1 ano sem Bento XVI: ‘Permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir!’

Escreveu o Cardeal Ratzinger em seu testamento espiritual. Em fevereiro de 2013, ele renunciou à Cátedra de Pedro. Papa esteve à frente da Igreja de abril de 2005 a fevereiro de 2013

Foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Há um ano, em 31 de dezembro de 2022, falecia Bento XVI. Os funerais foram realizados no Vaticano entre os dias 2 e 5 de janeiro deste ano, com a participação de cerca de 50 mil pessoas, entre as quais inúmeras autoridades e chefes de Estado.

Da missa exequial, no dia 5, presidida pelo Papa Francisco, participaram mais de 120 cardeais, 400 bispos e quase quatro mil sacerdotes.

“Queremos dizer juntos: ‘Pai, nas tuas mãos entregamos o seu espírito’. Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz!”, disse Francisco durante a missa.

Em texto publicado na data da morte de Bento XVI, Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, que foi feito cardeal por ele novembro de 2007, afirmou: “Bento XVI manifestou-se sobre todos os assuntos e fatos relevantes ao longo de seu pontificado. Sua contribuição para a cultura, a filosofia, a busca da verdade e do bem é extraordinária; como teólogo e humanista, tem largos horizontes e teve sua palavra geralmente acolhida com respeito e consideração; estimulou o mundo a pensar e a ir além das superficialidades de uma cultura consumista e imediatista. Sua encíclica social – Caritas in Veritate – é uma contribuição importante para o discernimento sério sobre as questões que atualmente afligem a humanidade. Estimulou muito, também, o diálogo entre as religiões e as culturas. Teve sempre a preocupação da justiça, da paz e da solidariedade entre os povos”.

O jornal O SÃO PAULO publicou materiais especiais que podem ser acessados na página PAPA BENTO XVI.

Abaixo, publicamos a íntegra do testamento espiritual escrito por Bento XVI em agosto de 2006.

O MEU TESTAMENTO ESPIRITUAL
 
Se nesta tarda hora da minha vida olho para as décadas que percorri, como primeira coisa vejo quantas razões tenho para agradecer. Agradeço antes de tudo ao próprio Deus, o dispensador de todo bom dom, que me doou a vida e me guiou por meio de vários momentos de confusão; levantando-me sempre toda vez que começava a escorregar e dando-me sempre novamente a luz da sua face. Retrospectivamente, vejo e compreendo que mesmo os trechos obscuros e cansativos deste caminho foram para a minha salvação e que justamente neles Ele me guiou bem.
 
Agradeço aos meus pais, que me doaram a vida num tempo difícil e que, a custa de grandes sacrifícios, com o seu amor me prepararam uma magnífica morada que, com sua clara luz, ilumina todos os meus dias até hoje. A lúcida fé de meu pai me ensinou a nós, filhos, a crer, e como indicador sempre foi firme em meio a todas as minhas aquisições científicas; a profunda devoção e a grande bondade de minha mãe representam uma herança à qual jamais poderei agradecer suficientemente. Minha irmã me assistiu por décadas de maneira desinteressada e com afetuoso cuidado; meu irmão, com a lucidez dos seus juízos e a sua vigorosa determinação, sempre me abriu o caminho; sem este seu contínuo preceder-me e acompanhar-me, não poderia ter encontrado o caminho justo.
 
De coração, agradeço a Deus pelos muitos amigos, homens e mulheres, que Ele sempre colocou ao meu lado; pelos colaboradores em todas as etapas do meu caminho; pelos mestres e os estudantes que Ele me deu. Agradecido, confio a todos à Sua bondade. E quero agradecer ao Senhor pela minha bela pátria nos pré-alpes bávaros, na qual sempre vi transparecer o esplendor do próprio Criador. Agradeço às pessoas da minha pátria, porque nelas pude sempre experimentar de novo a beleza da fé. Rezo para que a nossa terra permaneça uma terra de fé e vos peço, queridos compatriotas: não vos distraiais da fé. E, finalmente, agradeço a Deus por todo o belo que pude experimentar em todas as etapas do meu caminho, especialmente, porém, em Roma e na Itália, que se tornou a minha segunda pátria.
 
A todos aqueles que de algum modo tenha cometido um erro, peço perdão de coração.
 
Aquilo que antes disse aos meus compatriotas, o digo agora a todos aqueles que na Igreja foram confiados ao meu serviço: permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! Com frequência, parece que a ciência – as ciências naturais de um lado e a pesquisa histórica (em particular a exegese da Sagrada Escritura) de outro — seja capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contraste com a fé católica. Vi as transformações das ciências naturais desde tempos remotos e pude constatar como, ao contrário, tenham desaparecido aparentes certezas contra a fé, demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas somente aparentemente incumbentes à ciência; assim como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a compreender melhor o limite do alcance de suas afirmações e, portanto, a sua especificidade. São pelo menos 60 anos que acompanho o caminho da Teologia, em especial das Ciências Bíblicas, e com o subseguir-se das várias gerações vi ruir teses que pareciam inabaláveis, demonstrando-se serem simples hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher ecc.), a geração existencialista (Bultmann ecc.), a geração marxista. Vi e vejo como do emaranhado das hipóteses tenha emergido e emerja novamente a razoabilidade da fé. Jesus Cristo é realmente o caminho, a verdade e a vida — e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é realmente o Seu corpo.
 
Por fim, peço humildemente: rezem por mim assim que o Senhor, não obstante todos os meus pecados e insuficiências, me acolher nas moradas eternas. A todos aqueles que me são confiados, dia após dia, vai de coração a minha oração,
 
Benedictus PP X
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