‘Vós sois o sal da terra e a luz do mundo’ (Mt 5,13-14)

“Novas situações, tanto eclesiais quanto sociais, econômicas, políticas e culturais, reclamam hoje, com uma força toda particular, a ação dos fiéis leigos. Se o desinteresse foi sempre inaceitável, o tempo presente torna-o ainda mais culpável. Não é lícito a ninguém ficar inativo”, escreve São João Paulo II, na exortação apostólica Christifideles laici.

Em todo o tempo, a Igreja ressoa o chamado de Jesus aos cristãos para que sejam “o sal da terra e a luz do mundo” (Mt 5,13-14). O SÃO PAULO ouviu profissionais de diferentes atividades para saber:

De que maneira, na sua área de atuação, o senhor (a senhora) tem exercido concretamente o apostolado leigo? O pertencimento à comunidade eclesial o(a) tem ajudado a viver essa missão de que modo?

‘Vivo o apostolado nas pautas que defendo’

ENRICO MISASI, deputado federal por São Paulo

O apostolado é, na minha visão, a comunicação de algo que nos aconteceu, de uma realidade que nos alcançou. Sem mérito da nossa parte, encontramos o Cristo vivo hoje, aqui e agora, e esse encontro começou a produzir em nós uma nova consciência e uma nova vida. O apostolado se resume a testemunhar o impacto desse acontecimento em nós. Alegria, esperança, abertura ao real, caridade são alguns dos seus frutos. Vivo o apostolado leigo tentando reconhecer, em cada momento, a presença de Cristo – e então segui-Lo, amá-Lo. Como deputado federal, esse empenho tem uma expressão mais evidente nas pautas que defendo: a vida, a família, a dignidade da pessoa humana, a justiça. Mas há, sobretudo, uma dimensão prática e cotidiana do apostolado – mais exigente, contudo –, que é simplesmente estar nas realidades do mundo como cristão, isto é, procurando amar as pessoas como Cristo nos amou, com seus defeitos, misérias e erros. É essa a presença que fecunda, que fermenta, que salga.

Nos últimos tempos, tenho feito uma experiência significativa no movimento Comunhão e Libertação, fundado por Dom Luigi Giussani. Com a companhia que aí encontrei, aprendi a ter certa ternura pelo drama de todos os homens, especialmente daqueles que não têm fé. Passei a enxergar com clareza que todos temos o mesmo coração, desejoso de Bem, de Verdade, de Beleza. Todos estamos, portanto, na mesma busca incessante, e isso me une aos meus irmãos. O apostolado, a partir daí, torna-se um caminho a ser trilhado junto com cada um que a Providência coloca em nossa vida.

‘Utilizo a Ciência Econômica para servir o próximo’

ANA CAROLINA FERNANDES ALVES, economista e educadora financeira

Em um primeiro momento, parece ser difícil que um economista possa exercer, de maneira concreta, o apostolado leigo, e foi um desafio para mim desde quando entrei na graduação. Sempre fui muito atuante em minha paróquia (São Francisco de Assis, localizada na cidade de Cascavel, no oeste do Paraná) e me perguntava o que poderia utilizar da Ciência Econômica para servir o próximo.

No segundo ano do curso, comecei a me interessar por Educação Financeira e entrei num projeto de extensão nessa área. Por isso, ao chegar ao meu último ano, resolvi fazer a minha monografia de conclusão de curso seguindo esta temática. Durante as conversas com a minha orientadora sobre o público para aplicarmos a minha pesquisa, ela sugeriu: “Você não frequenta o grupo de jovens na sua Igreja? Por que não fazer o estudo com eles?”. Aceitei a proposta e iniciei a minha primeira pesquisa com jovens católicos. Depois disso, não ia mais parar.

A partir dos resultados que obtive na minha graduação, nasceu a Educação Financeira para a Vida (EFV), uma pastoral social que une Finanças, Economia e Espiritualidade, principalmente a franciscana e a inaciana, que são a nossa base. Em sintonia com as diretrizes e documentos da Igreja, e por meio da inspiração da vida dos santos, ensinamos finanças sob o prisma da espiritualidade.

