Na República de Malta, Papa ressalta a capacidade humana em acolher e pede o fim de conflitos

Santo Padre chegou ao país no sábado, 2, para a 36a viagem apostólica internacional de seu pontificado

Fotos: Vatican Media

Na chegada ao ‘coração do Mediterâneo’, como se referiu à República de Malta, na manhã do sábado, 2, o Papa Francisco recordou que  “há milênios, o entrelaçamento de acontecimentos históricos e o encontro de populações fizeram daquelas ilhas um centro de vitalidade e cultura, espiritualidade e beleza; uma encruzilhada que soube acolher e harmonizar os influxos migratórios de muitas partes”.

O primeiro compromisso do Pontífice no país foi um encontro com autoridades (leia mais abaixo). À tarde, Francisco conduziu um encontro de oração no Santuário de Ta’Pinu, durante o qual lembrou que a morte de Jesus na cruz não é sinal da conclusão da história, mas, sim, o início de uma vida nova, pois na cruz, é possível contemplar o amor misericordioso de Cristo, que estende os braços a todos, para, por meio de sua morte, abrir à humanidade a alegria da vida eterna.

“Irmãos e irmãs, a partir deste Santuário de Ta’ Pinu, podemos meditar juntos sobre o novo início que brota da hora de Jesus. Também neste lugar, antes do edifício esplêndido que vemos hoje, havia só uma capelinha em estado de abandono. Já estava aliás decidida a sua demolição: parecia o fim”.

Mas uma série de acontecimentos mudou o rumo das coisas, como se o Senhor quisesse dizer a esta população: «Não serás mais chamada a “Desamparada”, nem a tua terra a “Deserta”; antes, serás chamada: “Minha Dileta”, e a tua terra a “Desposada”». Aquela capelinha tornou-se o Santuário nacional, meta de peregrinos e fonte de vida nova.

Mas que significa voltar àquele início? Que significa tornar às origens? perguntou Francisco: “Antes de mais nada, trata-se de voltar a descobrir o essencial da fé. Tornar à Igreja das origens não significa olhar para trás para copiar o modelo eclesial da primeira comunidade cristã. Não podemos ‘saltar a história’, como se o Senhor não tivesse falado e feito grandes coisas também na vida da Igreja dos séculos seguintes. Nem significa sermos demasiado idealistas, imaginando que naquela comunidade não haveria dificuldades quando, pelo contrário, lemos que os discípulos discutem e chegam mesmo a litigar entre eles, e nem sempre entendem os ensinamentos do Senhor”.

Voltar às origens significa, disse o Papa, antes, recuperar o espírito da primeira comunidade cristã, isto é, voltar ao coração e redescobrir o centro da fé: a relação com Jesus e o anúncio do seu Evangelho ao mundo inteiro. Isto é o essencial!

UMA FÉ PARA ALÉM DE USOS E COSTUMES

O Santo Padre afirmou “não nos pode bastar uma fé feita de usos e costumes recebidos por tradição, de celebrações solenes, belas iniciativas populares, momentos fortes e emocionantes; precisamos duma fé fundada e renovada no encontro pessoal com Cristo, na escuta diária da sua Palavra, na ativa colaboração na vida da Igreja, na alma da piedade popular”.

Francisco disse em seguida que a crise da fé, a apatia da prática religiosa sobretudo no pós-pandemia e a indiferença de muitos jovens relativamente à presença de Deus não são questões que devemos ‘açucarar’,  pensando que, apesar de tudo, ainda subsiste um certo espírito religioso. Na realidade, às vezes o suporte exterior pode ser religioso, mas por trás desses andaimes a fé vai envelhecendo.

O Papa advertiu então que é preciso vigiar para que as práticas religiosas não se reduzam à repetição dum repertório do passado, mas expressem uma fé viva, aberta, que difunda a alegria do Evangelho.

