Católicos reforçam compromisso com a defesa da vida de nascituros e gestantes

Dom Carlos Lema, Padre Anderson Marçal e participantes do evento, realizado na Paróquia Santa Cândida, no dia 3, sobre o tema do aborto
Mariana Lima

Especialistas das áreas da Saúde e do Direito, bem como integrantes da Pastoral Familiar e de grupos pró-vida refletiram no sábado, 3, na Paróquia Santa Cândida, na Região Ipiranga, sobre os riscos do avanço da pauta do aborto no Brasil e a urgência de que os cristãos se unam para salvar as duas vidas: a do nascituro e a da gestante.

‘QUANDO COMEÇA A VIDA?’

Esta pergunta, que motivou as reflexões iniciais do evento, nem sempre encontra uma resposta consensual, mas entre os participantes não havia dúvida: “A vida começa na fecundação, quando o espermatozoide e o óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto genético único”, enfatizou a médica Carla Dorgam Aguilera, graduada em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. “É verdadeiramente o milagre da vida. E, certamente, é uma ignorância chamar isso de ‘amontoado de células’”, afirmou.

O advogado Rafael Cannizza, presidente da União dos Juristas Católicos na Diocese de São José dos Campos (SP), enfatizou que embora o nascituro não tenha personalidade jurídica até o momento em que nasce, “sua natureza humana é reconhecida, o que justifica a proteção jurídica conferida pelo Código Civil ao bebê em fase intrauterina”.

Dom Carlos Lema Garcia, Bispo Auxiliar de São Paulo e Referencial da Comissão Arquidiocesana de Defesa da Vida, lembrou que a Igreja fundamenta sua visão sobre o início da vida nas indicações da própria ciência. Ele ressaltou que já no ato da fecundação, cada ser humano é criado por Deus.

“A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida”, consta no parágrafo 2270 do Catecismo da Igreja Católica (CIC), lido pelo Bispo na ocasião.

O DIÁLOGO DOS ‘NÃO NASCIDOS’

Dom Carlos Lema apontou ainda que as Sagradas Escrituras indicam que os “não nascidos” são uma vida valiosa para Deus e já possuem uma missão. “Quando Maria, que tinha acabado de ficar grávida, visita sua prima Isabel, já no sexto mês gestacional, esta relata a agitação do bebê em seu ventre ao perceber a chegada de Maria. Já no ventre, Jesus tem sua missão de santificação estabelecida e realizada. Naquele momento, Ele santifica João, que também reage cumprindo sua própria missão: indicar que Jesus é o Salvador (cf. Lc 1,39-56). Nesse diálogo entre os dois não nascidos, vemos a prova da vida dentro do ventre”, comentou.

O Bispo fez também referência ao versículo 5 do capítulo primeiro do livro de Jeremias. “Aqui se afirma que ‘antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações’. Portanto, cada ser humano tem uma missão única e irrepetível, dada a nós antes do nascimento”, concluiu.

PL 1904/24 E A GUERRA DE NARRATIVAS

Um dos pontos centrais do evento foi sobre o projeto de lei (PL) 1904/24, que prevê uma alteração no Código Penal brasileiro para equipar a pena do aborto após as 22 semanas de gestação à de um homicídio, considerando que com esta idade gestacional o bebê já tem condições de vida fora do útero.

Membro da Comissão Arquidiocesana de Defesa da Vida e mediadora do encontro, Camila Oliveira disse que tem ocorrido uma “guerra das narrativas” acerca do projeto de lei, com a propagação de conteúdos inverídicos de que o PL 1904 é um ataque aos direitos da mulher. “Nessa guerra de narrativas, muitos católicos acabam sendo enganados, e é para impedir isso que estamos aqui”, comentou.

Elaine Cristina Teixeira Cancian, coordenadora da Marcha Pela Vida Brasil – SP e membro da Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lamentou as manipulações que têm ocorrido sobre o tema: “Um dia desses, vi nas redes sociais a seguinte frase: ‘Pena para mulher que abortar após estupro: 20 anos; Pena para estuprador: 10 anos’. Essa informação é totalmente manipulada e fora de contexto. É assim que os pró-aborto agem”.

Dom Carlos Lema Garcia relembrou a manifestação da CNBB a respeito do tema, a qual considera o PL 1904/24 um instrumento importante para a defesa das vidas da mãe e do bebê. “A idade gestacional proposta no projeto possibilita que seja realizado o parto, dando grandes chances de sobrevivência ao bebê. Então, por que matá-lo? Se é possível evitar o trauma do aborto e, de acordo com o desejo da mãe, prover um lar para ele, por que não apoiar que ambos, mãe e bebê, sigam suas vidas?”.

DESINFORMAÇÃO E TRAUMA PÓS-ABORTO

As consequências do aborto para a saúde física e mental da mulher também foram mencionadas durante o evento.

“Está cada vez mais comum na Medicina o termo ‘trauma pós-aborto’, que descreve uma série de sintomas físicos e psicológicos que a mulher desenvolve após realizar o procedimento, como insônia, medos, pesadelos e depressão”, disse a médica Carla.

Essa foi a realidade vivida por F., hoje com 34 anos, que prefere não se identificar. Ela fez um aborto aos 19 anos, após engravidar em uma relação sexual durante uma festa na faculdade.

“Eu já estava na 20ª semana de gestação quando fiz o aborto. Depois, tive uma inflamação pélvica que me fez voltar ao hospital e admitir para minha família o que tinha feito semanas antes. O pior, porém, foram os sonhos que eu tinha. Eu ouvia choro de bebê todas as noites. Achei que Deus estava me castigando, mas descobri que eu é que não me perdoava pelo que fiz. Hoje estou casada, tenho um filho, mas tive muita dificuldade para engravidar quando desejei. Acho que se tivesse buscado ajuda, entendido mais sobre o que estava fazendo, poderia ter tomado outra decisão”, relatou à reportagem.

Roseli Ferreira, coordenadora da Pastoral Familiar da Paróquia Santa Cândida, destacou que “muitas pessoas caem nas falácias do aborto por falta de conhecimento. Trazer esse debate é uma forma de conscientizá-las para que tomem decisões mais assertivas”.

Elaine enfatizou que a Igreja tem um amplo trabalho em defesa das duas vidas e citou como exemplo o Amparo Maternal, instituição católica surgida há 85 anos em São Paulo.

“O Amparo Maternal nasceu exatamente para dar apoio a mulheres com gravidez indesejada. Hoje, infelizmente, muitas optam pelo aborto, sem saber nada sobre isso, por causa da falta de estrutura financeira e afetiva. Nossa missão é mostrar para a mulher que ela não está sozinha e que vamos ajudá-la sem julgamentos. Vocês ficariam surpresos em saber quantas vidas essa acolhida salva”, comentou Elaine, que também é embaixadora da Associação Amparo Maternal.

Dom Carlos Lema Garcia comentou que a Igreja tem buscado formar pessoas para que acolham mulheres em gestações difíceis e indiquem soluções que defendam “este dom precioso que Deus nos dá, que é a vida, tanto da mãe quanto do bebê e de toda a família”.

Ao término do encontro, o semblante dos participantes era de contentamento em saber que não são vozes isoladas na sociedade. Também o Padre Anderson Marçal, Pároco, se mostrou feliz pela realização do evento. “Santa Cândida é a padroeira das famílias e inspira esses momentos para que saibamos defender algo tão atacado em nossos tempos: a família”, concluiu.

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