Padre José Weber: ‘Cantar a essência da Palavra de Deus unida à Liturgia’

Nesta entrevista, o Padre José Weber fala sobre sua experiência e contribuição para a música sacra e como a Igreja deu passos significativos no campo da música litúrgica

Luciney martins/O SÃO PAULO

Padre José Henrique Weber, 88, da Congregação dos Missionários do Verbo Divino, é formado em Música pelo Pontifício Instituto de Música Sacra em Roma, com ênfase em canto gregoriano e composição, e especialista em Música pelo Institut Catholique de Paris, na França.

Entre 1967 e 1983, foi Assessor de Música Litúrgica da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Como compositor litúrgico, deu vida a canções como “Prova de amor maior não há”, “Eu vim para que todos tenham vida”, “Sim, eu quero”, entre tantas conhecidas nacional e internacionalmente. Também já musicou todo o Novo Testamento, inclusive a literatura epistolar do apóstolo Paulo. Por ocasião da Festa da Conversão de São Paulo e dos 467 anos de fundação da capital paulista, o concerto “Cânticos de Fé das Cartas de São Paulo Apóstolo”, de sua autoria, foi apresentado pela São Paulo Schola Cantorum, no Pateo do Collegio, no sábado, 23.

Nesta entrevista, o Padre fala sobre sua experiência e contribuição para a música sacra e como a Igreja deu passos significativos no campo da música litúrgica, resgatando as fontes e o verdadeiro sentido da música nas celebrações.

O SÃO PAULO – Como surgiu o concerto “Cânticos de Fé”?

Padre José Henrique Weber – As cartas paulinas são de uma profunda riqueza teológica, espiritual e pastoral. Em seus escritos, o apóstolo resgata os primórdios do Cristianismo, a essência do verdadeiro encontro com Cristo, e compartilha a dinâmica da vivência comunitária. Paulo nos convida, por meio de sua literatura, à vivência da fé pautada na verdade e nos valores do Evangelho. O concerto tem por objetivo favorecer os fiéis a uma escuta musical dessa experiência profunda de fé, a exemplo do Apóstolo dos Gentios. Uma coisa é ler os textos sagrados, outra é ouvi-los com a eloquência cantada, no ritmo, nas notas apropriadas. É uma vivência que conduz o cristão a uma escuta orante.

Qual foi o critério de escolha das cartas de Paulo para compor o concerto?

Cantar as cartas paulinas é cantar o sagrado. Primeiro, selecionei alguns trechos fortes que relatam a essência paulina de fé, por exemplo, “Alegrai- -vos no Senhor”(Fl 4,4), “Quem vos chamou é fiel” (1Ts 5,24), “Que a Palavra do Senhor permaneça entre vós” (Cl 3,16), e outros que mostram a profundidade exegética, e os musiquei. Assim, a mensagem de que o povo de Deus, conhecendo as bases da nossa fé cristã, por meio das cartas de São Paulo, cresça na caridade, na fé, na vida cristã. Falo que São Paulo foi o autor da letra e eu, da música, de modo que somos parceiros na evangelização. Desejo que cada cristão possa sentir a música como expressão de fé: ouvir com os ouvidos do coração e acolher a mensagem para além das palavras cantadas.

Como avalia o percurso histórico da música sacra no Brasil?

A música é um tesouro de inestimável valor, que complementa as expressões de fé litúrgicas. Uma canção bem cantada conduz a uma experiência divina que deixa marcas profundas de contemplação e fé. A música religiosa precisa sempre manter os olhos fixos à essência litúrgica e bíblica. Os ministérios de música precisam caminhar seguindo as orientações que a Igreja apresenta em seus documentos. Ao longo dos tempos, teve progressos, e deslizes, precisa de avaliação e aperfeiçoamento. A música sofreu influências, surgiram novos jeitos de cantar, que por vezes fogem da essência da música sacra. Eu insisto que não se pode perder a essência litúrgica. Participar, conscientemente, de todo o rito litúrgico é fundamental para adentrar no mistério celebrado. A música sacra nos remete à vivência orante da presença de Cristo.

O Concílio Vaticano II (1962-1965) resgatou a função ministerial da música na ação litúrgica. O que mudou desde então?