O Santo Padre destacou, então, que também os malteses iniciaram, por meio do Sínodo, um processo de renovação, e lhes agradeceu por este caminho. Este é o momento de voltar àquele começo, ao pé da cruz, olhando para a primeira comunidade cristã, para ser uma Igreja que tem a peito a amizade com Jesus e o anúncio do seu Evangelho, e não a busca de espaço e atenções.

Francisco voltou então mais uma vez para as origens, para Maria e João junto da cruz. Nos primórdios da Igreja, temos o seu gesto de mútua entrega. Com efeito, o Senhor confia cada um deles aos cuidados do outro: João a Maria e Maria a João. Realmente não se tratou dum simples gesto de compaixão – Jesus teria confiado a sua Mãe a João, para que Ela não ficasse sozinha depois da morte d’Ele – mas duma indicação concreta do modo como viver o mandamento supremo: o do amor. O culto a Deus passa pela proximidade ao irmão.

ACOLHER O PRÓXIMO

“Caríssimos, o mútuo acolhimento, não como pura formalidade, mas em nome de Cristo, é um desafio permanente. É-o antes de mais nada para as nossas relações eclesiais, porque a nossa missão produz fruto se trabalharmos na amizade e na comunhão fraterna”.

E o colhimento é também o teste decisivo para verificar quão efetivamente esteja permeada a Igreja pelo espírito do Evangelho.

Maria e João acolhem-se não no refúgio ameno do Cenáculo, mas junto da cruz, naquele lugar tenebroso onde se era condenado e crucificado como criminoso. Também nós não podemos acolher-nos apenas entre nós à sombra das nossas belas igrejas, enquanto fora muitos irmãos e irmãs sofrem e são crucificados pelo sofrimento, a miséria, a pobreza e a violência.

“No rosto destes pobres, é o próprio Cristo que Se apresenta a vós. Esta foi a experiência do Apóstolo Paulo que, depois dum terrível naufrágio, foi calorosamente acolhido pelos vossos antepassados…. Eis o Evangelho que somos chamados a viver: acolher, ser peritos em humanidade, acender fogueiras de ternura quando o frio da vida paira sobre aqueles que sofrem”.

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES

Papa Francisco saúda população de Malta na chegada ao país

O primeiro compromisso do Papa Francisco em Malta foi o encontro com as autoridades, o Corpo Diplomático e os representantes da sociedade e do mundo da cultura no Palácio Presidencial de Valeta.

Ao agradecer as amáveis palavras do presidente George Vella, o Pontífice recordou que os antepassados malteses deram hospitalidade ao Apóstolo Paulo e seus companheiros, durante a sua viagem a Roma, tratando-os com “extraordinária benevolência”.

Ao lembrar a vitalidade e capacidade da ilha em harmonizar pessoas de diferentes partes do mundo, o Pontífice fez uma analogia à variedade dos ventos, que caracterizam o país. Não é por acaso que, nos antigos mapas do Mediterrâneo, a “Rosa dos Ventos” era colocada perto de Malta.

Tomando a imagem da “Rosa dos Ventos”, que localiza as correntes de ar segundo os quatro pontos cardeais (Norte, Sul, Leste e Oeste), o Papa delineou quatro aspectos essenciais da vida social e política do país.

O vento Norte, recorda a União Europeia, onde vive uma grande família, unida na salvaguarda da paz. A paz brota da unidade. Eis a importância de trabalhar juntos, sem divisões, revigorando as raízes e valores, que forjaram a unidade da sociedade maltesa. Mas, para garantir uma boa convivência social, é preciso também reforçar os alicerces da vida comum, com base no direito, legalidade, honestidade e justiça. Por isso, o esforço de eliminar a ilegalidade e a corrupção deve ser forte como o vento do norte, que purifica as costas do país, erradicando a inércia e a criminalidade. A Casa Europeia compromete-se com a promoção dos valores da justiça e equidade social e a tutela de uma casa mais ampla: a Casa da Criação.  

