Não tenhais medo!

Assim disse o anjo aos pastores: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria que será para todo o povo. Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é Cristo Senhor”. Desde princípio, o homem tem medo de Deus “Ouvi teus passos no jardim e tive medo, porque estou nu, e me escondi” (Gn 3,10). Em Belém não mais passos que apavoram, mas uma criança, um menino cheio de ternura e simplicidade que vem trazer confiança e esperança.

Os pastores não precisam ter medo, mesmo que estejam impuros por não ter podido participar dos rituais de purificação, mesmo que a cor da pele pareça imprópria, mesmo que suas roupas sejam rústicas e sem aparente beleza, mesmo que o odor não tenha a fragrância dos caros perfumes, mesmo que o modo de falar seja com um sotaque diferente, mesmo que sua origem seja de um lugar distante.

Caminhando pela Avenida Gastão Vidigal, proximidades do CEASA, dentre muitos moradores de rua, parei para conversar com três deles. Um casal, Rodrigo e Cleusa, e um amigo chamado Marcos. Vi que estavam cuidando de dois cachorros bem novinhos. O assunto brotou a partir desses animais, bem protegidos e cuidados pelos convivas daquela tenda-barraca. A Cleusa veio do Paraguai e se casou com o Rodrigo, que veio da Bahia. Tinham um endereço fixo, uma casa, mas ficaram desempregados e endividados. A rua é hoje a sua morada. O amigo Marcos veio de Pernambuco e foi acolhido pelo casal.

Conversamos por um período de 40 minutos, pouco falei, visto que os três tinham muito a dizer e ensinar. Falaram sobre assuntos diversos e quase no final do encontro disse que era “bispo da Igreja católica”. Ficaram surpresos porque é comum que “visitas religiosas” sejam cansativas, chatas e até perturbadoras, pois os visitadores querem forçá-los a aceitar Jesus. Disseram que acreditam em Jesus, mas não no Jesus dos “religiosos” que falam muito, ouvem pouco e distorcem a imagem de Deus. Por fim, me convidaram para voltar outro dia e almoçar com eles. Acho que fiz três novos amigos.  Gente sofrida, estrangeiros que moram em lugares e habitações impróprias, pessoas que fazem coisas que são reprovadas por “pessoas de bem”, os que não se vestem com as roupas da moda e nem se banham todo dia. Será que a história está a se repetir? São estes os pastores de hoje? O certo é que nesta tenda Jesus vai entrar e sentir-se em casa. O desafio é fazer de São Paulo, cidade que traz o nome do Apóstolo dos gentios, um berço acolhedor.

Como os pastores, mesmo em meio à escuridão da noite, com os limites que temos, com a pandemia que não dá trégua, vamos a Belém para contemplar o Menino Deus e oferecer o que temos e o que somos. O Papa Francisco conta a história singela e bela dos pastores que, no nascimento de Jesus, acorriam à gruta com vários dons. Cada um levava o que tinha, ora os frutos do seu trabalho, ora algo precioso. Havia um pastor, porém, que era muito pobre, não tinha nada para oferecer. E enquanto todos se organizavam na apresentação de seus dons, ele mantinha-se à parte, com vergonha. A certa altura, São José e Nossa Senhora sentiram dificuldades para receber todos os dons – eram tantos – especialmente Maria que devia segurar nos braços o Menino. Então, vendo aquele pastor com as mãos vazias, pediu-lhe que se aproximasse e colocou Jesus nas suas mãos. Ao acolhê-lo, aquele pastor se deu conta de ter recebido aquilo que não merecia: ter nas mãos o maior dom da história. Olhou para suas mãos, aquelas que lhe pareciam sempre vazias: tornam-se o berço de Deus. Sentiu-se amado e, superando a vergonha, começou a mostrar aos outros Jesus, porque não podia guardar para si o dom dos dons.

Natal é a noite para quem tem mãos cheias e mãos que parecem vazias. Quem está com as mãos cheias, esvazie-as, repartindo com quem nada tem. Quem está com as mãos vazias use-as para carregar o Menino, para carregar o irmão. Deste modo, a graça de Deus brilhará sobre todos nós. Feliz Natal.

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