São Francisco de Sales: exemplo de mansidão e busca pela vida devota

Bispo, Doutor da Igreja e grande mestre da espiritualidade cristã, São Francisco de Sales é celebrado no dia 24 de janeiro 

“A devoção viva e verdadeira, ó Filoteia, pressupõe o amor de Deus. Na medida em que o amor de Deus embeleza nossa alma, ele se chama graça, tornando-nos agradáveis à Sua Divina Majestade; enquanto nos dá a força para fazer o bem, chama-se caridade; mas, quando alcança o grau da perfeição, no qual não apenas nos leva a fazer o bem, mas também nos inspira a agir com cuidado e prontidão, então ele se chama devoção.” 

Assim escreveu São Francisco de Sales em Filoteia, um compêndio das cartas enviadas pelo Santo à senhora de Charmoisy, sobre como alcançar uma vida devota. 

O livro tornou-se um dos grandes clássicos do Cristianismo e, ao longo dos séculos, tem orientado os fiéis a viverem uma vida de santidade, alicerçada no pleno amor a Deus. A memória litúrgica de seu autor foi celebrada em 24 de janeiro, e O SÃO PAULO faz memória deste grande Santo da Igreja. 

BISPO DA MANSIDÃO 

Nascido em uma família de barões de Boisy, em Thorens, na Saboia, em 1567, São Francisco de Sales estudou Direito na Universidade de Pádua e chegou a se inscrever na Ordem dos Advogados em 1592. No entanto, seguiu seu chamado à vida religiosa e foi ordenado sacerdote aos 26 anos. 

Nomeado Bispo coadjutor de Genebra em 1599, foi empossado como responsável pela Diocese após três anos de episcopado. Durante esse período, visitou mais de 400 paróquias, dedicando-se à formação do clero, à reorganização dos mosteiros e conventos e ao diálogo em um contexto de grandes conflitos religiosos. 

Seu episcopado foi vivido com recursos limitados. Residiu em Annecy, capital da Alta Saboia, na França, como um bispo exilado devido às guerras religiosas da época. Como missionário em Chalé, utilizou-se da recém-criada imprensa para imprimir e distribuir homilias para as pessoas como meio de evangelização. 

Em meio ao agravamento do Calvinismo, São Francisco de Sales buscou o diálogo com os pastores calvinistas e, com sua mansidão, foi conquistando aos poucos o povo, restaurando a fé católica na região. 

“São Francisco de Sales foi um homem profundamente apostólico. Ele vivia no meio do povo, atendia e dava catequese às crianças, mas, ao mesmo tempo, era profundamente místico, vivendo constantemente na presença de Deus. Ele é muito atual; seus ensinamentos ainda são extremamente pertinentes para os homens e mulheres contemporâneos”, destacou o Padre Agnaldo Costa Júnior, missionário de São Francisco de Sales e pároco da Paróquia Pessoal Francesa, na Arquidiocese de São Paulo. 

O Sacerdote, que foi batizado no dia da festa litúrgica de São Francisco de Sales e cresceu em uma paróquia dedicada ao Doutor da Igreja, ressaltou que o Santo se destacou por suas ideias inovadoras, como a de que a santidade cristã é para todos e não reservada a uma elite espiritual. Também enfatizou a forma amorosa com que ele procurava resolver as divergências com os calvinistas: “Ele dizia que os muros de Genebra não seriam derrubados por armas, mas pelo amor”, lembrou o Padre Agnaldo. 

São Francisco de Sales fundou, ainda, em 1610, em Annecy, com Santa Joana de Chantal, a Congregação da Visitação de Santa Maria. Seu falecimento ocorreu em 28 de dezembro de 1622, em Lyon, aos 52 anos. 

INTRODUÇÃO À VIDA DEVOTA 

Para a senhora de Charmoisy, o Santo escreveu uma série de anotações sobre como alcançar uma vida interior fundamentada no amor a Deus. Esses escritos chegaram às mãos do sacerdote jesuíta Jean Fourier, que sugeriu a publicação do material. Para esse fim, a obra ganhou um destinatário fictício, chamado Filoteia, que significa “alma amiga de Deus”, ou seja, todo aquele que busca a santidade. 

“A palavra devoção é um conceito próprio do século XVII, que não significa simplesmente práticas devocionais. Devoção significa o amor de Deus agindo em nossos corações. A vida devota é a vida do batismo, é a santidade do batismo”, explicou o Padre Agnaldo. 

O que São Francisco de Sales escreve em Filoteia representa uma bússola para toda a formação da Igreja ao longo dos séculos, sendo amplamente citada, conforme o missionário salesiano, durante o Concílio Vaticano II, na Lumen gentium, e, mais recentemente, na encíclica do Papa Francisco, Dilexit nos. 

Além de Filoteia, São Francisco de Sales escreveu cerca de 2 mil cartas endereçadas a diferentes pessoas e outra obra clássica da literatura: O Tratado do Amor de Deus, que aborda, de maneira profunda, o conteúdo teológico e espiritual sobre a vocação de cada pessoa. 

‘NA GRAÇA DE DEUS’ 

Os conselhos de São Francisco de Sales em Filoteia continuam a contribuir para o crescimento espiritual de muitos fiéis. Entre eles, está Maria Teresa Rosa, de 41 anos, professora de espiritualidade e formação vocacional, além de especialista em prevenção de abusos na Igreja. 

Residente em São José dos Campos (SP), Maria Teresa cresceu em uma paróquia administrada pelos salesianos de Dom Bosco, mas passou boa parte de sua vida sem conhecer profundamente a vida do Santo. Ela recordou que tentou ler Filoteia três vezes, mas não conseguia compreender seu real ensinamento. 

Em Roma, para estudar teologia espiritual, Maria Teresa teve a oportunidade de acessar a obra de forma mais profunda: “Eu já tinha muitos anos de vida pastoral e sabia que queria viver uma vida com Deus, mas ainda não tinha encontrado um modo eficaz. Quando me deparei com Filoteia, vi qual era o caminho de santidade que eu deveria percorrer”, compartilhou. 

Em seu trabalho de formação vocacional, ela sempre destaca as virtudes de São Francisco de Sales, enfatizando sua compreensão de que a razão tem a função de iluminar o caminho, pois o Bispo sempre ensinou que, para uma boa vida de devoção e oração, é necessário meditar sobre a realidade e as consequências de cada escolha. 

Na jornada pessoal em busca da santidade, Maria Teresa reconhece suas limitações e falhas, mas não deixa de lembrar a importância do Doutor da Igreja nesse caminho: “Francisco de Sales transformou a minha relação com Deus, ele me ajudou a ser uma nova pessoa, na graça de Deus”, refletiu.