No livro do Deuteronômio (18,15-20), Moisés revela orientações dadas por Deus quanto à vida que o povo deve levar assim que chegar à terra prometida (Dt 18,9). Não deve imitar as nações estrangeiras que recorriam a magias e adivinhações. Deus mesmo vai suscitar profetas para garantir a integridade do povo. Estes são pessoas conhecidas, estão no meio do povo, são irmãos; anunciam a Palavra de Deus e não estão autorizados a acrescentar ou tirar nada do que receberam do próprio Deus; garantirão com seu anúncio que o povo não vai perder o vínculo com o Senhor nem vai se desviar do caminho. No entanto, naquele tempo e no nosso, a palavra dita pelo verdadeiro profeta não é bem recebida pelos ouvintes. Para quem se encontra tomado por um “espírito mau”, ela não é confortável, faz contorcer e incomoda.
São Marcos escreveu o evangelho procurando, desde o primeiro capítulo, mostrar quem é Jesus. Significativo é que ele não se preocupa com definições abstratas, mas apresenta Jesus agindo, pois é a partir de seus gestos que podemos descobrir quem Ele é. A cena descrita no Evangelho do 4º Domingo do Tempo Comum trata do seu primeiro ato público. Ele está na cidade de Cafarnaum, num dia de sábado e entra em uma sinagoga onde começa a ensinar. Quem está presente percebe algo de diferente que lhes causa admiração, pois faz um ensinamento com autoridade, ou seja, fala de um jeito diferente e original, acompanhado de gestos libertadores: ensina e faz.
O jeito de ensinar dos doutores da lei era sempre o mesmo, centrado na repetição de pesadas e cansadas doutrinas que se arrastavam na torrente de uma velha e gasta tradição. Com Jesus tudo é diferente e novo, um ensinamento e um olhar para fora, para as necessidades dos outros que testemunham o quanto Jesus mudou suas vidas: libertou-as do espírito mau. Como cristãos, somos sempre cobrados para que nossa fé, a nossa vivência religiosa seja sempre acompanhada de um modo de agir que corresponda à fé que professamos. Quando isso acontece, as pessoas ficam admiradas e atraídas.
Na sinagoga se encontrava um homem possuído por um espírito mau. A palavra dita por Jesus o incomoda e de imediato começa a gritar. É bem provável que este homem tenha ouvido a palavra por diversas vezes, mas nunca tinha sido incomodado, a palavra ainda não lhe tocara o coração de uma forma verdadeira, por isso chegava e saia da sinagoga com o mesmo problema. Ainda hoje, algumas pessoas ficam incomodadas com a Palavra de Jesus, não aceitam que o Seu ensinamento se atualize e se revoltam quando surgem questionamentos quanto a questões que não podem ser toleradas à luz do Evangelho. Jesus cala o espírito mau e liberta a pessoa, resgata a sua dignidade e a reinsere na sociedade. Mostra que toda a pessoa deve ser livre e respeitada, jamais escravizada.