Amoris laetitia: ‘O amor de Deus habita a vida das famílias’

Simpósio em Roma marca a abertura do Ano ‘Familia Amoris laetitia’, instituído pelo Papa Francisco

Papa Francisco saúda família em celebração no Vaticano (Foto: Vatican Media)

Na sexta-feira, 19, Solenidade de São José, foi aberto o Ano Família Amoris laetitia, que comemora o 5º aniversário de publicação da exortação apostólica pós-sinodal do Papa Francisco sobre o amor na família. Esse ano especial será concluído em 26 de junho de 2022, com a realização do X Encontro Mundial das Famílias, em Roma.

Para marcar a data, o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, a Diocese de Roma e o Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família realizaram um simpósio de estudos cujo tema foi “Nosso amor cotidiano”. Transmitido pela internet, o evento reuniu bispos, casais, teólogos e especialistas, que aprofundaram a reflexão a partir da exortação apostólica de Francisco. 

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O Pontífice enviou uma mensagem aos organizadores e participantes do evento, na qual ressaltou que a Amoris laetitia traçou o início de um caminho que incentiva uma nova abordagem pastoral para a realidade da família. Francisco reiterou que a Igreja reafirma aos cônjuges cristãos o valor do casamento como projeto de Deus, como fruto de sua graça e como um chamado a ser vivido com totalidade, fidelidade e gratuidade.

O Papa também sublinhou que, a atual pandemia evidenciou a situações de dificuldade enfrentadas pelas famílias. “Os laços familiares foram e continuam sendo duramente colocados à prova, mas permanecem ao mesmo tempo o ponto de referência mais firme, o apoio mais forte, a proteção insubstituível para a estabilidade de toda a comunidade humana e social”, enfatizou.

Lugar do ágape de Deus

Entre os conferencistas do simpósio, estava o Monsenhor Pierangelo Sequeri, presidente do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família, que refletiu sobre o capítulo 4 da Amoris laetitia, considerado o coração da exortação apostólica, pois trata do amor no Matrimônio.

O Teólogo chamou a atenção para o fato de o Papa partir do hino à caridade, de São Paulo, do capítulo 13 da Segunda Carta aos Coríntios para desenvolver essa temática.  O Monsenhor enfatizou que esse hino não se refere diretamente ao amor conjugal, mas trata do amor também conhecido por ágape, que expressa “a perfeição espiritual da doação total, do sacrifício radical” de Deus.

(Reprodução da internet)

Nesse sentido, o Sacerdote explicou que “o amor conjugal é cristãmente concebido como um especial significante existencial do ágape de Deus”, isto é, a união entre o homem e mulher é uma forma na qual esse amor perfeito de Deus habita a condição humana. “O amor conjugal não é o ágape de Deus, mas é seu sacramento”, acrescentou o Teólogo.

Por isso, explicou o Monsenhor, o Papa Francisco tomou esse hino bíblico para falar das características essenciais desse amor, que se manifestam no cotidiano da vida matrimonial: “paciente, benfazejo… tudo crê, tudo desculpa, tudo suporta…”

“Somente Deus é amor, apenas Ele é bom, somente Ele é o incondicional princípio da justiça e de toda afeição que abre o desejo humano à esperança. Sem a busca do seu cotidiano compromisso com o ágape de Deus, também o amor conjugal não será nada”, frisou Monsenhor Pierangelo.

O Teólogo acrescentou que, na família, o ágape de Deus não se manifesta apenas na união conjugal, mas também nos outros âmbitos de relações, como a maternidade, paternidade, filiação, fraternidade, genealogia e comunidade. Ele afirmou, ainda, que, na Igreja, a família deve ser “portadora das evidências do ágape de Deus” na vida humana.

No cotidiano

Também participaram do simpósio Giuseppina De Simone, professora de Filosofia na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, e Franco Miano, professor de Filosofia Moral na Universidade Tor Vergata, em Roma. Casados há 31 anos, eles participaram das duas assembleias do Sínodo dos Bispos sobre a família, em 2014  e 2015, e relataram a emoção que sentiram quando tomaram nas mãos o exemplar da Amoris laetitia, há 5 anos,

“Aquele texto falava de nós, da nossa família, de tantas histórias que conhecemos. Não falava apenas de marido e mulher, filhos e pais, mas dos anciãos, da relação entre as gerações, das pessoas não casadas, das histórias de solidão e de tensões do dia a dia. Falava das ânsias, tensões, preocupações e fadigas de tantas famílias”, afirmou a leiga, ressaltando que o documento é de interesse de todos, uma vez que toda pessoa é parte de uma família.

