Projetos oferecem — além dos serviços de higiene — corte de cabelo, doação de roupas, alimentação e educação, possibilidades que promovem o resgate da dignidade e contribuem para uma construção de um mundo mais humano
Quem anda pelas ruas do centro de São Paulo se impressiona com o alto índice de pessoas em situação de vulnerabilidade e em drogadição. Por lá, também, as várias ações caritativas espalham amor e devolvem um pouco de dignidade a quem, por vários motivos, está à margem da sociedade.
O SÃO PAULO apresenta iniciativas que vêm transformando a vida dessas pessoas: o ‘Banho Vicentino’ e as ações sociais no Liceu Sagrado Coração de Jesus.
BANHO VICENTINO
Criado em 2020, no auge da pandemia, o Banho Vicentino é uma iniciativa dos leigos consagrados da Conferência Sagrado Coração de Jesus, ligados à Sociedade de São Vicente de Paulo, com atuação e extensão missionária vinculada ao Santuário Sagrado Coração de Jesus, no bairro Campos Elísios, Região Episcopal Sé.
O Santuário está inserido em uma região permeada de cortiços, próxima à ‘antiga’ Cracolândia, e ladeada pela presença significativa de pessoas em situação de rua e dependência de drogas.
Os leigos vicentinos, em parceria com os Padres Salesianos, paroquianos e voluntários do Santuário, começaram uma série de ações visando a amenizar o sofrimento e a fome desses irmãos, inicialmente, com a distribuição de cerca de 800 marmitas e kits de higiene.
AJUDAR OS IRMÃOS
O Banho Vicentino nasceu após a doação de um valor em dinheiro que foi destinado à compra de um trailer que, atualmente, oferece, além do banho, roupa limpa (incluindo roupas íntimas), alimentação, kits de higiene e, principalmente, o acolhimento humano.
O trailer é composto por duas cabines com dois chuveiros de água quente e três pias. “O trailer do Banho Vicentino foi pensado com o objetivo de devolver a dignidade a essas pessoas que, para muitos, são invisíveis para a sociedade. Dignidade por meio de um banho e de uma roupa limpa”, ressaltou Elizabeth Magalhães de Gasperi, leiga vicentina e voluntária do banho solidário.
Além da necessidade do banho, esses assistidos recebem o corte de cabelo, barba e refeição”, lembrou Elizabeth, frisando que a iniciativa atende o “clamor evangélico de ir ao encontro do próximo e que permite ser uma Igreja em saída que acolhe o irmão que sofre”, disse.
O banho solidário é oferecido à população a cada 15 dias, aos domingos, no estacionamento do Santuário. Em um único domingo, o projeto atende em média 50 pessoas e já ultrapassou a marca de mais de mil banhos solidários.
A missão do projeto é proporcionar a pessoa em situação de rua o direito a um banho digno, embaixo de um chuveiro, com todo o suporte higiênico necessário. “Com as ações realizadas, não queremos incentivar a estada nas ruas, mas amenizar a situação de quem não tem um teto”, disse a voluntária, afirmando que o projeto é mantido por meio de doações.
ALIVIAR O SOFRIMENTO
Elisabeth destacou que, por estarem em situação de rua, muitas pessoas assistidas ficam dias e até longos períodos sem tomar banho. “Interessante ver que as pessoas ali chegam, tomam banho, comem, conversam, fazem sua higiene pessoal e, acima de tudo, saem dali com a autoestima elevada”, ressaltou.
“O banho edifica o ser humano”, completou, referindo-se à passagem bíblica do Bom Samaritano (cf. Lucas 10,25-37), “na parábola, lemos ‘viu e sentiu compaixão’, essa é uma atitude cristã de acolher e estender as mãos aos irmãos que se encontram caídos pelas ruas e viadutos da nossa cidade”.
Tiago Pinheiro foi um dos beneficiados com a ação concreta do Banho Vicentino. “Além do banho, ganhei uma roupa limpa e dignidade”, disse com um sorriso largo.
“Atuamos neste local permeado pela realidade da pobreza e é aqui que buscamos a Cristo no rosto de nossos irmãos, dando-lhes o pequeno alívio de um banho, uma refeição, uma conversa, um olhar carinhoso”, finalizou a voluntária.
NOVAS ATIVIDADES NO LICEU
Após 137 anos de atividades, a escola do Liceu Sagrado Coração de Jesus anunciou que vai encerrar suas atividades. A unidade de ensino – uma das mais tradicionais do País – está localizada próxima à Praça Princesa Isabel, onde tem havido grande concentração de dependentes químicos e pessoas em situação de rua da conhecida “Cracolândia”.
O fechamento da escola, fundada em 1885, pelos primeiros Religiosos Salesianos que chegaram ao Brasil, retrata, entre outros fatores, a realidade da insegurança do local. A instituição já teve mais de 3 mil alunos, e, atualmente, conta com menos de 200.
Padre Cássio Rodrigo de Oliveira, Porta-voz da Inspetoria Salesiana de São Paulo, ressaltou que o Liceu Coração de Jesus é um “centro de missão que tem como princípio a transformação social, sobretudo da juventude mais pobre. Por muito tempo, mantivemos o foco de nossa atuação nesse espaço em atividades escolares, mas, entendemos que neste momento, precisamos olhar com mais carinho para a situação atual do território”, disse.
O Sacerdote enfatizou que as atividades que beneficiam as pessoas em situação de vulnerabilidade social englobam as dimensões da geração de empregos, a formação profissional, espiritual e para a vida, pautados sempre nos princípios de São João Bosco.
AS AÇÕES VÃO CONTINUAR
O imóvel do Liceu Sagrado Coração de Jesus passará por uma reestruturação e, a partir de 2023, se concentrará ainda mais em atividades sociais voltadas para a população em situação de vulnerabilidade.
A instituição continuará oferecendo as atividades por meio do serviço do Abrigo Dom Bosco Catadores de Recicláveis, referência nesse espaço, e o Centro de Educação Infantil (CEI) Coração de Jesus – uma creche conveniada com a Prefeitura de São Paulo.
Padre Cássio ressaltou que o Abrigo foi criado há 22 anos, com o objetivo de promover autonomia, por meio das atividades oferecidas a pessoas em situação de rua, catadores e carroceiros. Pelo Abrigo já passaram mais de 1,5 mil pessoas.
Segundo o Sacerdote, no Abrigo Dom Bosco são 55 conviventes, que diariamente são contemplados com duas alimentações (café da manhã e lanche noturno), além de atividades como acompanhamento individual por meio da assistente social; de saúde, com apoio e presença dos agentes de saúde com agendamento de exames e de consultas na Unidade Básica de Saúde (UBS) local; acompanhamento de convivência por meio dos Orientadores Socioeducativos; acompanhamento das rotinas do Abrigo, com normas e regras de convivência interna; momentos de formação, com palestras, oficinas, rodas de conversas, jogos cooperativos, momentos de entretenimento e lazer.
O CEI Coração de Jesus possui, atualmente, 109 atendidos, com idade até 3 anos e 11 meses. Para essas crianças, são oferecidas 545 refeições diárias, cerca de 10,9 mil refeições mensais.
“Há muito tempo, o centro de São Paulo é impactado pelo grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade social. A drogadição é uma temática que precisa ser vista por toda a sociedade com um olhar de saúde pública e que, quando não tratada adequadamente, provoca situações de violência, degradação do espaço público e, também, na perda da capacidade de um olhar humano para com essas pessoas”, finalizou o Sacerdote.