Carmelo: escola de oração, contemplação e busca da santidade

A celebração dos 150 anos do nascimento de Santa Teresinha do Menino Jesus, comemorados em 2023, é um convite para conhecer melhor as origens da espiritualidade que sustentou essa jovem monja carmelita, que viveu apenas 24 anos e foi proclamada doutora da Igreja devido ao seu legado espiritual.

Para isso, é preciso voltar à experiência de um grupo de monges cristãos do século XII, no Monte Carmelo, no norte de Israel. Foi neste mesmo lugar que, como narra o Antigo Testamento, o profeta Elias, logo após o confronto com os 450 “profetas” de Baal, subiu para orar. O texto bíblico descreve que por sete vezes o profeta mandou seu servo olhar para a direção do mar, para verificar se havia sinal de chuva. “Na sétima vez, o servo respondeu: ‘Eis que sobe do mar uma pequena nuvem, do tamanho da palma da mão’. (…) Num instante, o céu se cobriu de nuvens negras, soprou o vento e a chuva caiu torrencialmente” (1Rs 18,44-45).

Segundo uma antiga tradição, aquela nuvem prefigurava a Mãe do Salvador, que, no Novo Testamento, faria “chover sobre a humanidade” o Redentor, e, depois, as graças obtidas por sua intercessão. Por essa razão, aqueles primeiros eremitas construíram um oratório dedicado a Nossa Senhora, nascendo, assim, a Ordem dos Filhos da Bem-Aventurada Virgem Maria do
Monte Carmelo. Posteriormente, no século XV, surgiu o ramo feminino da ordem.

A espiritualidade da Ordem dos Carmelitas é considerada uma das mais relevantes da espiritualidade cristã, tendo como grande baluartes Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz e a própria Santa Teresinha do Menino Jesus. Seu cerne consiste em uma espiritualidade contemplativa, que se ordena a uma união íntima com Deus por meio do desprendimento, do recolhimento e da vida contínua de oração.

TERESA DE JESUS
Santa Teresa de Jesus ou de Ávila (1515-1582) é considerada a grande mestra carmelita, responsável pela reforma da Ordem no século XVI, em busca de uma observância mais estrita e mais próxima das origens do carisma. Sua doutrina, que expressou,
principalmente, em três de seus livros – o “Livro da Vida”, “Caminho de Perfeição” e “Castelo Interior” –, não busca apresentar uma teologia acabada e detalhada sobre a vida espiritual mas, simplesmente, descrever seu caminho pessoal até a união íntima
com Deus.

A sua famosa descrição da alma como um castelo, que contém sete moradas, influencia até hoje a espiritualidade.
Teresa descreve a vida espiritual como um caminho das primeiras moradas do castelo interior até a sétima morada, que se localiza no centro do edifício, onde o próprio Deus habita e de onde Ele chama a cada um.

Para atingir as moradas mais profundas, Teresa d’Ávila aponta a oração, “um trato de amizade com Deus”, como meio essencial, pois a santidade é, antes de tudo, obra de Deus. A classificação dos diferentes tipos e graus de oração feita pela Santa não pode ser comparada à de ninguém que a precedeu. Conceitos ainda recorrentes na espiritualidade atual, como oração vocal, mental, meditação, recolhimento e tantos outros foram expressos pela Santa espanhola, o que justifica seu título de Doutora da Igreja,
concedido por São Paulo VI em 1970.

O legado espiritual de Santa Teresa de Jesus não se restringe aos frades e monges. Seus ensinamentos mostram que a contemplação é possível a todo cristão a partir de seu estado de vida e de suas particularidades.

JOÃO DA CRUZ
Contemporâneo e muito próximo de Santa Teresa de Jesus, o espanhol São João da Cruz (1542-1591) também
é responsável pelo processo de reforma do Carmelo, tanto que as doutrinas de ambos se explicam e se complementam
mutuamente.

Enquanto Teresa acentua seus ensinamentos mais nos graus da oração e em sua experiência profunda do amor
de Deus, João da Cruz descreve com mais profundidade e detalhes a necessidade da ascese e do desprendimento das coisas criadas para que a alma viva somente de Deus e de Seu amor.

Em suas obras, São João da Cruz procura dar os fundamentos teológicos e filosóficos de sua doutrina. Os livros a “Subida do Monte Carmelo” e “Noite Escura” são os mais conhecidos do Santo, nos quais descreve e explica a sua espiritualidade.

O místico parte de dois princípios fundamentais: Deus é tudo; a criatura, nada. Disso, depreendem-se duas consequências:
é necessário desprender-se totalmente das criaturas, que são nada; e a alma deve unir-se intimamente a Deus por amor, pois Ele é Tudo.

Sua doutrina, contudo, prioriza o desprendimento afetivo ou de coração. Isso quer dizer que o pensamento de São João da Cruz, como o de Santa Teresa, também pode ser colocado em prática por todos os batizados. Poucos são chamados a abandonar efetivamente todas as coisas para seguir Jesus; entretanto, todos são chamados a desprender seu coração das criaturas para amar, em primeiro lugar, a Deus.

TERESINHA
Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, popularmente conhecida como Teresinha, para distingui-la da grande Teresa d’Ávila, foi a Santa que sintetizou a espiritualidade dos mestres de sua Ordem, trazendo-a para o cotidiano de todos os batizados.

Sua obra, comparada às de Santa Teresa e São João da Cruz, é pequena, apesar de não perder em profundidade
em relação a estas. O cerne da doutrina de Teresinha é a chamada Infância Espiritual, com acento na filiação divina e na humildade como caminhos para a perfeição cristã.

No que diz respeito à oração, a espiritualidade de Teresinha abre as portas da contemplação, de vez, a todos os batizados. A oração consiste, antes, em estar na presença de Deus com extrema confiança, como uma criança diante de seu pai. Não consiste em falar muito ou em sentir muito, mas, simplesmente, em amar e confiar muito. É uma oração que consiste, antes de tudo, em um simples olhar a Deus.

OUTROS SANTOS
A espiritualidade carmelitana também se consolidou na Igreja por meio do testemunho de muitos outros santos
e beatos, tais como Santa (Edith Stein) Teresa Benedita da Cruz (1881-1942), filósofa de origem judaica, morta em um campo de concentração nazista, assim como o frade e jornalista
holandês São Tito Brandsma (1881-1942); Santa Teresa de Jesus nos Andes (1900-1920), monja chilena; Santa Elisabete da Trindade (1880-1906), monja francesa; e as mártires de Compiègne, vítimas da Revolução Francesa em 1794.

Por Fernando Geronazzo
Especial para O São Paulo

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