Giuseppina destacou que a experiência cotidiana, com suas fragilidades e desafios devem sempre ser contempladas com o olhar da fé, sem perder a consciência da sua concretude. “O amor convive com as imperfeições e a graça de Deus, da qual a família é templo, coexiste com nossas limitações. O extraordinário anúncio do Evangelho da família consiste nesta verdade: o amor de Deus habita a vida das famílias”, afirmou.

(Reprodução da internet)

O cuidado

Nesse sentido, o casal participante do simpósio ressaltou que a Amoris laetitia insiste muito na necessidade do cuidado da vida familiar e dos vínculos que lhe pertencem. “O amor precisa de cuidado, porque onde o amor alcança maior profundidade, na família, grande pode ser o dano quando esse amor se deforma”.

Para aprofundar o sentido do cuidado, Franco tomou como exemplo São José e enfatizou o quanto é oportuno celebrar o Ano da Família na mesma ocasião em que se dá destaque a esse Santo. “É na figura de São José que nos guiamos para compreender o amor na família”, disse.

O filósofo recordou que, na carta apostólica Patris corde, escrita pelo Papa Francisco por ocasião do Ano de São José, o esposo de Maria é apresentado como aquele que soube viver o cuidado até o fim. “Uma presença discreta, escondida e, ao mesmo tempo, protagonista na história da salvação”, observou o Filósofo.

“O amor na vida das famílias precisa do cuidado para não se perder ou se deformar. Tem necessidade de gestos cotidianos que dão à vida sabor de casa e a tornam mais leve. Gestos que na sua absoluta simplicidade tornam visível e perceptível a atenção, a ternura na relação com o outro”, completou Franco.

Ternura

O Professor salientou que esse cuidado não consiste em atitudes meramente exteriores, mas nasce da profunda e sincera paixão pela vida do outro. “Antes de gestos, o cuidado é sentimento, é a escolha pelo bem recíproco que a família consegue semear no seu próprio percurso”, afirmou.

Giuseppina acrescentou que José não teve a pretensão de der um “super-herói”, mas  “se confiou a Deus, não fugindo da preocupação e da angústia, mas assumindo a própria fraqueza e deixando-se conduzir por Deus”.

“Quanto é importante na vida das nossas famílias aprender a não ter medo da fragilidade e das preocupações. Não porque pensamos que podemos resolver tudo sozinhos, mas porque sabemos confiar-nos ao Senhor que está próximo. Porque sabemos pedir ajuda e nos deixamos ajudar. Porque só aqueles que se deixam ser ajudados pelo outro são capazes verdadeiramente do cuidado com autêntica ternura”, complementou a Professora.

Pandemia

A filósofa destacou que, neste tempo de pandemia, muitas famílias puderam experimentar, de modo particular, que as dificuldades podem ser enfrentadas a partir da força que é própria da família.

“Sabemos da realidade de famílias que se uniram com dignidade para enfrentar a provação da perda de trabalho ou vivem condições econômicas precárias, os que acolhem como dom precioso a presença de filhos com necessidades especiais, os que assistem os pais ou parentes com debilidades, os que suportam a distância, que vivem a laceração de um luto precoce, que experimentam a devastação da força destrutiva da violência ou da guerra”, salientou a Leiga.

Franco completou que tais famílias dão testemunho de um cuidado movido pelo dom de si, pela lógica do sacrifício. “Também nisso, José é exemplo virtuoso a imitar. A lógica do amor é sempre uma lógica de liberdade e José soube amar de um modo extraordinariamente livre. Ele colocou no centro de sua vida Maria e Jesus, sem reivindicações ou lamentações, mas com gestos concretos de fidelidade, sendo, assim, verdadeiramente, pai”, completou.

Exortação apostólica Amoris laetitia, do Papa Francisco, publicada em 19 de março de 2016 (Foto: Vatican Media)

Cuidar do cuidado

Giuseppina enfatizou que é preciso “cuidar do cuidado”, recordando a necessidade de reservar “tempo de qualidade” na família, como destaca o Papa na Amoris laetitia, por meio da escuta atenta e da acolhida sincera uns dos outros.

Franco completou que na família também se aprende a ser comunidade e a fazer parte de uma comunidade. “A família não pode ser pensada e vivida como uma realidade isolada. É exercício de vida comunitária, quando se alarga aos parentes e vizinhos que necessitam de ajuda, de companhia e conforto. Aí está a fecundidade do amor, na sua capacidade de gerar bons vínculos, de abrir-se ao mundo e contribuindo na sua construção.

“Recordando as palavras do Papa Francisco, uma sociedade cresce boa, bela e sã se for edificada sobre a base de uma família. É o cuidado do outro que pode gerar um novo estilo de vida comunitária e faz crescer uma sociedade plenamente humana”, concluiu Giuseppina.

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