O apostolado da literatura

No mês passado, o Papa Francisco publicou uma Carta “sobre o papel da literatura na educação”, na qual recomenda a “leitura de romances e poemas” como um instrumento importante no “amadurecimento pessoal” (n.1).

A Carta em si mesma contém vários argumentos e intuições preciosas sobre a importância da boa literatura – especialmente em uma época como a nossa, em que vamos nos tornando todos vítimas da “obsessão das telas”, “das redes sociais, dos celulares e de outros dispositivos eletrônicos”. A experiência de ler um livro, diz o Papa, é muito mais ativa do que a de assistir ao respectivo filme – pois, no livro, há muito que fica subentendido e precisa ser preenchido e interpretado pela imaginação do leitor, e sempre é possível interromper por um momento a leitura para se pensar mais no que foi lido, ao passo que no filme o fluxo de informações é tão rápido que quase não sobra tempo para muito esforço ativo do espectador (n.2-4).

Aproveitando o tema proposto pelo Papa, gostaríamos nesta coluna de sugerir ainda outro motivo para inspirar a leitura de boas obras literárias: o fato de que a boa literatura é um legítimo modo de comunicação de ideias filosóficas, capaz de transmitir verdades sobre o ser humano e o sentido da vida de forma mais palatável que a mera argumentação dedutiva.

Dizia Aristóteles que o objetivo da arte literária é fazer com que certas ideias presentes na mente do autor cheguem à do leitor – e a única peculiaridade em relação à redação expositiva padrão é um caráter mediato ou indireto de sua comunicação: na poética, o autor não fala diretamente ao leitor, mas sim por meio da interposição das personagens e da narrativa. Por isso é que um romance não é uma mera sequência aleatória de eventos, mas uma trama amarrada por um tema, ou seja, uma ideia subjacente à estória toda, que poderia ser declarada numa frase. Este tema, em geral, é uma convicção a respeito da vida, que bem poderia ter sido assunto de uma dissertação filosófica – mas que, expresso pela comunicação poética, se torna mais comovente que a pura filosofia, por seu apelo à pessoa toda: não apenas ao intelecto, mas também à imaginação e aos sentimentos (cf. Irmã Miriam-Joseph, O Trivium, p. 262s).

O Evangelho de Nosso Senhor nos transmite muitas convicções sobre a verdade e o bem do ser humano, mas nossa época é afligida cada vez mais por uma desconfiança geral da razão, de tal forma que a cultura secular pretende que cada um tenha a sua verdade, e o que é bom para um possa não ser bom para o outro. Nesse contexto relativista em que o Verdadeiro e o Bom são olhados com suspeita, o Belo é muitas vezes a tábua de salvação que consegue mover os corações e atraí-los a Cristo. Como dizia Soljenítsin, o sobrevivente dos campos de trabalho forçado soviéticos, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura: “Se uma obra de arte atingiu uma verdade e no-la apresentou como uma força viva, ela, então, nos domina e envolve completamente, e ninguém jamais conseguirá refutá-la (…). Se, como diziam os filósofos, a copa daquelas três árvores da Verdade, Bondade e Beleza convergem, mas os ramos muito diretos e incisivos da Verdade e da Bondade foram esmagados e podados pelo nosso materialismo, então, talvez os ramos fantásticos e inesperados da Beleza desabrochem e se lancem para aquele mesmo lugar, e acabem cumprindo o trabalho de todos os três”.

Ousemos, então, ler um bom romance, um daqueles que passaram na prova do tempo, que foram democraticamente testados e aprovados por sucessivas gerações, e nos deixemos fascinar pelo que possuem de sabedoria atemporal. Assim, entenderemos melhor o mistério da vida e do homem, e estaremos em melhor condição de perceber como Cristo é sua resposta.

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