Uma mística do Coração

Em 27 de dezembro do ano passado, logo após o Natal, recordamos os 350 anos da primeira grande aparição do Sagrado Coração a Santa Margarida Maria Alacoque, monja da Ordem da Visitação de Santa Maria. Esta data marca o início do jubileu, cuja celebração irá de 27 de dezembro de 2023 até 27 de junho de 2025, promovido pelo Santuário de Parayle-Monial, cidade francesa onde viveu e morreu Santa Margarida Maria.

“Certa vez, diante do Santíssimo Sacramento”, assim começa a descrever na sua autobiografia Santa Margarida Maria a grande manifestação do Coração de Cristo em 27 de dezembro de 1673. Contemplativa do amor divino, a alma de Santa Margarida tinha profunda sede da Eucaristia. Ali, na oração, será conduzida pelo Paráclito a uma profundíssima experiência do Amor de Cristo. Assim escreve ela: “Entreguei-me, então, ao divino Espírito, pondo meu coração à mercê da força do seu amor. Fez-me repousar, por longo tempo, em seu divino peito. Ali me revelou as maravilhas de seu amor e os segredos insondáveis de seu Sagrado Coração, que tinha conservado escondidos até aquele momento em que nos abriu pela primeira vez, mas de modo tão real e sensível que não deixou lugar para nenhuma dúvida, pelos feitos que essa graça produziu em mim. Ele me disse: “O meu divino Coração está abrasado de amor para com os homens, e em particular para contigo. Não podendo conter mais em si as chamas de sua ardente caridade, precisa derramá-las por teu meio e manifestar-se a eles, para enriquecê-los com seus preciosos tesouros” (Autobiografia, 53).

Esta celebração poderia até parecer uma efeméride entre muitas outras, mas, na verdade, marca o início de um dos movimentos espirituais mais importantes da história da Igreja moderna. Se é verdade que o Coração de Jesus já era objeto de devoção bem antes, foi a Santa Margarida Maria que coube ser a inspiração para o culto público ao Sacratíssimo Coração. Culto inclusive solene e litúrgico, por meio da instituição da Solenidade do Sagrado Coração na oitava do Corpus Christi.

Especialmente após o século XIX, a espiritualidade reparadora do Coração de Jesus se mostrou como um impulso carismático incomparável. Entre os leigos, a devoção ao Coração de Jesus, conforme apresentada por Santa Margarida Maria, foi uma força evangelizadora ímpar. Associações e movimentos, grupos e confrarias surgiram para viver e difundir esta espiritualidade. Para a vida consagrada, foi um estímulo admirável. Quantos institutos masculinos e femininos, contemplativos e missionários estão alicerçados nesta espiritualidade? Bastaria pensar num grande místico do século XX: Charles de Foucauld, canonizado pelo Papa Francisco em 15 de maio de 2022. Não era exatamente este Coração que este inigualável eremita-missionário trazia estampado no seu hábito?

Exatamente a representação iconográfica do Sagrado Coração se mostrou como um excelentíssimo meio de apresentar ao mundo o núcleo central do Evangelho. Assim escrevia São João Paulo II: “De fato, a aproximação de Cristo, no mistério do seu Coração, permite-nos deter-nos neste ponto da revelação do amor misericordioso do Pai, que constituiu, em certo sentido, o núcleo central — e, ao mesmo tempo, o mais acessível no plano humano — da missão messiânica do Filho do Homem” (Dives in Misericordia, 13)

Esta celebração, portanto, se apresenta como uma oportunidade única para nos aprofundarmos na espiritualidade do Sagrado Coração.

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