Além da minha trajetória na Igreja, a vida dos santos e santas sempre me motivou. Sou devota de Santo Antônio e ele é a minha principal inspiração. Ao mesmo tempo um grande intelectual e protetor dos pobres, o exemplo de Antônio demonstra a importância de usar o conhecimento para ajudar o próximo. Aos 18 anos, conheci os Jesuítas e a história de Santo Inácio de Loyola, então descobri a espiritualidade inaciana e os exercícios espirituais, pelos quais sou apaixonada. Com Inácio, aprendi que poderia encontrar Deus em tudo e no meu cotidiano.

‘Busco o desapego de tudo o que pode me sufocar e que me faz perder o sagrado’

ANA ANGÉLICA BULCÃO PORTELA LINDOSO, médica, com atuação no Instituto de Infectologia Emílio Ribas

Meu trabalho é muito desgastante, me coloca sempre na presença de pessoas doentes, com problemas, pobreza e vulnerabilidade. Mesmo os colegas estão sempre carregados de queixas e negatividades, insatisfeitos. Tento me preservar, manter minha mente com menos queixas possíveis. Acredito muito na misericórdia divina, assim tento não julgar ninguém, tento entender que há uma história por trás de nossas dificuldades e que somos pecadores. Tento ter empatia para não prejudicar ninguém e ajudar no que posso, independentemente da condição, e não me furto a resolver o que está ao meu alcance profissional.

No âmbito deste mundo em que vivo, sobressaem aqueles com desejos de pequenos poderes, que os protegem. Não os culpo, mas os vejo apenas com compaixão. Ajudo o próximo na medida do possível, sempre faço doações: se vejo alguém na porta de uma padaria ou supermercado e percebo que necessita de comida, contribuo de algum modo, porque fome e sede ninguém deveria passar. Hoje, no meu dia a dia, procuro melhorar minha espiritualidade, busco o desapego de tudo o que pode me sufocar e que me faz perder o sagrado.

Eu sempre me apoio em Nossa Senhora, no Terço e em Santa Teresinha. Isso me ajuda a manter a lucidez e a suportar minha travessia. Participo das missas do Pateo do Collegio aos domingos porque gosto muito das homilias do Padre Contieri, que são atuais e me fazem pensar nas minhas atitudes e como posso evoluir por mim mesma.

‘Aprendi que a missão do policial pode levá-lo até Deus ou a perder sua alma’

LUIZ EDUARDO PESCE DE ARRUDA, Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Nasci em Araras (SP) e fui criado em um lar católico. Fui coroinha na igreja matriz. Mais tarde, frequentei o Santuário Salesiano do Coração de Jesus, onde me tornei amigo do Padre João Modesti, um erudito.

Sempre quis dedicar minha vida ao próximo. Pensei inicialmente em ser padre, mas orientado pelo Padre Jorge, Diretor do seminário Canossiano, percebi que aquela não era mInha missão. Ele dizia: “O leigo vivencia Cristo na família e no trabalho”.

Decidi ser policial militar, contra a vontade de minha mãe. Fiquei 36 anos no serviço ativo da PM. Ela se tornaria uma grande fã de minha missão. Tive muitos embates. Pessoas que prendi me procuraram depois para que eu as ajudasse a arrumar trabalho. Aprendi que o policial é o primeiro defensor dos direitos humanos, pois atende os mais vulneráveis, aqueles para quem ninguém tem um olhar fraterno.

É uma profissão nobre e difícil. Já tive que enfrentar pessoas de classe alta para salvar a vida de moradores de rua. Vivi momentos dramáticos, falei com famílias destroçadas, perdi amigos, mas ajudei a salvar vidas.

Pessoas agonizaram em meus braços e pude constatar que, na hora da morte, elas nem se lembram de bens materiais. A felicidade vem da paz de espírito. A missão me ensinou a amar a paz, a partilhar com pessoas muito diferentes de mim – indígenas, judeus e muçulmanos, ciganos, travestis e prostitutas. Cada uma delas me ensinou algo que me enriqueceu.

Aprendi que a missão do policial pode levá-lo até Deus ou a perder sua alma, a partir do livre-arbítrio. Creio na parábola dos talentos e no veredito do Justo Juiz.

Hoje, frequento a Paróquia Nossa Senhora das Graças, na Vila Carolina, onde o Padre Edemilson de Camargo me acolheu e onde o Padre Reinaldo Torres é meu amigo. Agradeço a Deus por ser católico e viver cada momento com alegria, ao lado de minha família, dos meus colegas de trabalho da PM e da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego], onde atuo hoje, da universidade e da comunidade.

