Composto por quatro capítulos, texto é uma orientação para os trabalhos desta fase do processo sinodal, e ressalta algumas das reflexões já feitas neste processo sinodal iniciado em 2021 e que prosseguirá até 2024
Toda humanidade, com suas feridas e medos, imperfeições e instâncias, está de certo modo descrita nas 45 páginas que compõem o documento para a etapa continental do Sínodo Universal, divulgado na quinta-feira, 27, pela Secretaria Geral do Sínodo.
Apesar dos muitos apontamentos que são feitos é importante destacar que não se trata de um documento conclusivo, nem de Magistério da Igreja sobre os temas tratados, mas, sim, de um instrumento operativo de trabalho para esta etapa do caminho sinodal iniciado em 2021 e que prosseguirá até 2024.
Na introdução do documento é lembrado que “o Sínodo segue em frente: podemos afirmá-lo com entusiasmo a um ano da sua abertura. Ao longo desta primeira parte da fase consultiva, milhões de pessoas em todo o mundo foram implicadas nas atividades do Sínodo”, e que “a participação a nível global foi superior a todas as expetativas. À Secretaria do Sínodo chegaram as sínteses de 112 das 114 Conferências Episcopais e de todas as 15 Igrejas Orientais Católicas, às quais se juntam as reflexões de 17 dos 23 dicastérios da Cúria Romana, além das que vieram dos Superiores Religiosos (USG/UISG), dos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, de Associações e Movimentos de fiéis leigos. Além disso, chegaram mais de mil contributos de pessoas singulares e de grupos, além de sugestões recolhidas nas redes sociais, graças à iniciativa do ‘Sínodo digital’.
As sínteses das Igrejas do mundo
Trata-se do Documento que servirá de base para os trabalhos da segunda etapa do caminho sinodal lançado pelo Papa Francisco em outubro de 2021 com a consulta ao povo de Deus. Precisamente durante esta primeira etapa, os fiéis – e não apenas – de todas as dioceses em todos os cantos do mundo estiveram envolvidos em um processo de “escuta e discernimento”. E os resultados das reuniões, convocações, diálogos e iniciativas inovadoras – acima de tudo, o dos Sínodos digitais – foram enviados em síntese à Secretaria Geral do Sínodo, agora todos reunidos em um único documento: o “Documento de trabalho para a Etapa Continental”.
Um “quadro de referência”
Desenvolvido simultaneamente em dois idiomas (italiano e inglês), o texto – explica o Dicastério – “pretende permitir o diálogo entre as Igrejas locais e entre a Igreja local e a Igreja Universal”. Não um resumo, não um documento magisterial, portanto, nem uma mera crônica de experiências locais, muito menos “uma análise sociológica ou um roteiro com metas ou objetivos a serem alcançados”: “É um documento de trabalho que procura trazer à tona as vozes do Povo de Deus, com suas intuições, suas perguntas, suas discordâncias”. Os especialistas que se reuniram entre o final de setembro e o início de outubro em Frascati, nas proximidades de Roma, para redigir o texto falam de “um quadro de referência” para as Igrejas locais e as Conferências episcopais em vista da terceira e última etapa, a universal, com a Assembleia dos Bispos a ser realizada em Roma em outubro de 2023 e, novamente, em 2024, como recentemente anunciado pelo Papa.
Ninguém excluído
Em detalhes, o Documento observa “uma série de tensões” que o caminho sinodal trouxe à superfície: nada a temer, mas algo a articular a fim de “explorá-las como fonte de energia sem que se tornem destrutivas”. A primeira é “a escuta como abertura para o acolhimento a partir de um desejo de inclusão radical”. Ninguém excluído” é, de fato, um dos conceitos-chave do texto.
De fato, as sínteses mostram que muitas comunidades compreenderam a sinodalidade como “um convite para ouvir aqueles que se sentem exilados da Igreja”. Há muitos que se sentem “ofuscados, negligenciados, incompreendidos”, antes de tudo “mulheres e jovens que não sentem que seus dons e capacidades são reconhecidos”. Ser escutado seriamente foi, portanto, uma experiência “transformadora”.
Acolhimento aos homossexuais
Entre aqueles que pedem um diálogo mais incisivo e um espaço mais acolhedor estão, por exemplo, os ex-padres que deixaram o ministério para se casar, mas especialmente aqueles que “por várias razões sentem uma tensão entre pertencer à Igreja e suas próprias relações afetivas”. Portanto, divorciados casados novamente, pais solteiros, pessoas que vivem em um casamento polígamo, pessoas Lgbtq. “As pessoas pedem que a Igreja seja um refúgio para os feridos e subjugados, não uma instituição para os perfeitos”, lê-se numa contribuição dos EUA. Enquanto do Lesoto vem o chamado ao discernimento por parte da Igreja universal: “Há um novo fenômeno na Igreja que é uma novidade absoluta no Lesoto: as relações entre pessoas do mesmo sexo. Esta novidade é perturbadora para os católicos e para aqueles que as consideram um pecado. Surpreendentemente, há católicos no Lesoto que começaram a praticar este comportamento e esperam que a Igreja os acolha a eles e sua maneira de se comportar. Este é um desafio problemático para a Igreja porque estas pessoas se sentem excluídas”.
