo de vida cristã possível e necessário para hoje: “Os santos são grandes católicos e devem ser, para nós, um estímulo para também fazermos algo diferente diante das tantas situações de necessidade que existem no mundo. Santa Vicenta fez a coisa certa. Ela é um exemplo a ser seguido”.