Vem trabalhar na minha vinha

Para pregar o retiro do Ano Santo do Grande Jubileu de 2000, São João Paulo II convidou o Cardeal vietnamita François-Xavier Nguyên Van Thuân, que esteve preso por 13 anos, dos quais nove na mais rigorosa solidão. Em 1988, foi libertado do cárcere e, de imediato, expulso de seu país (Vietnã). Quando perguntou ao Papa a respeito do assunto a ser tratado no retiro, o Pontífice lhe disse que apenas falasse de sua vida. Na segunda pregação, assim expressou: “Abandonei tudo para seguir Jesus, porque amo os seus defeitos”. Dizia que Jesus não tinha boa memória, pois esqueceu os pecados do bom ladrão (cf. Lc 23,42-43); que não entendia muito de matemática, pois, para Ele, uma ovelha tinha o mesmo valor de noventa e nove (cf. Lc 15,4-7); que desconhecia lógica, pois a mulher da moeda perdida gasta mais com a festa do que o valor da moeda encontrada (cf. Lc 15,8-10); que era um administrador aventureiro, pois na “propaganda de seu produto” prometeu perseguição e julgamentos (cf. Mt 5,3-12), e, mesmo assim, os discípulos de todos os tempos seguiram sua proposta.

Ainda mais: Jesus deixa a impressão de que não entendia de finanças e economia. Conta a parábola do dono da vinha que saiu cinco vezes à procura de operários para trabalhar na sua vinha. Começou na madrugada e só terminou à tardezinha, e, quando foi pagar o trabalho realizado, ofereceu a mesma quantia – um denário – a todos, tanto para quem trabalhou uma hora quanto para quem trabalhou 12. Será que Jesus errou as contas? É claro que não. Quis tão somente mostrar o quanto Deus é exagerado com aquilo que Ele tem, oferecendo em abundância, sejam muitas, sejam poucas horas trabalhadas.

Podemos dizer que o denário utilizado para pagar a diária dos trabalhadores, reportando para os dias atuais, não tem como ser cotado nas bolsas de valores, nem ser protegido em paraísos fiscais e muito menos sofre flutuações conforme as decisões dos governos. “O denário é cotado no coração humano, e quem compreende o seu valor quererá compartilhá-lo com cada pessoa que habita este mundo, começando pelos que, ‘ao cair da tarde’, estão parados nas praças” (Padre Adroaldo): doentes, desempregados, refugiados, crianças sem escolas, os sem-teto, os que passam fome, os dependentes químicos, os que estão encarcerados. A lista dos que esperam é enorme, as praças estão cheias.

A parábola dos trabalhadores quer também fazer forte crítica aos que se achavam melhores, e com mais direitos por serem da raça do povo eleito, os únicos herdeiros da vinha. No olhar dessa gente, os cristãos vindos do paganismo, os pecadores convertidos, não mereciam receber o mesmo tratamento dado aos que eram de origem judaica. É a mentalidade de se achar mais merecedor por ser um veterano na comunidade. Ninguém pode se achar dono da vinha, porque nela todos são operários. Na vinha do Senhor não se trabalha para ter um merecimento, ter um prêmio lá no céu. Não podemos passar a vida como diaristas de Deus, fazendo comparações, pensando no que vamos ganhar, no que merecemos. A vinha do Senhor deve ser o lugar de viver como bons filhos, atuando tão somente pela alegria em servir.

Deus sai ao nosso encontro o tempo todo: bem cedinho, no meio da manhã, ao meio-dia, no início e ao cair da tarde. Não se cansa de nos procurar para manifestar o grande amor que tem por nós. Em todos os momentos, encontra gente nas praças à espera de um convite para trabalhar na vinha. É um Deus camponês, que fala do Reino como uma bela vinha que deve ser bem cuidada para produzir frutos saborosos para todos. Ele entrega em nossas mãos os cuidados dessa vinha, para que possamos, juntos, construir seu sonho e o nosso sonho. Então, para quem já está na vinha, é hora de sair para convidar; e, para quem está na praça, é hora de aceitar o convite: “Ide também vós para a minha vinha”. E, com alegria e gratidão, considerando o último da fila, assim possamos rezar: “Conceda-me, Senhor ser trabalhador feliz na vinha, por ter servido o Evangelho, operário não sei de que hora, mas que não espera recompensa alguma. Feliz apenas por ter trabalhado na tua vinha, pelas uvas perfumadas, por um vinho novo, por uma terra mais bela. Contente por ter sido dos primeiros a trabalhar e contente pelo dinheiro dos últimos” (Ermes Ronchi).

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