Pela dignidade de 13 milhões de brasileiros com doenças raras

O SÃO PAULO apresenta o trabalho do Instituto Vidas Raras que se dedica a pessoas com enfermidades raras e seus familiares

Instituto Vidas Raras

No início de março, o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, lançou a caderneta dos raros. O documento vai registrar informações sobre o atendimento médico das pessoas com doenças raras, as quais serão compartilhadas, sobretudo com a família, facilitando o acompanhamento multidisciplinar do paciente.

A ação fortalece a causa, que é exaltada no último dia de fevereiro, com a celebração do Dia Mundial das Doenças Raras, criado pela Eurordis – Rare Diseases Europe, que reúne organizações de 74 países.

No Brasil, a causa dos raros ganhou força com a Portaria 199 da Política de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no Sistema Único de Saúde (SUS), publicada em 2014 pelo Ministério da Saúde.

CARACTERIZAÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como doença rara aquela que afeta até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos.

Embora não se saiba o número exato de doenças raras, estima-se que existam cerca de 7 mil tipos e que mais de 300 milhões de pessoas convivam com uma doença rara em todo o mundo. Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), no Brasil existem 13 milhões de pessoas com enfermidades raras.

Caracterizadas por diferentes sinais e sintomas, essas doenças variam não somente de uma para outra, mas também de pessoa para pessoa com o mesmo diagnóstico. Cerca de 80% delas decorrem de fatores genéticos. O teste do pezinho pode detectar algumas, sendo fundamental para o diagnóstico e tratamento precoce.

Nesta edição, conheça as ações de duas instituições que se dedicam às pessoas com doenças raras e seus familiares.

Instituto Vidas Raras: amparo às mulheres diante de doenças incomuns

André Nakahara /Instituto Vidas Raras

Em São Paulo, até 31 de março, quem passar pela estação Jardim Silveira, Linha 8 – Diamante, da Via Mobilidade, pode prestigiar a exposição fotográfica “Mulheres Raras”, uma homenagem a mães, pacientes e profissionais da saúde que fazem a diferença na causa dos raros.

A exposição é do Instituto Vidas Raras (IVR), que atua em prol de pessoas com doenças incomuns. Trata-se de uma organização localizada em Guarulhos (SP), mas com atuação nacional e reconhecimento internacional.

MULHERES RARAS

No decorrer dos anos, o IVR passou a focar também a visibilidade das mulheres ao identificar que muitas das que buscam acolhimento por causa de seus filhos lidam ainda com o abandono dos parceiros e familiares.

“Há o   abandono   porque as crianças   demandam   muita atenção. Na fase adulta, esses filhos ficam acamados. É uma vida muito solitária para as mães”, expõe Rosely Maria, diretora de comunicação do instituto. “Muitas mães mal dormem. Temos uma assistida que põe o relógio para despertar a cada 20 minutos porque o filho tem epilepsia de difícil controle. Pode ser que ele tenha uma crise e morra. Por isso, ela se mantém alerta”, relata.

Ao sofrerem o abandono, essas mulheres são obrigadas a manter o lar financeiramente, por meio de trabalho informal, já que não conseguem se fixar em um emprego por ter que dar assistência ao filho em tempo integral. Para apoiá-las, o instituto oferece capacitação profissional por meio de cursos, para os quais a instituição depende de patrocínios.

O IVR criou o Prêmio Mulheres Raras para homenageá-las. “O objetivo é de uma se encontrar na outra e se sentir valorizada. E, também, mostrar para a sociedade essa realidade”, destaca Rosely. “É tanta invisibilidade que não existem leis que amparem a mulher que é mãe rara. Se ela se dedica 40 anos como cuidadora do filho, por exemplo, após a morte dele, a mãe não terá uma pensão, pois era o filho e não o marido.”

