Novo cardeal afirma que os escândalos não impedem a reforma do Papa Francisco

Em entrevista a um jornal italiano, Dom Marcello Semeraro ressalta que o processo de reforma da Cúria Romana tem o objetivo ético da transparência e do uso evangélico dos bens

Dom Marcello Semeraro e Papa Francisco (Foto: Vatican Media)

Com o anúncio os 13 novos cardeais em meio à “tempestade” de escândalos financeiros e entre a polêmica relacionada às uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, o Papa Francisco mostra que não está apenas administrando o presente, mas olhando para o futuro. Essas foram as palavras de um dos novos purpurados, Dom Marcello Semeraro, 72, em entrevista ao jornal italiano La Stampa.

Bispo de Albano, ex-secretário do Conselho dos Cardeais, Dom Marcello foi nomeado prefeito da Congregação para as Causas dos Santos no último dia 15, substituindo o Cardeal Giovanni Angelo Becciu, que renunciou ao cargo e aos direitos ligados ao cardinalato, após seu envolvimento em denúncias de operações financeiras ilícitas.

Ao comentar esse fato, Semeraro explicou que as investigações em andamento fazem parte do processo de reforma da Cúria em nome da transparência, o que significa também utilizar os bens de forma evangélica: para o culto, o sustento dos ministros e para os pobres, e pontuou que qualquer outro uso é, na verdade, “um abuso”. Confira a íntegra da entrevista concedida ao jornalista Domenico Agasso Jr.

Eminência, como e quando soube que havia se tornado um cardeal?

Não recebi nenhum comunicado, descobri como todos, assistindo ao Angelus de casa. Eu estava sem palavras, emocionado e um pouco abalado.

O Consistório chega de surpresa em meio à turbulência que abala ‘o barco da Igreja’: qual mensagem envia?

Ao criar novos cardeais, o Papa cuida da Igreja do futuro. Francisco não pensa só no presente, não se limita a administrar as situações, não se detém diante dos obstáculos: é um pastor que sempre tem o olhar para o futuro. E este é um sinal de esperança e encorajamento para os fiéis e não só a eles.

O Senhor é sucessor de Becciu: o que pensa das tempestades econômicas e judiciais envolvendo as ‘Salas Sagradas’?

Não cabe a mim entrar em detalhes sobre esses episódios. Mas fui secretário do conselho dos cardeais que ajudam o Papa no governo da Igreja universal, por isso, trabalhei pessoalmente no processo de renovação da Cúria. Nós estabelecemos, antes de tudo, o objetivo ético da transparência, que do ponto de vista religioso, equivale ao uso evangélico dos bens.

O que isso significa?

As únicas razões pelas quais a Igreja pode administrar bens são a dignidade do culto e o sustento dos pastores, sem jamais se esquecer de ajudar os pobres. Quando esses fins são distorcidos, é um abuso. Infelizmente, é possível que esses abusos ocorram por causa da fragilidade humana. Portanto, devemos estar sempre e extremamente vigilantes.

Que significado têm as palavras do Papa para os homossexuais?

Ele recordou que se duas pessoas, também do mesmo sexo, decidem viver em uma forma de coexistência estável, devem ser garantidas as formas jurídicas de proteção. Mas não abriu para a possibilidade do casamento entre homossexuais, nem mudou a doutrina. Sua declaração deve ser lida à luz de todo o magistério do Pontífice, não se pode separar frases isoladas. O princípio é geral.

E qual é?

Atenção à pessoa, que precede qualquer qualificação adicional (por exemplo, homossexual). A pessoa é sempre e em qualquer caso digna de custódia. Deve ser bem recebida, ajudada quando está em dificuldade e valorizada. Esta é a atitude pastoral que o Papa Francisco prega, em todos os âmbitos.

Qual é a chave de leitura dos novos purpurados?

É óbvio que das escolhas emergem convicções. Olhando para os nomes italianos, vejo alguns dos traços que caracterizam o pontificado. Quem conhece Enrico Feroci sabe o quanto ele se dedicou à atividade da Caritas. Raniero Cantalamessa é uma figura conhecida como anunciador do Evangelho. Além disso, enquanto antes de Francisco as escolhas dos bispos eram orientadas pelo prestígio de uma sé episcopal (penso, por exemplo, em Turim e Veneza) e pelo critério da representação diplomática, hoje esse aspecto torna-se secundário.

Pode nos explicar?

Prevalece a figura pessoal-pastoral, que o Papa acredita poder elevar a um símbolo e uma mensagem espiritual. Atenção: não se trata de distribuir honras, mas de evidenciar significados que se materializam nas pessoas. Por exemplo, Wilton Gregory e Paolo Lojudice nos recordam o compromisso com as periferias.

E o que Semeraro representa?

Fui professor, em particular de eclesiologia, e me alegra que muitos de meus ex-alunos tenham me escrito reconhecendo que o rosto da Igreja que sempre enfatizei é o de uma mãe que cuida dos filhos. Isso me ajudou a passar da cátedra de professor para a do pastor. E é assim que pretendo continuar.

(Entrevista publicada originalmente por La Stampa, em 27 de outubro. Tradução e adaptação: Fernando Geronazzo)

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