Sim ao ‘sim’ gerador de vida

Na parábola dos “dois filhos” (cf. Mt 21,28-32), Jesus está num embate com os sacerdotes e anciãos, grupo que detinha o poder religioso e jurídico na Judeia daquele período. Como no trecho anterior (cf. 21,23-27), Jesus era cobrado por não se submeter à autoridade deles ou não praticar aquilo que prescreviam ao povo. Nesta parábola pequena e simples, o Senhor lhes dá uma lição sobre a vivência da fé e suas consequências, a partir da pergunta sobre qual dos filhos agiu melhor diante do pedido do pai para que fossem trabalhar na sua vinha.

Aqueles sacerdotes e anciãos estavam certos de cumprir a lei, e exerciam o papel de censores da vida cotidiana e a função de exigir a observância da lei e os sacrifícios no templo, ao redor do qual haviam instalado vários negócios. A passagem de João Batista pregando a conversão, em conformidade com a vontade de Deus e a acolhida do Messias, não teve impacto nessa estrutura religiosa. Os sacerdotes e anciãos não abriram mão de algo que lhes beneficiava pessoalmente. Por isso, Jesus lhes disse: “João veio a vós, num caminho de justiça, e não crestes nele” (Mt 21,32).

Ao fazer alusão à justiça do Reino, Jesus apresenta sua crítica central aos sacerdotes e anciãos. Toca na ferida, afirmando que não realizavam a vontade de Deus, como o filho cujo “sim” não se traduziu em empenho na vinha. Nesse sentido, não bastam os gestos rituais desprovidos de ações concretas conforme a justiça exigida pela Palavra de Deus, e anunciada por profetas como o Batista.

E deve ter sido ainda mais dolorido para aquele grupo ouvir do Senhor que publicanos e prostitutas, os quais recebiam duro julgamento deles e por eles eram desprezados, “vos precederão no Reino de Deus” (Mt 21,31). Essa afirmação propunha uma completa inversão na concepção sociorreligiosa de praticamente todos, inclusive dos mesmos publicanos e prostitutas, acostumados a “apanhar” e a aceitar os últimos lugares.

Jesus, portanto, identifica este último grupo com aquele filho elogiado pelo fato de primeiramente dizer não, mas depois ir trabalhar na vinha, em obediência ao pai. Afirmação que ainda hoje causa estranheza, pois há evidências de algo errado no proceder dessas pessoas. Logo a seguir, porém, Jesus faz uma afirmação esclarecedora, ao dizer que o grupo publicano-prostituta “acreditou em João”, e certamente Nele mesmo, O acolheram com fé, ponto de partida de uma sincera conversão.

A justiça do Reino anunciada por Jesus era permeada pelo amor misericordioso e perdão do Pai a todos os seus filhos, sem distinção. Tais palavras eram um bálsamo às pessoas que sofriam numa sociedade marcada por discriminações oriundas de como sacerdotes e anciãos propunham a observância da lei, pois gerava divisão entre puros ou impuros, bons e maus, perfeitos e imperfeitos, salvos e malditos, entre os que podiam aceder ao templo ou não etc. Quando isso ocorre, insere-se nas relações pessoais e sociais o que podemos chamar de princípio de violência, porque o amor misericordioso de Deus já não encontrará lugar.

A parábola ajuda-nos a compreender que não fazer a vontade do pai que convida a trabalhar na sua vinha, não é uma mera resposta religiosa, restrita ao âmbito da interioridade pessoal, como muitos pensam. Dizer “sim eu vou e não ir” gera consequências na vida da coletividade, pois contribui para a construção de todo um sistema de relações baseado na negação de direitos, reconhecimento, fraternidade, igualdade etc., isto não favorece a vida. É visível como nossa sociedade tem trilhado esse caminho, o que ficou escancarado no período recente.

Os discípulos missionários de Jesus Cristo têm a missão de manter viva a atitude do filho elogiado no Evangelho, pois entrou em comunhão com o pai e foi trabalhar na vinha. “Trabalhar na vinha” simboliza viver a fé de modo concreto, semeando o amor misericordioso de Deus e sua justiça. O sim ao Pai conecta à justiça do Reino, realidade forte o suficiente para converter os frutos da negação, já mencionados, e deixar avançar a fraternidade nas relações entre as pessoas e na organização da vida social.

Que o sim de Maria Santíssima continue a inspirar tantos outros “sins” ao contínuo convite do Pai aos trabalhos em sua imensa vinha.

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