LANÇAMENTOS

A terceira edição do Prêmio Mulheres Raras, ocorrida em 2021, deu origem à atual exposição na estação de trem, além de um livro de mesmo nome e uma música intitulada “Ela é rara”, ambos lançados em um evento, no dia 7, junto com o videoclipe da canção que pode ser visto no YouTube.

O livro, da editora Canguru, reúne histórias das premiadas. Já a música, assinada pelo cantor Landau, em parceria com Gabi Roncatti, é inspirada em uma poesia de Rosely.

No evento, Rosely contou que a poesia foi escrita como um desabafo em que ela reuniu as histórias que já acompanhava no IVR, somadas à dor das mães de raros que perderam seus filhos na pandemia.

Participaram do videoclipe, além das premiadas, mulheres assistidas e de grupos e associações de raros parceiros do IVR. Rita de Fátima de Souza, 56, participou com a filha Maria Letícia, diagnosticada intrauterinamente com Síndrome de Edwards e que faleceu após a filmagem.

“De acordo com a literatura médica, é uma doença incompatível com a vida. Inclusive, me propuseram interromper a gestação, mas neguei”, lembra Rita, que integra a Associação Síndrome do Amor, de Ribeirão Preto (SP).

“Minha filha chegou aos 12 anos, 11 meses e 20 dias, quando virou estrela. No vídeo é possível ver como ela era alegre.” A mineira Roberta Ladeira, 40, também está no clipe. Ela é membro da PanDi (Associação de Pessoas com Pan-Hipopituitarismo e Diabetes), condição caracterizada pela diminuição da produção de vários hormônios devido a alterações na glândula hipófise. Para ela, as ações do instituto com foco nas “Mulheres Raras” valorizam todos os papéis da mulher na sociedade.

“Isso é reforçado não só para quem convive com a gente, mas para nós mes- mos. Somos capazes e temos valor”, diz.

Quem também aparece no clipe é a catarinense Fernanda Martinez, 23, uma das premiadas. Ela chegou ao IVR após ser diagnosticada com Síndrome de Ehlers-Danlos, que torna as articulações e os órgãos mais frágeis. “O IVR era o que eu estava precisando”, diz a jovem, que compartilha nas redes sociais infor- mações sobre sua doença. “É uma visibi- lidade muito importante. [O abandono] existe, mas o que estamos fazendo aqui é informar para quebrar esses preconcei- tos”, complementa.

TRAJETÓRIA

O instituto foi fundado em 2001, por pais em busca de troca de experiências, literatura médica e esperança de dias melhores para os filhos raros.

“Mas já havia um trabalho desde 1988, quando as doenças raras invadiram a família da [cofundadora] Regina Próspero, por meio do Niltinho, o filho mais velho, diagnosticado com mucopolissacaridose”, conta Rosely.

“Ele faleceu aos 6 anos, vítima da falta de informação sobre a doença. Por causa dele e do filho do meio, o Dudu, que tem a mesma doença, Regina se juntou a outros pais e formou uma associação que hoje é o instituto, luta que tem valido a pena”, acrescenta Rosely, enfatizando que Dudu está com 32 anos.

Atualmente, a organização é referência em apoio ao universo das doenças raras. “Lutamos por políticas públicas e estamos sempre em Brasília (DF). Tentamos entender tudo a respeito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no SUS, entre outros órgãos, para saber onde buscar dados e tudo sobre medica- mentos para raros, como é feito, e quais os caminhos para a inclusão no SUS”, detalha Rosely.

Ao longo da trajetória, o IVR contabiliza mais de 400 mil atendimentos a pacientes raros e participou de mais de 60 projetos de lei em favor da causa, incluindo a criação da Portaria 199/2014.

Desde 2013, com exceção desses anos mais recentes de pandemia, membros do instituto foram recebidos no Vaticano para celebrar o Dia Mundial das Doenças Raras. Além disso, o IVR realiza anualmente a Romaria dos Raros ao Santuário Nacional de Aparecida.

Linha Rara: 0800 0067 868 www.vidasraras.orirag.br
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