Os cristãos e a divisão política

O Brasil está vivendo um momento político bastante delicado, no qual, em ambos os lados, a tônica parece ser dada pelas posições mais extremistas e menos favoráveis à construção de um projeto de nação minimamente consensual e respeitoso para com o outro. 

Nesse contexto, não deve nos surpreender que a temática religiosa seja como que capturada pelo debate político. Religião não é só o que se faz no culto, dentro do templo. É um fenômeno maior, que dá sentido a toda a nossa vida, que nos consola na dor, explica a nossa solidariedade e nosso desejo de bem. 

Numa eleição difícil, é natural que procuremos em nossas crenças mais profundas a orientação para votar. E isso é bom… O problema nasce quando as doutrinas religiosas passam a ser instrumentalizadas com fins partidários e quando a comunidade deixa de dialogar e procurar o bem comum, dividia em posições ideológicas contrapostas. 

Ao longo da história, a Igreja Católica foi aprendendo cada vez mais a “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Aprendeu a conviver com a pluralidade política, a distinguir o es- paço propriamente religioso e a função de educação ética dos fiéis do espaço político e do engajamento característicos do leigo na sociedade civil. 

A Doutrina Social da Igreja fornece critérios seguros para a ação política, mas a sua aplicação nunca é automática. Devemos agir politicamente em busca do bem comum, lembrando sempre das necessidades dos mais pobres e fragilizados, mas qual política econômica será mais eficiente para atingir esses objetivos? Devemos sempre apoiar aqueles que defendem a vida, mas um demagogo pode se declarar a favor da vida e, depois, agir exatamente da for- ma oposta a suas declarações… 

Não existem candidatos ou partidos perfeitos. O Compêndio da Doutrina Social indica que “as instâncias da fé cristã dificilmente são assimiláveis a uma única posição política: pretender que um partido ou uma corrente política correspondam  completamente às exigências da fé e da vida cristã gera equívocos perigosos” (CDSI, 573). Nesse campo, portanto, as escolhas devem ser feitas de modo coe- rente com os valores do eleitor, tendo em conta as circunstâncias efetivas e a busca do bem comum. 

O Papa, os bispos, os padres e os leigos, enquanto membros da comunidade católica, têm o dever de se exortarem mutuamente à vivência dos valores da fé. Não podemos nos escandalizar quando lembram que esse ou aquele candidato se afasta desses valores. Também não podemos querer que usem os espaços e/ou a autoridade eclesial para defender os candidatos que consideramos melhores, num posicionamento claramente partidário. 

Os candidatos sempre querem consolidar suas bases eleitorais, aumentando o antagonismo entre elas e seus adversários. Com isso, tendem a reforçar seus posicionamentos ideológicos e dificultar o diálogo que nos levaria à verdade e aos consensos necessários. 

A eleição passará. Ganhe quem ganhar, o esforço de construção do bem comum continuará sendo uma tarefa (sempre árdua) à qual todos nós somos chamados – e que se realiza melhor quanto maior for nossa unidade. A raiva e o ressentimento, acumulados ao longo da campanha, tornarão ainda mais difícil encontrar a verdade e construir o bem comum. É na amizade, no esclarecimento mútuo, na aceitação dos próprios erros e na conversão constante que a comunidade cristã colabora para uma sociedade melhor. 

Que nesta eleição, superemos os escândalos e a divisão, amadurecendo na política e na fé, caminhando para um Brasil melhor. 

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João Guilherme Marzagão Barbuto
João Guilherme Marzagão Barbuto
1 ano atrás

Gostei desse editorial. No mesmo sentido, creio, escrevi recentemente a um amigo: os que querem seguir Jesus vão para a Cruz; não para o Sinédrio, nem para Pilatos, nem para os zelotes como Iscariotes. O seguidores de Jesus não fazem política deste mundo. Desde aquele tempo, até hoje, a Palavra é a mesma que foi falada a São Pedro quando quis retardar a ida de Jesus para Jerusalem: “Vade retro Satanás… porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens.” – Mt. 16,21.
Que, com a intercessão de São Pedro que aprendeu “chorando amargamente” possamos seguir no caminho do “esclarecimento mútuo”, da “aceitação dos próprios erros e na conversão constante”, superando “os escândalos e a divisão, amadurecendo na política e na fé, caminhando para um Brasil melhor.”
Domine miserere nobis.
João Guilherme
PS: a parte entre aspas do texto foi extraída do Editorial

Fernando
Fernando
1 ano atrás

Parece que todo catolicismo contemporâneo só pode ser traduzido pelas expressões, “bem comum” e “diálogo”. Não me parece claro, que Cristo tenha dialogado com os vendilhões do templo! Mas ao contrário bradou e com violência expulsou-os do recinto impendido, entre outras coisas, que as vendas simuladas de animais para falsos sacrifícios continuassem sendo feitas, e o povo enganado. Também não me pareceu que Cristo tenha chegado a um consenso com os Fariseus quando os chamou de “raça de víboras” e “sepulcros caiados”. Seria Jesus Cristo um extremista-radical-religioso apegado ao seu próprio Evangelho? Mas como pode o Cristo ser ao mesmo tempo “manso e humilde de coração” e promover com as próprias mãos e um chicote a expulsão dos vendilhões do templo?