Pontos em comum e divergências
Apesar das diferenças culturais, podem ser vistas semelhanças substanciais entre os continentes com relação àqueles percebidos como “excluídos” na sociedade e na comunidade cristã. Por outro lado, há um pluralismo de posições, inclusive dentro do mesmo continente ou país. “Temas como o ensino da Igreja sobre aborto, contracepção, ordenação das mulheres, sacerdotes casados, celibato, divórcio e recasamento, a possibilidade de receber a comunhão, homossexualidade e pessoas Lgbtq foram levantados em todas as Dioceses, tanto rurais quanto urbanas. Diferentes pontos de vista surgiram e não é possível formular uma posição definitiva da comunidade sobre nenhuma dessas questões”, afirmam os da África do Sul.
A voz dos pobres
Numerosas sínteses expressam o pesar e a preocupação de que nem sempre e não em todos os lugares a Igreja foi capaz de “alcançar efetivamente os pobres nas periferias e em lugares remotos”. Pobres entendidos não apenas como indigentes, mas também os idosos solitários, indígenas, migrantes, crianças de rua, alcoólatras e viciados em drogas, vítimas do tráfico de pessoas, sobreviventes de abuso, prisioneiros, grupos que sofrem discriminação e violência por causa de raça, etnia, gênero, sexualidade. Suas vozes aparecem com mais frequência porque são relatadas por outros. E quando aparecem nas sínteses, esses rostos e nomes “invocam solidariedade, diálogo, acompanhamento e acolhida”.
A crise dos abusos
Muitas Igrejas locais relatam que estão enfrentando um contexto cultural marcado por um declínio na credibilidade e confiança devido à crise dos abusos de membros do clero. “Uma ferida aberta, que continua a infligir dor às vítimas e sobreviventes, suas famílias e suas comunidades”, lê-se no Documento, que cita uma contribuição da Austrália afirmando: “Há um forte senso de urgência para reconhecer o horror e os danos causados, e para aumentar os esforços a fim de proteger as pessoas vulneráveis, reparar os danos causados à autoridade moral da Igreja e reconstruir a confiança”. Uma cuidadosa e dolorosa reflexão sobre o mal dos abusos levou muitos grupos sinodais a pedir “uma mudança cultural” na Igreja, com vistas a uma maior transparência e responsabilidade.
Participação e reconhecimento das mulheres
O apelo para “uma conversão da cultura” da Igreja está ligado à possibilidade de estabelecer “novas práticas, estruturas e hábitos”. Isto diz respeito, em primeiro lugar, ao papel da mulher e sua vocação “a participar plenamente da vida da Igreja”. É um ponto crítico que está presente, em diferentes formas, em todos os contextos culturais e diz respeito à participação e ao reconhecimento das leigas como das religiosas. De fato, de todos os continentes vem o chamado para que “as mulheres católicas sejam primeiramente valorizadas como batizadas e membros do Povo de Deus com igual dignidade”. Quase unanimemente a afirmação de que muitas mulheres “sentem tristeza porque muitas vezes suas vidas não são bem compreendidas” e “suas contribuições e carismas nem sempre são valorizados”. A síntese da Terra Santa é indicativa a este respeito: “Em uma Igreja onde quase todos os tomadores de decisão são homens, há poucos espaços onde as mulheres possam fazer ouvir suas vozes. No entanto, elas são a espinha dorsal das comunidades eclesiais, tanto porque representam a maioria dos membros praticantes como porque estão entre os membros mais ativos da Igreja”. A Igreja, portanto, afirma o Documento, enfrenta dois desafios relacionados: “As mulheres continuam sendo a maioria daqueles que frequentam a liturgia e participam das atividades, os homens uma minoria; no entanto, a maioria das funções de tomada de decisão e de governo é ocupada por homens. É claro que a Igreja deve encontrar maneiras de atrair os homens para uma pertença mais ativa da Igreja e permitir que as mulheres participem mais plenamente em todos os níveis da vida da Igreja”.
Discriminação contra pessoas com deficiência
As pessoas com deficiências também falam da falta de participação e reconhecimento: “As formas de discriminação enumeradas – falta de escuta, violação do direito de escolher onde e com quem viver, negação dos sacramentos, acusação de bruxaria, abusos – e outras, descrevem a cultura de rejeição das pessoas com deficiências. Elas não surgem por acaso, mas têm em comum a mesma raiz: a ideia de que a vida das pessoas com deficiência vale menos do que a dos outros”.
Testemunhos de perseguição e martírio
Proeminente no Documento é o testemunho de fé vivido até o martírio em alguns países, onde os cristãos, especialmente os jovens, enfrentam “o desafio da conversão forçada sistemática a outras religiões”. Há muitas sínteses que enfatizam “a insegurança e a violência com as quais as minorias cristãs perseguidas têm de lutar”. Fala-se de fanatismos, massacres ou mesmo – afirma a Igreja maronita – “formas de incitação sectária e étnica” que degeneram em conflitos armados e políticos, que tornam a vida de tantos fiéis ao redor do mundo particularmente dolorosa. Mesmo nestas “situações de fragilidade”, no entanto, as comunidades cristãs “foram capazes de acolher o convite que lhes foi dirigido a construir experiências de sinodalidade e a refletir sobre o que significa caminhar juntas”.
Defesa da vida “frágil”
Igualmente proeminente é o compromisso do povo de Deus com a defesa da vida frágil e ameaçada em todas as suas fases. Por exemplo, para a Igreja greco-católica ucraniana, faz parte da sinodalidade “prestar atenção especial às mulheres que decidem fazer um aborto devido ao medo da pobreza material e da rejeição de suas famílias na Ucrânia; promover o trabalho educacional entre as mulheres que são chamadas a fazer uma escolha responsável quando estão passando por um momento difícil em suas vidas, com o objetivo de preservar e proteger a vida dos nascituros e impedir o uso do aborto”.
Fonte: Vatican News