O vento Norte, disse Francisco, mistura-se, às vezes, com o vento que sopra do Oeste. Este país europeu, sobretudo os jovens, partilham dos estilos de vida e pensamento ocidentais, dos valores da liberdade e da democracia, mas também dos riscos da ambição do progresso, que os podem separar das raízes.

Os malteses defendem a vida e salvam tantas pessoas. Por isso, Francisco os encorajou a continuar a defender a vida, desde o início até ao seu fim natural, mas também preservá-la sempre, sobretudo a dignidade dos trabalhadores, dos idosos e dos doentes.

Depois, o Santo Padre convidou a olhar para Sul, de onde vêm tantos irmãos e irmãs em busca de esperança. Malta, disse, significa “porto seguro”. O crescente afluxo dos migrantes gera medo e insegurança, desânimo e frustração. O fenômeno migratório marca a nossa época e traz consigo injustiças, exploração, mudanças climáticas, conflitos e suas consequências. Multidões de pessoas partem do sul, pobre e povoado, e se dirigem para o norte rico. E Francisco acrescentou:

“O agravamento da emergência migratória, pensemos nos refugiados da atormentada Ucrânia, exige respostas amplas e partilhadas. Apenas alguns países não podem arcar com todo este problema, diante da indiferença de outros! Países civis não podem ratificar, por interesses próprios, acordos obscuros com criminosos que escravizam as pessoas. O Mediterrâneo precisa da corresponsabilidade europeia, para voltar a ser teatro de solidariedade e não lugar de trágicos naufrágios.”

Recordando o naufrágio do Apóstolo Paulo que, de modo inesperado, chegou àquelas costas e foi socorrido, o Papa exortou, em nome do Evangelho, que ele pregou naquela Ilha, a “abrir os corações para descobrir a beleza de servir aos mais necessitados. Não devemos encarar o migrante como ameaça, mas como irmão a ser acolhido, segundo o ideal cristão.

Por fim, o Pontífice referiu-se ao vento que sopra do Leste, do Oriente, de onde provêm ventos de guerra, invasões, combates e ameaças atômicas, que só causam mortes, destruição e ódio. Que estas sombras obscuras não levem a dissipar o sonho de paz da humanidade.

PREOCUPAÇÃO COM CONFLITOS MUNDIAIS

 Por fim, ao expressar seu desejo de que o risco de uma “guerra fria alargada” não ceife mais vidas de gerações e inteiros povos, afirmou:

“Quanto precisamos de uma ‘medida humana face à agressividade infantil e destrutiva que nos ameaça, frente ao risco de uma ‘guerra fria alargada’ que pode sufocar a vida de gerações e povos inteiros! Infelizmente, aquele «infantilismo» não desapareceu. Ressurge prepotentemente nas seduções da autocracia, nos novos imperialismos, na difusa agressividade, na incapacidade de lançar pontes e começar pelos mais pobres. Disto começa a soprar o vento gelado da guerra, que esta vez também foi alimentado ao longo dos anos. Sim, desde há tempos que a guerra tem vindo a ser preparando com grandes investimentos e tráficos de armas. E é triste ver como o entusiasmo pela paz, surgido depois da II Guerra Mundial, se debilitou nas últimas décadas, bem como o percurso da comunidade internacional, com alguns poderosos que avançam por conta própria à procura de espaços e zonas de influência. E assim não só a paz, mas também muitas questões importantes, como a luta contra a fome e as desigualdades, foram efetivamente canceladas das principais agendas políticas.”

O Papa concluiu seu discurso, dirigindo, mais uma vez, seu olhar ao Leste europeu e um pensamento ao Oriente Médio, a fim de que sigam o exemplo dos malteses, que geram benéficas convivências, apesar das diversidades. É disto que precisam o Líbano, a Síria, o Iêmen e outros contextos, dilacerados por problemas e violência”.

Fonte: Vatican News

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