‘Buscamos servir ao Senhor com nossos poucos talentos, mas confiantes na misericórdia de Deus’

EDIVAN MOTA, diretor do Instituto de Estudos avançados em Educação e membro da Sociedade Thomas More

A Sociedade Thomas More é uma entidade de leigos que buscam servir a Cristo e à Igreja numa área em que a presença eclesial se faz urgente, que é a vida pública, notadamente na construção de políticas públicas na área da educação.

A nossa atuação de leigos é essencial para que o Evangelho se faça realidade e a Igreja esteja presente na esfera pública. Não é uma tarefa fácil, haja vista que a política é tida como uma atividade para pessoas pouco preocupadas com o bem comum.

Todavia, o Papa Francisco nos diz que é por meio da política que se pode vivenciar, de forma mais ampla, aquela caridade desejada por Nosso Senhor. Não é fácil fazer apostolado numa atividade em que os que têm algum envolvimento são malvistos. No entanto, Jesus fez novas todas as coisas.

Nesta esperança que eu, em particular, e a Sociedade Thomas More como entidade, buscamos servir ao Senhor com nossos poucos talentos, mas confiantes na misericórdia de Deus.

‘Todas as minhas boas ações, com a graça de Deus, são apostólicas, das pequenas às grandes’

MARIA INÊS MIGLIACCIO, professora universitária licenciada, mestra em Comunicação e doutora em Filosofia

Por vocação e gratuidade divinas, “não faço” apostolado, mas sou apóstola, ou seja, por este dom sobrenatural, todas as minhas boas ações, com a graça de Deus, são apostólicas, das pequenas às grandes. Aliás, como sabemos, tudo é grande quando se vive por amor. Consciente disso, batalho para oferecer pequenos sacrifícios diários por meus parentes, amigos e colegas. Por exemplo, a pontualidade, o sorriso, a amabilidade, o serviço da casa, a participação nos sacramentos, com destaque à Santa Missa. Entretanto, sem dúvida nenhuma, o foco apostólico essencial está atualmente na docência universitária, honrando a formação que tive a oportunidade de receber. Depois de ter trabalhado para grandes veículos de comunicação, em diferentes cargos jornalísticos e empresariais, dedico-me à educação no âmbito latino-americano.

Durante toda a carreira, tenho enfrentado muitos obstáculos por defender os valores cristãos. Passei por grandes sofrimentos e angústias que só me reafirmam na verdade identificadora com Cristo. Também percebo que Deus se serve desta purificação para que muitas pessoas se aproximem Dele. Tenho a imensa alegria de ter acompanhado muitas vocações ao Opus Dei, esta instituição da Igreja Católica para a qual ouvi o chamado de Deus na minha adolescência. Percebi que esse era o meu Caminho, pela profunda alegria que sentia na vida em família na Obra, nos momentos de oração junto ao Sacrário e no desejo de dirigir atividades sociais. Com o tempo, fui aprendendo, pelos meios de formação católica oferecidos nesta instituição, a estudar melhor, a fazer do trabalho meu eixo de santificação, a lutar por adquirir as virtudes e assim ser feliz, na medida em que é possível nesta vida, e irradiar esta felicidade ao meu redor com a fé e a esperança de um dia alcançarmos o Amor Infinito no Céu.

‘Trazer os princípios para não haver persuasão mentirosa é um grande desafio!’

ANA CAROLINA SANTOS CRUZ, formada em Relações Públicas, atua como gerente de Marketing Digital

Viver ao estilo de Jesus é um grande desafio, ainda mais quando vivemos em uma cidade movimentada e com tantas opções culturais e de ocupação. E dessa mesma forma acontece na minha área de atuação. Hoje, trabalho com marketing digital, e trazer os princípios para não haver persuasão mentirosa é um grande desafio!

Muitas vezes, a internet proporciona falsas promessas, justamente para que haja a venda do produto. Muitas pessoas prometem demais e, na hora da entrega, o comprador fica na mão.

Graças à minha consistência em movimentos da Igreja e pastorais, como a Pastoral da Comunicação da Paróquia São Geraldo de Perdizes, posso exercer o meu papel de leiga com consistência, de maneira a procurar seguir os princípios e estilo de Jesus na sociedade e, principalmente, no meu trabalho! É uma luta constante e um caminho árduo.

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