Pela música litúrgica, canta-se o mistério da fé do povo de Deus

COLABORAÇÃO DE CLEIDE BARBOSA

Cantar na liturgia ou cantar a liturgia? Essa reflexão foi destaque na entrevista concedida pelo compositor Padre José Henrique Weber e pelo maestro Delphim Rezende Porto ao programa “Entre Agendas”, da rádio 9 de Julho. Sacerdote da Congregação dos Missionários do Verbo Divino (Verbitas), Padre Weber, como é mais conhecido, é formado em Música com ênfase em canto gregoriano pelo Pontifício Instituto de Música Sacra, em Roma, e especialista em Música pelo

Instituto Católico de Paris e compositor de músicas bastante conhecidas na liturgia brasileira, tais como: “Prova de amor maior não há”, “Eu vim para que todos tenham vida”, e muitas outras.

Desde 2019, o maestro Delphim é responsável pela música litúrgica na Catedral da Sé, em São Paulo. Organista, cravista, regente e professor, ele é mestre e doutor em Música pela Escola de Comunicação e Artes da USP, além de dirigir a São Paulo Schola Cantorum.

MÚSICA SACRA

Padre Weber (Luciney Martins /O SÃO PAULO)

Logo no início da conversa, Padre Weber explicou que a música possui uma variedade de estilos e categorias destinadas a fins e ocasiões específicos, como é o caso da música sacra, com suas qualidades próprias. “Existe música para neném dormir, música de balada, para se divertir, e assim por diante. Mas existe, principalmente, a música que exprime a nossa fé, que é a música litúrgica, a música sacra”, destacou o compositor.

O maestro Delphim sublinhou que a música está presente nos ritos da Igreja desde a sua origem, como herança da tradição judaica, que dá lugar de destaque especialmente para os salmos entoados nas suas liturgias. “Certamente, Jesus rezava com os seus, cantava com seus discípulos, não é? E cantava Salmos”, disse.

Nesse sentido, diferentemente de qualquer outra categoria musical, na música litúrgica, mais do que a própria música, a prioridade é o texto, isto é, a Palavra de Deus cantada nas celebrações. “É mais do que cantar qualquer outro tipo de poesia, é a Palavra de Deus”, afirmou Delphim, enfatizando que, justamente pelo valor da Palavra divina que é expressa na música litúrgica, o improviso não é recomendável. “Ninguém devia descobrir na hora da missa o que vai acontecer”, frisou. Além do próprio texto bíblico, esse gênero musical se baseia na tradição litúrgica da Igreja ao longo dos séculos, que desenvolveu hinos e cânticos entoados até hoje nas igrejas.

Maestro Delfim (Luciney Martins /O SÃO PAULO)

PARTICIPAÇÃO DOS FIÉIS

Outro aspecto destacado pelos entrevistados é a participação do povo, condição essencial da liturgia ainda mais salientada pelo Concílio Vaticano II. “Quando unimos o povo e o coro, nós estamos fazendo exatamente aquilo que o Concílio recomendou”, disse Delphim, explicando que os fiéis que participam da missa não são um “auditório” que acompanha um espetáculo, mas “povo de reis”, isto é, de batizados que fazem parte do corpo de Cristo que celebra a fé em comunidade e que, por isso, deve cantar junto.

Nesse sentido, o maestro frisou que, para realizar o serviço musical na liturgia, a humildade é um elemento fundamental. “É preciso muita humildade para que o músico possa entender o que ele está fazendo ali, de fato… Porque, ali, o que é importante é que a Palavra de Deus cresça”, afirmou.

CUIDADOS

Padre Weber também ressaltou que, na liturgia da missa, praticamente todas as partes podem ser cantadas, inclusive as leituras, sobretudo nas celebrações mais solenes. No entanto, as celebrações devem ser cantadas de forma ritual. Sobre isso, Delphim complementou alertando para o risco da inserção dos estilos de música comerciais, mesmo com temáticas religiosas, como é o caso da música gospel, nas liturgias católicas.

“É preciso tomar cuidado para não haver uma imitação da música comercial, porque essa se baseia na moda… Colocar uma música comercial na missa para que as pessoas nos aplaudam, nos reconheçam, digam que a nossa voz é bonita, que o nosso instrumento soa bem”, observou Delphim, reconhecendo que existem inúmeras músicas católicas que transmitem uma mensagem de fé e podem ser ouvidas em outros momentos, em casa, no carro, mas não na liturgia.

O maestro também alertou para o cuidado com o estilo “sensualizado” com que algumas músicas, especial- mente os salmos, são cantados nas celebrações, reproduzindo o apelo emocional comum das canções comerciais, que em nada expressam o sentido da comunidade eclesial que canta o mistério da fé. “Precisamos ter pudor para fazer as coisas. O p- dor, não desrespeito apenas a usar uma roupa adequada para ir à missa”, afirmou.

FORMAÇÃO

Por fim, os entrevistados ressaltaram que, para exercer o serviço pastoral da música litúrgica, mais do que se especializar técnica e academicamente na área musical, é importante se formar no âmbito da liturgia. Para isso, a Comissão Arquidiocesana de Liturgia (CAL) promove com frequência formações sobre canto litúrgico para os tempos específicos da vida da Igreja.

“Estar a serviço da Igreja pressupõe também estar a serviço de uma causa maior. Por isso, assim que nós assumimos o trabalho na Catedral, restauramos a Escola de Cantores da Catedral da Sé, que já houve no passado… Agora, com o arrefecimento da pandemia, vamos voltar às atividades. Vamos compartilhar também essas iniciativas boas para que mais pessoas tenham acesso”, completou o maestro.

Ouça a íntegra da entrevista.
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