Dom Odilo: prefeito e vereadores devem dar atenção às realidades mais esquecidas da cidade

O Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, participou na noite desta quinta-feira, 5, do evento Diálogos com a Cidade, que teve como tema as eleições municipais.  

No evento transmitido pelas plataformas digitais, Dom Odilo respondeu a perguntas de convidados e diferentes âmbitos de atuação da Igreja e interagiu com internautas a respeito das realidades da cidade que merecem destaque para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito e vereadores da maior cidade do País.

A iniciativa promovida pelo jornal O SÃO PAULO e pela rádio 9 de Julho, somou-se à cobertura jornalística das eleições deste ano, feita pelos meios de comunicação da Arquidiocese.

No início de sua participação, Dom Odilo enfatizou que a cidade de São Paulo é enorme, complexa e, por isso, os administradores tanto do executivo quanto do legislativo que serão escolhidos no próximo dia 15 por quase 9 milhões de eleitores devem estar atentos ao conjunto da metrópole e olharem, sobretudo, para aquelas realidades que necessitam de maior atenção. “Na gestão pública da cidade de São Paulo é importante prover o bem comum, sem deixar ninguém para trás”.

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Leia, a seguir, os temas abordados e os destaques das respostas de Dom Odilo:

Católicos na política

Algumas perguntas dirigidas ao Cardeal foram relacionadas à participação dos católicos, clérigos e leigos, na vida pública e na política. O primeiro convidado foi o jornalista Márcio Campos, do Grupo Bandeirantes de Comunicação, que perguntou a Dom Odilo se sacerdotes podem exercer cargos políticos.

O Cardeal explicou que a norma da Igreja a esse respeito é muito clara, ao afirmar que os clérigos devem se abster da participação em cargos públicos, assim como da política partidária, o que deve ser um campo específico da atuação dos cristãos leigos.

“O clérigo deve trabalhar pela união de todos. Quando ele entra em um partido ou disputa um cargo político, cria imediatamente divisão dentro da sua comunidade e, muitas vezes, animosidades insuperáveis, que duram muito tempo”, destacou o Arcebispo, sublinhando, ainda, que o Código de Direito Canônico veta aos clérigos que se filiem a partidos ou, por exemplo, assumam a frente de sindicatos.

Dom Odilo enfatizou que os católicos leigos são livres para se filiarem a partidos, desde que esses não sejam contrários à fé e à moral, lembrando que a Igreja entende que a realidade social e política não se enquadra totalmente dentro de um partido:

O partido interpreta e representa uma parte, uma corrente, um aspecto, um modo de se ver as coisas.

Contudo, o Cardeal salientou que, atualmente são raros os casos de padres que disputam cargos políticos e, na Arquidiocese de São Paulo, essa realidade não existe. Ele acrescentou que existe uma abertura canônica desde que o Bispo autorize em situações que sejam justificáveis. “Quando não há essa autorização, normalmente, o Bispo toma a providência de suspender os padres do exercício público do ministério sacerdotal até que a situação se defina ou que a campanha eleitoral tenha passado e, se for eleito, até que termine o exercício do mandato”, explicou.

O Arcebispo afirmou, no entanto, que essas normas não fazem do clérigo um ser apolítico:  

O padre deve ajudar todos os paroquianos no devido discernimento sobre as escolhas que devem fazer e, além disso, ajudar formar leigos que possam se lançar nas instâncias políticas, na participação dos conselhos paritários, nas organizações locais, onde os católicos devem desenvolver a sua liderança e dar a sua contribuição a serviço do bem comum.

Doutrina Social da Igreja

José Mário Brasiliense, fundador da Oficina Municipal, Escola de Cidadania e Gestão Pública, indagou o Cardeal a respeito da relação entre a Doutrina Social da Igreja e as políticas públicas.

Na resposta, Dom Odilo recordou as palavras do Papa Francisco aos bispos latino-americanos após uma reunião da Pontifícia Comissão para a América Latina, quando lamentou a pouca presença de católicos nas lideranças da vida pública.

Um dos fatores indicados pelo Cardeal é a ideia mal compreendida da separação entre Igreja e Estado ou a afirmação equivocada da laicidade do Estado, entendida como “a exclusão da participação dos cidadãos que têm alguma crença ou fé e que, para participar da vida pública, seria necessário se despir das suas convicções religiosas”.

O cidadão católico não pode ser considerado de segunda categoria na vida pública e a sua contribuição para o bem comum não pode ser desqualificada pelo fato de ele professar uma fé… E ainda que as suas contribuições brotem se suas convicções religiosas e morais, nem por isso, a sua contribuição em uma sociedade aberta, que respeita a liberdade de opinião, de pensamento e de religião, não podem ser desqualificadas.

Sobre esse aspecto, o Arcebispo acrescentou que a correta compreensão de laicidade é quando o Estado não impõe uma religião para a população e, de igual modo, não a proíbe de crer. “O Estado respeita a escolha religiosa ou não-religiosa de cada cidadão e, ainda, assegura sua a liberdade”, afirmou, reforçando que tal discriminação não é permitida pela Constituição Federal.

