‘Misericórdia sinodal’

Na constituição apostólica In Ecclesiarum communione (06/01/2023), para a reorganização do Vicariato de Roma em face da “mudança de época”, o Papa Francisco, Bispo de Roma, insiste que à sua Diocese cabe uma “particular responsabilidade” e “exemplaridade”, pois na Igreja de Roma, de origem apostólica, com singular luminosidade se reflete o rosto da Igreja universal (cf. n.4).

Por isso, o Papa compendia nesse documento o essencial do seu magistério: “a Igreja é posta no mundo como ‘samaritana’ […] escutamos com particular urgência o chamado à conversão missionária de toda a Igreja, acompanhada de uma mais viva consciência da sua dimensão constitutivamente sinodal. Para reanimar a missão, no primado da caridade e no anúncio da misericórdia divina, devem ser sustentadas e promovidas, em sinergia, a colegialidade episcopal e a ativa participação do povo dos batizados” (n°2), para o “testemunho credível da misericórdia de Deus” (n°15). E o primeiro efeito do impulso evangelizador e sinodal deverá ser recuperar a confiança no Espírito Santo que guia os diversos caminhos eclesiais e – segundo a constituição dogmática Dei Verbum, DV 8 – abre a novas compreensões do conteúdo da Revelação (cf. n.5). Depois, o Papa reitera a missão no primado da caridade e no anúncio da misericórdia divina (art.1 dos “princípios orientadores”).

Em suma: só a confiança no “Protagonismo do Espírito em uma Igreja sinodal” (Síntese da Fase Continental do Sínodo da sinodalidade na América Latina e Caribe – Tema 1) conduzirá à conversão (pastoral, missionária, sinodal) até uma missão credível no amor e na misericórdia. Por outro lado, a “volta às fontes” (patrísticas, bíblicas) operada pelo Concílio Vaticano II inspira, ao menos no âmbito deste artigo, a criar a expressão “misericórdia sinodal” com base na ideia de “sinergia”, com vistas a uma melhor compreensão das relações internas entre o Espírito Santo, a Igreja sinodal e samaritana, e o anúncio da misericórdia divina.

No uso clássico dos Padres da Igreja, “sinergia” – preferível ao correspondente latino “co-operação” – são as energias conjuntas, mais propriamente a do Espírito Santo, que, desde dentro, une o homem a Deus em Cristo, na sinergia do Espírito Santo e da Igreja (cf. Catecismo da Igreja Católica – CIC 1091-1112): Ele é o artífice da liturgia e, portanto, da nossa deificação (cf.2Pd 1,4: CIC 1129). Vamos um passo além. A carta apostólica Misericordia et misera, MM 25 – vimos no artigo anterior (cf. “Misericórdia e sinodalidade para o Terceiro Milênio”, O SÃO PAULO, 12/04/2023) – refere o grande rio da misericórdia, a Fonte que brota e flui incessantemente do seio da Trindade, ou seja, “o rio de água da vida […] um dos mais belos símbolos do Espírito Santo”: Ele é um dos celebrantes da “liturgia celeste” de que participamos na “liturgia terrestre” (Ap 22,1; CIC 1090 e 1137).

A força do Espírito age em sinergia na comunhão do Corpo de Cristo e infunde a Misericórdia na Igreja sinodal; portanto, “misericórdia sinodal” intenta expressar um caminho até a plena catolicidade do povo de Deus, como fruto da “missão no primado da caridade e no anúncio da misericórdia divina”. Trata-se, enfim, da “economia sacramental”, que significa, em primeiro lugar, o “desígnio de benevolência”, de amor, de misericórdia que se revela na Eucaristia, pois só a dinâmica da economia sacramental permite conhecer e viver o mistério da misericórdia de Deus a ser anunciado pela Igreja sinodal, para uma verdadeira conversão missionária com base na centralidade do querigma.

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