Um mutirão de solidariedade e cidadania na Praça da Sé

‘Semana do Registro Civil – Registre-se’ coordenada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, teve ações em favor da população em situação de rua, com a participação de pastorais e organismos da Igreja

Pastoral do Menor, Caritas Arquidiocesana e Sefras – Ação Social Franciscana montam tendas de atendimento na Praça da Sé, dos dias 13 a 17
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Carlos Alberto da Silva, 44, está em situação de rua há 3 meses. “Fiquei desempregado e sem condições de pagar o aluguel. A rua se tornou minha casa, espero que temporariamente”. Ele conversou com a reportagem do O SÃO PAULO enquanto era atendido para regularizar seus documentos. “Na rua, fui roubado e levaram tudo, inclusive meus documentos. Saio daqui feliz com os documentos que vão me abrir novas portas”, falou.

Assim como o Carlos, centenas de pessoas em situação de vulnerabilidade puderam ter acesso a direitos básicos entre os dias 13 e 17, na Praça da Sé, na “Semana do Registro Civil – Registre-se”, ação coordenada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), e realizada pelo Registra-se e Pop Rua Jud, em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), além da participação de órgãos como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Poupatempo, e organismos e pastorais da Igreja Católica.

O mutirão ofereceu cerca de 30 serviços, com a participação de mais de 40 entidades da sociedade civil e do poder público. Aproximadamente 400 voluntários ajudaram nas ações voltadas à dimensão assistencial e de saúde; expedição de documentos e garantia de cidadania; atendimento jurídico e de acesso à Justiça e serviços trabalhistas, requerimentos de benefícios sociais, entre outros.

Diariamente, foram distribuídos cerca de 500 cafés da manhã e em média 2 mil marmitas, uma parceria do Sefras – Ação Social Franciscana, Pop de Rua e Instituto Claret. Foram realizados mais de 2,5 mil atendimentos, conforme dados preliminares.

‘INVISIBILIDADE’ DAS RUAS

Segundo dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 2,7 milhões de pessoas no Brasil não são registradas, estando, assim, privadas de acesso aos direitos essenciais, como os de saúde e educação.

Uma pessoa sem o registro de nascimento, por exemplo, não pode ser vacinada, se matricular em uma escola ou acessar benefícios sociais como o Bolsa Família e a aposentadoria.

Entre os órgãos participantes da ação estiveram a Justiça do Trabalho, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o INSS, o governo do estado de São Paulo, a Prefeitura de São Paulo, os Ministérios Públicos Federal e Estadual, as Defensorias Públicas da União e do Estado, a Advocacia-Geral da União, a Ordem dos Advogados do Brasil, centros acadêmicos, a Caixa Econômica Federal, a Polícia Federal, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, a Cruz Vermelha, o Comando Militar do Sudoeste do Exército, a Arquidiocese de São Paulo, a Caritas Arquidiocesana de São Paulo, a Pastoral do Menor e o Sefras – Ação Social Franciscana.

Marisa Cucio, juíza federal e uma das coordenadoras do evento, ressaltou que o mutirão tem por objetivo regularizar a documentação de pessoas em situação de rua e garantir acesso a direitos básicos.

“O ato normativo da Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 425/2021, que instituiu a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua, prevê que os tribunais observem e promovam ações capazes de evidenciar os direitos garantidos a todos os cidadãos, também para as pessoas em situação de ‘invisibilidade’ nas ruas. Quem está nas ruas acabou pelas circunstâncias nesta situação, que pode ser temporal, e precisa de ajuda e oportunidades”, disse.

A juíza destacou que a ação é uma porta de entrada para o acesso aos direitos básicos, permitindo a muitos esclarecer dúvidas sobre benefícios previdenciários, concessão do Bolsa Família, consulta e liberação de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), PIS/Pasep, seguro-desemprego, defesa em processos criminais, regularização de processos penais, agendamento de comparecimento à Justiça, além de consulta e propositura de processos trabalhistas.

“Houve também a possibilidade de emissão da primeira e segunda vias de documentos. Nas tendas da saúde e assistência social, ofertou-se os serviços de aferição de pressão arterial; orientação para diabetes, tuberculose; saúde bucal; cortes de cabelo, entre outras ações”, ressaltou.

A juíza falou da parceria das entidades do poder público com as iniciativas da Igreja. “Esta é uma parceria que evidencia que é possível unir forças e juntar as ações realizadas em prol das pessoas que se en- contram à margem da sociedade. Juntos, somos mais fortes. Essa ação conjunta possibilita que centenas de pessoas sejam beneficiadas e acolhidas. É uma missão, mas, também, é nossa obrigação garantir acesso a quem mais precisa”, disse.

ACESSO AOS DIREITOS SOCIAIS

O Sefras levou para a Praça da Sé o CRAI Móvel, que oferece serviços de orientação para regularização migratória e social, trabalhando pela promoção dos direitos dos imigrantes no Brasil; e uma unidade móvel do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos da População de Rua (CPD), um ônibus no qual realiza atendimentos individuais e especializados, oferecendo proteção e apoio para a defesa em situações de violação de direitos das pessoas em situação de rua. A instituição também distribuiu mais de 500 marmitas por dia, por meio de seu Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua, mais conhecido como Chá do Padre.

“Garantir a dignidade vai além de oferecer um prato de comida. É garantir ao cidadão o direito à cidadania. Muitos dos que nos procuram aqui e em nossa sede estão com fome de comida, mas também precisam de acesso a documentos, benefícios e um olhar de humanidade”, disse o Frei Tiago Gomes Elias, 36, da Ordem dos Frades Menores Franciscanos.

“Quem chega proveniente de outra nacionalidade é nosso irmão, é a figura de Cristo que precisa de acolhida e acesso aos direitos sociais”, pontuou o Frade a respeito das ações realizadas pela entidade aos migrantes.

Magali, 32, é mãe do Ângelo, 7, e da Diana, 4. Eles chegaram da Bolívia há nove meses em busca de refúgio. No CRAI móvel, ela encontrou orientação para a sua regularização migratória. “Precisei fugir do meu país por causa de violência doméstica. No Brasil, estou morando em um abrigo e preciso dos documentos em dia para recomeçar nossas vidas”, contou.

OLHAR DE DIGNIDADE

Sueli Camargo, coordenadora arquidiocesana da Pastoral do Menor, ressaltou que o evento é uma expressão de amor e solidariedade que abraça os irmãos de rua. “Cada um que vem ao nosso encontro traz sua história e compartilha esperança. Na tenda kids, ao acolher crianças ou adolescentes, podemos proporcionar um pouco de alegria por meio de atividades lúdicas e pedagógicas”, disse.

João Carlos, 52, está em situação de rua há dois anos. “Esse mutirão é uma oportunidade de trazer, para nós que estamos na rua, a esperança de que alguém olha por nós e por nossos direitos. Que bom ser olhado com dignidade”, disse, enquanto cortava o cabelo.

Maria Lúcia, 20, mora desde os 15 anos na rua, no entorno da Praça da Sé. Ela aproveitou para tirar o RG, o CPF e a segunda via da certidão de nascimento. “Hoje foi um dia de alegria. Consegui meus documentos e agora quero arrumar um trabalho e com o dinheiro alugar uma quitinete pra mim e recomeçar a vida”, disse.

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