A capital com vocação missionária

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São Paulo, a maior metrópole brasileira, é fruto de um processo evangelizador que atravessou séculos. Na missa celebrada em 25 de janeiro de 1554, pelo Padre Manuel de Paiva, um dos 13 missionários jesuítas que se fixaram no planalto de Piratininga assim como o Padre Manuel da Nóbrega e o jovem religioso José de Anchieta, foi dado o primeiro passo para o nascimento da capital paulista.

Localizado entre os Rios Tamanduateí e Anhangabaú, o colégio tinha o objetivo de ensinar a doutrina cristã aos indígenas, integrando educação e evangelização. O trabalho dos missionários ia além da transmissão da fé: era um esforço para criar uma base de convivência entre povos distintos, conciliando culturas em um ambiente de aprendizado mútuo.

Padre Manuel da Nóbrega também desempenhou papel crucial na criação da primeira diocese brasileira, São Salvador da Bahia, e na luta contra a escravização dos indígenas. Seus esforços ajudaram a construir as bases de uma sociedade que, ainda que marcada por conflitos, buscava a integração pacífica entre os povos originários e os colonizadores europeus.

Ao lado de Nóbrega, São José de Anchieta consolidou o trabalho missionário, desenvolvendo a gramática tupi-guarani e promovendo uma integração cultural e religiosa com os povos nativos. Ele escreveu cartas, peças de teatro e textos pedagógicos que se tornaram fundamentais na educação e na catequese. A pedagogia jesuíta, reconhecida por sua abordagem humanista, influenciou profundamente o sistema educacional que se consolidaria em São Paulo e no Brasil. Além disso, capelas como a de São Miguel Arcanjo, erguida em 1560, onde hoje está a Diocese de São Miguel Paulista, evidenciam a importância da Igreja como centro do desenvolvimento urbano e social na São Paulo colonial.

Em 1588, os moradores da pequena vila de São Paulo buscaram obter a permissão do poder real para construir sua primeira igreja matriz. A permissão só veio em 1591, e a construção iniciou-se em 1598, sendo finalizada em 1616, no local indicado pelo cacique Tibiriçá, um dos primeiros indígenas catequizados e batizados pelos jesuítas no povoado.

Bispado e Arcebispado

Até 1745, São Paulo estava sob a jurisdição da então Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Com a bula Candor Lucis Aeternae, do Papa Bento XIV, a cidade foi elevada à sede de um bispado próprio, refletindo seu crescimento e importância na região. Esse marco foi fundamental para o fortalecimento da presença católica na Capitania de São Paulo, que se preparava para novos desafios em um contexto de expansão territorial e aumento populacional.

A estrutura diocesana permitiu maior articulação entre as comunidades católicas e possibilitou a ampliação das atividades pastorais. Capelas e igrejas foram sendo erguidas para atender à demanda religiosa de uma população em crescimento. A organização eclesiástica teve impacto direto na formação do tecido social e cultural de São Paulo. Além dos templos, a Igreja criou espaços de acolhimento, como casas para órfãos e pobres, desempenhando um papel crucial na formação da identidade paulistana.

No dia 7 de junho de 1908, o Papa São Pio X elevou a Diocese de São Paulo a sede metropolitana, criando a província eclesiástica homônima com outras cinco dioceses, também criadas na mesma data. Até então, todo o Estado de São Paulo formava uma única diocese.

Ao todo, São Paulo teve 12 bispos e sete arcebispos. Desde 2007, a Arquidiocese é liderada pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer.

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Nenhum de nós vive para si, e ninguém morre para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor… Paremos de julgar uns aos outros. Ao contrário, preocupem-se em não ser causa de tropeço ou escândalo para o irmão… Acolham-se uns aos outros, como Cristo acolheu vocês para a glória de Deus 

(Carta de São Paulo aos Romanos 14,7-8.13;15,7)

Ordens e congregações

A atuação dos missionários das grandes ordens e congregações religiosas foi essencial para o desenvolvimento da Igreja em São Paulo e, consequentemente, da própria cidade.

Os jesuítas, já conhecidos pelo papel na fundação da cidade, além da catequese, introduziram práticas educativas, literárias e artísticas. Seu modelo pedagógico era baseado em um ensino integral, que unia disciplinas seculares e religiosas. Essa abordagem lançou as bases para o desenvolvimento educacional da cidade. Além disso, os jesuítas foram pioneiros no estudo da fauna, flora e cultura indígena, contribuindo para o registro histórico e científico da região.

Os beneditinos chegaram à cidade em 1598, estabelecendo o Mosteiro de São Bento. Essa instituição tornou-se um dos maiores centros de espiritualidade e educação da cidade. O mosteiro não só abrigava monges, mas também oferecia ensino de qualidade, sendo um dos primeiros a introduzir aulas de música sacra e latim.

Os franciscanos vieram em 1639, dedicando-se ao trabalho com os mais necessitados. Sua atuação incluiu a criação de hospitais, albergues e cozinhas comunitárias. Além disso, os franciscanos foram fundamentais para a propagação de devoções populares, como a veneração a São Francisco, Santo Antônio e a Imaculada Conceição, que se tornaram símbolos de fé para muitas famílias paulistanas.

No final do século XIX, os scalabrinianos chegaram para atender à crescente comunidade de imigrantes italianos em São Paulo. Eles fundaram paróquias e escolas para preservar a cultura e a fé dessa população. Seu trabalho foi essencial na integração dos italianos à sociedade brasileira, criando uma ponte entre tradições europeias e o novo contexto latino-americano.

Hoje, são diversos os carismas religiosos presentes na Igreja em São Paulo que se somam aos movimentos, associações de fiéis, pastorais e demais organizações eclesiais que atuam na evangelização da cidade. 

