O uso abusivo de dados pessoais por agentes de saúde para marketing

O setor de saúde é aquele que tem enfrentado os maiores desafios no tratamento dos dados pessoais; para dizer bem a verdade, é o que mais tem se permitido afrontar o direito dos titulares no tratamento de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis. Apenas para lembrar da diferenciação decorrente da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), dados pessoais são quaisquer informações que possam identificar uma pessoa, inclusive seu nome, CPF, idade, endereço e dados comportamentais; dados pessoais sensíveis são aqueles sobre origem racial, convicção religiosa, dados de saúde ou vida sexual, dados genéticos ou biométricos.

Após a evidenciação de notícias sobre as condutas inadequadas de farmácias em todo País, chegou a vez dos laboratórios de medicina diagnóstica e de clínicas de medicina esportiva e nutricional, os quais têm se permitido tratar os dados pessoais de modo duvidoso e abusivo para fins comerciais. Relato dois casos.

Recentemente, uma famosa rede de laboratórios de medicina diagnóstica resolveu usar sua base de dados pessoais, especialmente os dados cadastrais e de saúde femininos, para fazer uma grande campanha para a oferta de tratamentos de fertilização artificial. Passou a se permitir usar informações de exames e idades das mulheres para enviar uma série de e-mails de campanhas de marketing, entre as quais a “Cultive a Vida”, bombardeando suas pacientes de medicina diagnóstica com ofertas de tratamentos de fertilidade, congelamento de óvulos, inseminação artificial e fertilização in vitro (FIV), os quais não foram objeto da contratação de serviços por essas mulheres, tampouco são de seu interesse.

Tudo o que essa rede de laboratórios não tem feito é tutelar a saúde da paciente, nos termos da LGPD, ou respeitar a opção da paciente, inclusive a opção religiosa, de não receber esse tipo de propaganda que em nada cultiva a vida e em nada respeita seu direito de titular de dados ou de consumidora de exames de medicina diagnóstica. Há, portanto, inadequada, ilegal e ilícita conduta e interpretação da lei pelo referido laboratório. Os agentes de saúde insistem em usar e abusar de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis para melhoria de seus negócios.

Não é permitido, todavia, que qualquer laboratório de medicina diagnóstica compartilhe informações de exames femininos, solicitadas por outros médicos que pouco ou nada têm a ver com o mesmo laboratório, com parceiros ou com setores comerciais internos e para a prática de um “bombardeamento de marketing” na venda de serviços da moda que pressupõem poder interessar a alguma paciente.

A prática não é aderente à finalidade, necessidade e adequação do dado pessoal tratado, o qual deveria ter sido coletado exclusivamente para o exame diagnóstico feminino buscado pela paciente e não para e-mails de procedimentos que a mulher não quer fazer nesse lugar. Além de invasiva, a prática é abusiva. Pode-se, inclusive, dizer desrespeitosa à privacidade da mulher. Enquadra-se em forma de comercialização ilícita e ilegal de dados pelo laboratório para fins comerciais.

Esse mesmo comportamento tem-se verificado por outros agentes de saúde, nas clínicas de medicina do esporte ou de nutrição médica. Sob o argumento de desconto e benefício do paciente, algumas clínicas têm-se permitido compartilhar dados dos pacientes com laboratórios de manipulação de medicamentos conveniados. Basta o paciente sair da clínica e se iniciam e-mails, contatos telefônicos e mensagens de WhatsApp para oferta de medicamentos e suplementos alimentares, exatamente aqueles mesmos recomendados ao paciente pelo médico, sem nenhuma base legal para tal tratamento de dados.

Nada justifica esses excessos na conduta em violação ao direito dos titulares dos dados por agentes de saúde. Portanto, se a leitora ou o leitor foi vítima de algo similar, além de buscar esclarecimentos do encarregado desses agentes de saúde, é preciso que recorra à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e às autoridades ou organismos de defesa do consumidor. Mais do que tudo, os agentes de saúde precisam se conscientizar que algumas práticas, na vigência da LGPD, tornam-se questionáveis e repugnantes. Requer-se um pouco mais de cuidado para não se violar, mediante qualquer argumento de conveniência, o direito de titulares de dados pessoais.

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