A catequese atual na perspectiva da tríade da Misericórdia (tempo-culto-cultura)

Arte: Sergio Ricciuto Conte

Para aprofundar o papel da catequese na dinâmica da nova evangelização, como uma catequese “em saída missionária” e “sob o sinal da misericórdia”, o Diretório para a Catequese (2020), do Dicastério para a Promoção da Nova Evangelização, oferece os princípios fundamentais, sobretudo ao adotar o primado da catequese querigmática, isto é, do anúncio da misericórdia de Deus, segundo a formulação de querigma trinitário do Papa Francisco, na linha da Evangelii gaudium.

Na unidade mistério-celebração-vida (cf. At 2,42), o acontecimento fundante (encarnação, cruz e ressurreição) se atualiza na liturgia e transforma a existência cristã, a história e o cosmos – a isto correspondem tempo-culto-cultura. Assim, em consonância com o novo Diretório, a tríade tempo-culto-cultura visa a uma pedagogia da economia da misericórdia na perspectiva de um tempo do culto e da cultura da misericórdia, como resultado do discernimento dos sinais dos tempos que concerne à Igreja sinodal. No Tempo da misericórdia, o anúncio da fé cristã há de ser um sinal da misericórdia, sinal verdadeiro da presença ou do desígnio de Deus. O Culto da misericórdia, campo específico para uma renovada catequese iniciática ou mistagógica – incentivada pelo Diretório –, refere-se à recepção do Domingo da Divina Misericórdia e suas relações com o Domingo in albis e a oitava pascal (cf. “A invocação Jesus, confio em Vós”, O SÃO PAULO, 28/07/2021). Quanto à Cultura da misericórdia, só enraizada no Amor misericordioso, a comunidade cristã, como Corpo de Cristo, poderá testemunhar a unidade na diversidade como expressão da fraternidade e da paz (cf. “Campanha da Fraternidade, ecumenismo e misericórdia”, O SÃO PAULO, 07/04/2021).

 “Não há anúncio da fé, se esse anúncio não for sinal da misericórdia de Deus. A prática da misericórdia é já uma autêntica catequese: é catequese em ação […] manifestação da relação entre ortodoxia e ortopráxis” (Diretório, nº 51). A menção à ortodoxia-ortopráxis permite aliás ampliar o horizonte de compreensão. “Ortodoxia” (doxa, glória), no sentido originário, significa o modo justo da glorificação de Deus (culto justo). O primado da adoração consiste, pois, em aprender, em primeiro lugar, a ortodoxia como o dom principal que vem pela fé cristã. No sentido moderno, ortodoxia (reta doutrina) e ortopráxis (reto agir) criaram uma dicotomia, que se resolve na unidade da ortodoxia, da qual depende, em última análise, a justa relação com Deus: a economia da salvação é unitária, e sua dinâmica projeta a ordem justa na vida e no mundo – eis uma aplicação da tríade da misericórdia. Justiça e misericórdia tendem a uma assimilação – a justiça misericordiosa de Deus é a mesma que em seu poder nos justifica pela fé. A misericórdia está no centro, ela é o desígnio de “amor benevolente” do Pai em Cristo; portanto, a misericórdia – e só a misericórdia – é o ponto de inflexão da conversão pastoral da Igreja na busca da justiça, da unidade e da paz, e, ao mesmo tempo, o retorno ao significado original de ortodoxia.

Nas palavras do Cardeal Ratzinger: “Que as duas coisas caminham juntas já o tinham anunciado os anjos na noite santa: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que Ele ama’ (Lc 2,14). Onde Deus é excluído, deixa de haver paz na terra, e nenhuma ortopráxis sem Deus se pode salvar […] prescindindo de um conhecimento daquilo que é justo” (“Eucaristia, Comunhão e Solidariedade”, 02/06/2002).

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.

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