Educação e caridade

Desde o período colonial, a Igreja investiu na educação como ferramenta de promoção humana. Escolas e colégios religiosos foram responsáveis por formar gerações de paulistanos, difundindo valores éticos e cristãos. Em tempos modernos, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), fundada em 1946, tornou-se referência em ensino superior, contribuindo para debates sociais e políticos relevantes.

A Igreja em São Paulo também teve papel destacado na formação de sacerdotes, inicialmente, por meio do seminário provincial, inaugurado em 1856, no bairro da Luz, e que, em 1934, foi transferido para o Ipiranga, formando presbíteros para a Arquidiocese e outros estados brasileiros. 

Na área da caridade social, a Igreja mantém uma atuação constante por meio de pastorais e instituições que dão testemunho da caridade de forma organizada nas mais variadas frentes. A Arquidiocese de São Paulo foi pioneira na criação de movimentos e organizações que defendem e promovem a dignidade humana, sobretudo nos contextos de violação de direitos fundamentais, como no período do regime militar.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Nem vos torneis idólatras… nem nos entreguemos à impureza como alguns deles [antepassados] se entregaram, e morreram… Nem tentemos o Senhor, como alguns deles o tentaram, e pereceram mordidos pelas serpentes. Nem murmureis, como murmuraram alguns deles, e foram mortos pelo exterminador. Todas essas desgraças lhes aconteceram para nosso exemplo; foram escritas para advertência nossa, para nós, que tocamos o final dos tempos. Portanto, quem pensa estar de pé veja que não caia. Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapassasse as forças humanas… Portanto, caríssimos meus, fugi da idolatria.

(1ª Carta de São Paulo aos Coríntios 10,7-14)

Santos e Beatos

São Paulo também é uma cidade marcada pela presença de santos e beatos que viveram ou tiveram ligação com a cidade. Além de São José de Anchieta, destaca-se Santo Antônio de Sant’Ana Galvão (1739-1822), canonizado em 2007, que é o primeiro santo brasileiro. Ele viveu em São Paulo no século XVIII, dedicando-se à vida religiosa e ao cuidado pastoral. Frei Galvão foi um dos fundadores do Mosteiro da Luz, no qual atualmente vivem as religiosas Concepcionistas.

Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus (1865-1942) é outro exemplo de grande importância para a Igreja em São Paulo. Ela fundou a Congregação das Irmanzinhas da Imaculada Conceição, uma ordem religiosa dedicada à educação e à caridade. Santa Paulina representa o espírito missionário da Igreja, buscando sempre atender às necessidades dos mais vulneráveis em uma cidade em rápido crescimento.

De particular relevância para São Paulo é a Beata Assunta Marchetti (1871-1948), cofundadora das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo (Scalabrinianas), que dedicou sua vida ao cuidado dos migrantes, órfãos e enfermos na cidade.

Outro destaque é o Beato Mariano de la Mata (1905-1983), sacerdote agostiniano espanhol radicado no Brasil, que se dedicou à educação e ao cuidado dos enfermos. Ele viveu boa parte de sua vida em São Paulo, deixando um legado de compaixão e serviço abnegado.

Deus habita esta cidade

Durante sua história, a Igreja particular de São Paulo passou por enormes transformações, que também estão relacionadas às mudanças sociais, demográficas, econômicas, culturais e religiosas. De Igreja “interiorana”, ela precisou confrontar-se com o surgimento rápido da metrópole e com todos os desafios daí decorrentes. E não é diferente hoje, dado que ela procura ser “testemunha de Jesus Cristo” na complexidade da grande cidade.

Em 1989, a Arquidiocese sofreu uma significativa reestruturação, quando foram criadas quatro novas dioceses: Campo Limpo, Osasco, Santo Amaro e São Miguel Paulista. Essa divisão territorial buscou facilitar o atendimento pastoral e a presença da Igreja em áreas mais distantes do centro.

Dessas circunscrições, São Paulo, São Miguel Paulista e Santo Amaro correspondem aos limites da capital. Já Campo Limpo e Osasco também possuem outros municípios em seu território. Dos 12,33 milhões de habitantes da cidade (IBGE-2020), cerca de 80% são católicos, somando as cinco dioceses. Ao todo, vivem e atuam na capital cerca de 1,5 mil padres, entre diocesanos e religiosos. Já o número de religiosas consagradas passa de 2,3 mil.

A influência da Igreja Católica em São Paulo transcende o campo espiritual, permeando a cultura, a política e as ações sociais. Desde a fundação até os dias atuais, a Igreja moldou a identidade paulistana, reafirmando-se como uma força indispensável no desenvolvimento da maior metrópole brasileira.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Renovação pastoral 

Para continuar a corresponder à sua missão, após o caminho sinodal de comunhão, conversão e renovação missionária (2017-2023), a Arquidiocese de São Paulo deu um novo passo histórico, com a entrada em vigor dos instrumentos referentes à sua renovação pastoral e administrativa. Além da readequação das seis regiões episcopais em 24 decanatos, foram promulgados os novos diretórios para a Pastoral dos Sacramentos e da Formação Presbiteral, além das Normas Administrativas e Financeiras da Arquidiocese.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, destacou que a Igreja na capital paulista é marcada pela cultura e pelo ambiente da metrópole. “É uma Igreja viva, presente capilarmente em toda a cidade. Temos milhares de expressões organizadas da Igreja dentro e fora das paróquias, de leigos e religiosos. A Igreja não está presente somente por meio de suas estruturas mais visíveis; ela está na base e essa é sua força mais importante”, afirmou.

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