Primeiro, a função ministerial da música indica que ela ajuda o povo a crescer na fé, por meio da Palavra de Deus cantada, em que o canto e a música estão intrinsecamente ligados ao rito litúrgico. Sobre as mudanças, voltemos ao Concílio Vaticano II: a reforma litúrgica foi, certamente, a mais visível e, por essa razão, a de maior impacto no povo de Deus. Antes da reforma conciliar, a assembleia só assistia, de forma passiva, à celebração, que era presidida em latim e com o sacerdote de costas. Outra mudança é a música litúrgica. Na busca de tornar a Liturgia um espaço de celebração da vida em comunidade, a renovação conciliar inspirou uma nova forma musical não só de novos ritmos, mas capaz de expressar uma verdadeira experiência de fé que brota do povo orante. No Brasil, no âmbito do processo da renovação litúrgica, vem-se fazendo grande esforço para criar uma música na linguagem do povo, enraizada tanto na tradição bíblico-litúrgica quanto na experiência eclesial. Preocupase em oferecer cursos formativos para animadores de canto, músicos, regentes, instrumentistas. Assim, a Igreja assume uma nova postura frente ao povo, estabelecendo uma comunicação clara e participativa.

Quais aspectos levam a perceber que nem tudo o que se canta nas celebrações é música sacra?

A música sacra deve estar intimamente ligada à ação litúrgica. Para nós, cristãos, cantar na Liturgia é usar a Palavra de Deus com a música, para que a Palavra seja mais elevada à comunidade cristã. Ressalto a indispensável coparticipação entre o coro musical e a assembleia de fiéis. Creio que é tempo de retomarmos os nossos coros, seguindo, como orientado nos documentos da Igreja: não deve ser nem o coro sozinho, nem o povo sozinho, mas, sim, as duas coisas juntas. É preciso entoar cantos relacionados à liturgia do momento, de maneira a conduzir os fiéis à oração e compreensão do mistério celebrado.

Quais devem ser os critérios para a orientação e escolha dos cantos litúrgicos celebrativos?

A celebração é um momento de silêncio, oração e contemplação. Não deve ser show, nem ocasião para dispersão. É necessário estudar e conhecer as orientações pastorais sobre a música na liturgia. Existem cantos para a missa e cantos para outras ocasiões. Assim, é preciso saber diferenciá-los. Precisa haver adequação dos cantos a cada tempo litúrgico, a cada festa, a cada tipo de celebração e assembleia, escolhendo cantos que favoreçam a experiência de fé da assembleia. Dar o melhor para Deus e para a Liturgia. A música é uma arte construída ao longo dos séculos, não pode ser museu preso ao passado, mas atualizada ao contexto atual sem perder a essência.

Como a música religiosa pode conduzir os fiéis a uma experiência de Deus?

A música compõe o cotidiano: ouve-se música no rádio, no celular, no trânsito. Na Igreja, o canto tem a função de promover a comunhão, a alegria, a esperança. É uma via do encontro de Deus conosco e do encontro pessoal com Cristo. O canto litúrgico expressa de modo eminente a natureza da própria ação sacramental. Outro modo de entrar em estado meditativo e orante são os concertos, o canto gregoriano.

Mesmo em tempos de pandemia, o senhor tem feito projetos musicais. Pode nos falar sobre alguns deles?

A COVID-19 nos privou de muitas coisas: limitou a participação nas celebrações, fechou eventos religiosos. Apesar de ser um ano fatídico, 2020 foi um ano produtivo. Com o maestro Delphim Rezende Porto, musicamos as antífonas do Ano Litúrgico, de todos os dias, dos anos A, B e C. Outro projeto que me alegra são as missas na Catedral da Sé com as antífonas e orações próprias cantadas, um trabalho bonito de evangelização e aproximação do povo ao mistério orante da Palavra cantada, entre outros projetos que estão em andamento.

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Maribel dos Santos Canova
Maribel dos Santos Canova
3 anos atrás

Parabéns pela ótima entrevista. O padre Weber referencia o canto litúrgico e nos inspira a estudar e viver a liturgia de maneira a nos aproximarmos de Deus a da sua Palavra através do canto e da música. A sua contribuição a nossa igreja através da música litúrgica é inestimável. Longa vida lhe desejo.

Terezinha Wendt
Terezinha Wendt
3 anos atrás

Grande músico e compositor! Temos uma riqueza enorme na Igreja e Liturgia através das suas composições. Deus o ilumine sempre!