Polarização ideológica em tempos de pandemia

O ambiente de polarização política e ideológica parece um daqueles buracos negros que existem no espaço sideral, cuja força gravitacional é tão grande que atrai e engole tudo que estiver ao seu alcance: estrelas, astros, matéria e, até mesmo, a luz. Aplicando a metáfora ao ambiente polarizado, os elementos engolidos seriam o diálogo, o bom senso e a própria razão, uma vez que todas as questões passam a ser vislumbradas a partir de estruturas ideológicas previamente concebidas, aprisionando mentes e sentimentos a paixões extremas de “direita” ou “esquerda”.

Nesse ambiente “cultural”, questões distintas e que, por isso, mereceriam reflexão profunda e atenta, já que, como ensina a boa metafísica, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, são muitas vezes agrupadas em blocos. Temas como a relação entre Estado e economia; o papel do Estado e da família na transmissão de valores e na educação das crianças; o jogo entre interesses coletivos e direitos dos indivíduos; liberdade de expressão; Matrimônio, família e divórcio; participação da Igreja e dos fiéis cristãos na vida pública e civil; igualdade de direitos entre pessoas dos dois sexos; minorias; pobreza; direito à vida são, muitas vezes, agrupados em posições preestabelecidas segundo cartilhas ideológicas impostas como politicamente corretas, separando o mundo em duas partes, em pleno combate. Nessa “guerra”, racionalidade, moderação e equilíbrio são considerados covardia!

Quais fatores atuam na formação desses “times” com suas “torcidas” é uma pergunta a ser respondida. Ao que parece, é possível que um deles seja o impacto e o peso sobre interesses políticos, econômicos e particulares de alguns grupos específicos, midiáticos e de militâncias.

A pandemia do novo coronavírus e o modo de combatê-la não se viram livres da polarização. No Brasil, governos federal, estaduais e municipais não chegaram a um consenso sobre uma política de saúde e de prevenção, deixando a população desorientada, dividida e à mercê da desinformação. Além de todos os dias, para o espanto dos que ainda mantêm a capacidade de se indignar com algo, vir à tona novos casos de corrupção, como o da compra de respiradores superfaturados, de testes que não funcionam etc.

Certos órgãos importantes de imprensa, de quem se esperava serem uma “tábua de salvação”, contribuíram e continuam a contribuir com a desinformação. Matérias apresentadas com títulos como o “Brasil supera a Espanha em casos de COVID-19”, omitindo a informação de que o Brasil é muito maior em território e número de população que a Espanha – na realidade, a população brasileira é quase igual à população da Europa inteira –, ou que informam que 90%, ou mesmo 100%, dos leitos de UTI dos hospitais públicos de determinada metrópole ou cidade estão ocupados, relegando a segundo plano ou omitindo o que isso significa em números reais (10 leitos? 30 leitos? 60 leitos?), ocultam o que, em muitos casos, é o verdadeiro problema: que a falta de leitos de UTI é fruto da má gestão do dinheiro público. Por outro lado, autoridades públicas e mesmo profissionais da saúde que tratam a COVID-19 como uma “gripezinha” também são responsáveis por desinformação.

Além disso, pululam “notícias” compartilhadas nas redes sociais, que vão de teorias da conspiração, de receitas milagrosamente simples até opiniões de pessoas que, mesmo não sendo especialistas em saúde, acham que conhecem a área e advogam em favor de causas que, na realidade, desconhecem. Um exemplo é a recente campanha contra o uso de máscaras.

A busca do bem comum exige mais diálogo e menos militância; mais razão, menos paixões; mais espírito comunitário, menos individualismo; mais percepção da realidade e menos subjetivismo; mais compromisso com a verdade e menos ideologias.

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