‘Crianças recém-nascidas’

O Domingo na Oitava de Páscoa é tradicionalmente ligado aos neófitos, os cristãos que receberam o Batismo na Vigília Pascal. É chamado de Domingo in albis depositis (“com alvas depostas”) pois, antigamente, depois de usarem as vestes brancas recebidas no Batismo durante toda a oitava de Páscoa, os neófitos as abandonavam neste dia. 

Iluminados e purificados por Cristo, esses irmãos mais novos na fé começam uma vida nova, revestidos da graça santificante que as túnicas brancas simbolizam. E a Igreja, que nos gera para a fé, dirige-lhes a seguinte antífona: “Como crianças recém-nascidas, desejai o puro leite espiritual para crescerdes na salvação” (1Pd 2,2). A condição para se alcançar a salvação é se reconhecer como pequenino diante de Deus-Pai e da Mãe-Igreja, desejando com sofreguidão infantil o alimento da boa doutrina e da graça. Sem simplicidade de criança, é impossível crer; é impossível ter esperança; é impossível perdoar e esquecer as ofensas sofridas. 

Aqui está um paradoxo da fé! Para se tornar grande e maduro, o homem deve ter um coração de criança: “Se não vos converterdes e vos tornardes como as criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18,3). A incredulidade de Tomé, descrita no Evangelho de hoje, é no fundo uma falta de simplicidade – de infância – espiritual. O Senhor repreende-o: “Não sejas incrédulo, mas fiel. Felizes os que creram sem terem visto” (Jo 20,27.29). Como uma criança que acredita e confia na palavra de seu Pai, assim o cristão se coloca diante da revelação divina, do ensinamento da Igreja e, até mesmo, dos acontecimentos do mundo. Sabe que, por meio de sua Providência, Deus, como um Pai, cerca de carinho e proteção os seus filhinhos. E, diante daquilo que não pode compreender e solucionar,  apenas diz: “Eu não sei, mas meu Pai sabe”. 

Neste domingo, Jesus mostra suas chagas aos Apóstolos, deseja-lhes a paz, sopra sobre eles e institui o Sacramento da Confissão: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,22s). Por isso, João Paulo II o chamou “Domingo da Misericórdia”. Ora, a paz está ao alcance apenas de quem tem alma simples, sem complicações e sem soberba. E o perdão divino é somente para aqueles que, como uma criança, reconhecem e confessam os seus pecados e erros; para os que não têm medo de segurar firme nas mãos chagadas de Jesus e de se estreitar no seu peito aberto. 

Nos últimos decênios, alguns abandonaram a piedade e a fé católica tradicional sob o pretexto de buscarem uma “fé madura”. Deixando de lado a boa teologia, o Terço, a oração de joelhos, as orações em família, as novenas, imagens e procissões, reduziram a vida cristã a um humanismo árido. Esqueceram-se de que a misericórdia é para os pequenos. E de que Cristo disse: “Eu te louvo, o Pai, Senhor do Céu e da terra, pois escondestes estas coisas dos sábios e entendidos e as revelastes às criancinhas” (Mt 11,25). 

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