A esperança está profundamente enraizada na história do povo de Deus e na experiência da Igreja ao longo dos séculos. A doutrina cristã a apresenta como a virtude que conduz os fiéis em sua peregrinação terrena rumo à pátria celeste, em comunhão com Deus.
A palavra “peregrinar” tem origem na expressão latina para ager, que significa “através dos campos”, ou para eger, que significa “travessia de fronteira”. Ambas as raízes lembram o aspecto distinto de embarcar em uma jornada. A peregrinação é uma experiência de conversão, de mudar a vida para direcioná-la para a santidade de Deus.
Desde os primeiros relatos bíblicos, a esperança desempenha um papel central na relação entre Deus e seu povo. A Aliança estabelecida com Abraão (cf. Gn 12,1-3) e renovada ao longo das gerações, é marcada por promessas divinas que nutrem a esperança no coração do povo eleito. O êxodo, com a travessia pelo deserto em direção à Terra Prometida, é um dos símbolos mais fortes desta esperança ativa, em que Deus guia e sustenta Israel mesmo diante das provações.
Os salmos são outra expressão viva dessa esperança, como aquele que proclama: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados, Ele me faz repousar; conduz-me junto às águas refrescantes” (Sl 23,1-2). A esperança não é uma ideia abstrata, mas a confiança concreta de que Deus age na história, conduzindo seu povo para um futuro de plenitude.
Os profetas também têm um papel essencial ao manter viva a esperança em tempos de crise. Jeremias, por exemplo, proclama: “Eu é que sei os projetos que tenho em relação a vós, oráculo do Senhor: projetos de prosperidade e não de desgraça, de vos dar um futuro cheio de esperança” (Jr 29,11). A esperança aqui está alicerçada na fidelidade de Deus às suas promessas.
IGREJA PEREGRINA
A doutrina católica apresenta a Igreja como peregrina, enfatizando sua condição de comunidade em marcha, que caminha pela história em direção ao Reino de Deus. O Concílio Vaticano II, na constituição dogmática Lumen gentium, afirma: “A Igreja, a quem todos somos chamados em Cristo Jesus e na qual pela graça de Deus adquirimos a santidade, só será consumada na glória do céu, quando chegar o tempo da restauração de todas as coisas” (LG, 48).
Já a constituição Gaudium et spes, sublinha que o único fim da Igreja é o advento do Reino de Deus e o estabelecimento da salvação de todo o gênero humano. “E todo o bem que o Povo de Deus pode prestar à família dos homens durante o tempo da sua peregrinação deriva do fato de que a Igreja é o ‘sacramento universal da salvação’, manifestando e atuando simultaneamente o mistério do amor de Deus pelos homens” (GS 45).
COMUNHÃO DOS SANTOS
Na doutrina católica, a Igreja é entendida como composta de três estados ou realidades espirituais que representam diferentes dimensões da vida cristã e do destino das almas.
A Igreja peregrina é formada pelos cristãos que ainda estão na Terra, vivendo a jornada da fé. O termo “peregrina” enfatiza a ideia de que os fiéis estão em uma caminhada espiritual, ainda sujeitos aos desafios, tentações e limitações do mundo material.
Esse estado é caracterizado pela luta constante contra o pecado e pela busca de santificação. A Igreja peregrina tem a missão de anunciar o Evangelho, celebrar os sacramentos e testemunhar a fé, a esperança e a caridade até que todos os membros cheguem à meta final, a vida eterna.
Existe ainda, a Igreja padecente, constituída por aqueles que, embora já estejam na eternidade, ainda precisam passar por um processo de purificação para entrarem plenamente na presença de Deus, isto é, o purgatório.
Já a Igreja triunfante é composta dos santos e anjos que já alcançaram a glória celeste e contemplam a face divina no céu.
CAMINHO COM DEUS
Santos como Agostinho reforçam essa perspectiva ao afirmar que “a nossa peregrinação não é sem sentido; Deus caminha conosco” (Confissões, XIII, 1). Santa Teresinha do Menino Jesus, com sua “pequena via”, mostra que mesmo os gestos mais simples podem ser vividos como etapas desta peregrinação espiritual.
A peregrinação também se expressa nos sacramentos, particularmente na Eucaristia, que é “pão dos peregrinos”. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica, “na Eucaristia, Cristo nos dá o penhor da glória futura” (CIC 1402).
Na bula Spes non confundit, o Papa Francisco reforça a ideia de que “pôr-se a caminho é típico de quem anda à procura do sentido da vida”.
“A esperança forma, juntamente com a fé e a caridade, o tríptico das ‘virtudes teologais’, que exprimem a essência da vida cristã. No dinamismo indivisível das três, a esperança é a virtude que imprime, por assim dizer, a orientação, indicando a direção e a finalidade da existência daquele que crê”, escreve o Papa, recordando as palavras do Apóstolo São Paulo, que convida todos a serem “alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração” (Rm 12,12).
ANCORADOS NO SENHOR
O Santo Padre apresenta ainda para este Jubileu a imagem da âncora para compreender a estabilidade e a segurança que o cristão deve possuir em meio às águas agitadas da vida quando confia em Jesus: “Estamos ancorados na esperança da graça, capaz de nos fazer viver em Cristo, superando o pecado, o medo e a morte. Esta esperança, muito maior do que as satisfações cotidianas e as melhorias nas condições de vida, transporta-nos para além das provações e exorta-nos a caminhar sem perder de vista a grandeza da meta a que somos chamados: o Céu”.