Dom Odilo observou que a Doutrina Social da Igreja ainda é pouco conhecida entre os fiéis. Nossos agentes públicos católicos poderiam conhecer mais profundamente a Doutrina Social da Igreja, pois teriam um embasamento formidável para a sua presença e atuação no mundo”, disse.

Formar lideranças sociais

A coordenadora arquidiocesana da Pastoral do Menor, Sueli Camargo, perguntou como os agentes de pastorais sociais da Igreja podem auxiliar na valorização da política entre os católicos. O Cardeal novamente insistiu que todos batizados devem se inserir nas realidades do mundo dando seu testemunho cristão, sem criar realidades paralelas que distingam mundos religioso e civil.    

Os leigos católicos devem ter a coragem de se lançarem na política e darem a sua contribuição enquanto cidadãos… Existe o mundo de todos, dos que creem, dos que não creem, dos que têm uma religião ou não. Esse é o mundo plural em que nós estamos e a cada um é facultado o direito de se manifestar segundo suas convicções.

Dom Odilo enfatizou que as pastorais sociais têm diferentes percepções das realidades da cidade a partir dos seus âmbitos de atuação e, por isso, deve levar suas preocupações próprias ao debate público. “Seria muito fácil se apenas discutíssemos essas questões apenas dentro da Igreja. A Igreja é fermento na massa e, como o Papa diz, é em saída, para estar no meio do mundo, como um hospital de campanha que está onde a batalha acontece… Deve ser força viva de transformação para a sociedade”, sublinhou. 

Por fim, o Arcebispo afirmou que a pastorais sociais devem ser “escolas de formação de lideranças sociais”, de pessoas públicas que lutem na sociedade pelos muitos grupos sociais que merecem atenção e cuidado para os âmbitos de discussão onde seus problemas podem ser resolvidos, tendo como base os ensinamentos sociais cristãos.

Eu não entendo pastoral social que não estuda a Doutrina Social da Igreja. Porque esse é o nosso instrumental enquanto parte das nossas convicções de fé e que age para dentro da sociedade.

Dar voz aos mais vulneráveis

Respondendo à pergunta de um internauta sobre a atenção dos governantes aos mais vulneráveis da sociedade, Dom Odilo ressaltou que a sociedade deve reivindicar em nome daqueles aqueles que não têm forças para pedirem por si, como os pobres, idosos, doentes, crianças, pessoas com deficiência e todas aquelas que, de alguma forma, são excluídas do bem comum. “Alguém precisará gritar por elas e representá-las nas instâncias decisórias”.

Nesse sentido, o Cardeal Scherer afirmou que aqueles que se propõem a cargos públicos devem estar atentos à voz do povo, conheçam e vão ao encontro das realidades da cidade e, ao mesmo tempo, que as organizações da sociedade que representam esses grupos façam com que suas vozes sejam ouvidas. “É importante que a sociedade civil se politize e se organize para melhor ser ouvida em suas reivindicações” completou.

Conhecer os candidatos

A presidente da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa de São Paulo, (ADCE-SP), Maria Virginia Cavalieri Costa Gonçalves, perguntou ao Cardeal como superar a insegurança e a corrupção tão presente na vida pública.

O Arcebispo recomendou que os eleitores devem procurar conhecer melhor os candidatos, verificar se suas fichas são limpas, se têm um passado livre de corrupção, inclusive na vida privada, pois isso também interessa para a vida pública.

Dom Odilo definiu os candidatos desonestos e corruptos como o “grupo de risco” para a política, os quais, ao contrário das pessoas do grupo de risco para doenças como a COVID-19, cuja prevenção é possível seguindo as recomendações sanitárias, aqueles propensos à “enfermidade” da corrupção só podem ser prevenidos por meio do voto consciente.

Que escolham pessoas capazes, honestas, interessadas e sensíveis às questões da vida do povo e pessoas de caráter, que tenham palavra, capacidade de escolha com firmeza, que não se deixem seduzir pela corrupção, que não estejam apenas atrás de vantagens pessoais e ganho político à custa do sacrifício e da honestidade e da dignidade.

Família

Maria Leonor Gattolini, fundadora da Comunidade Famílias Novas do Imaculado Coração de Maria, dirigiu uma pergunta ao Arcebispo sobre como os prefeitos e vereadores podem atuar para garantir o bem-estar das famílias na cidade.

 “Quando o Estado e a sociedade negligenciam a família, colhem muitos problemas no futuro. Quando a sociedade e o Estado amparam a família e lhe dão condições de exercer aquilo que lhe é próprio, muitos problemas são evitados”, respondeu Dom Odilo, enfatizando que o Estado não substitui a família de forma nenhuma. “Por muitos defeitos, carências e problemas que possa haver nas famílias, a instituição familiar é de suma importância para o cidadão, para a sociedade. É inútil negar isso”, complementou. 

Dom Odilo ressaltou, ainda, que proteção das famílias deve se dar, em primeiro lugar, por meio de leis que garantam a segurança e estimulem a existência de famílias, das condições para que as famílias exerçam seu papel na sociedade, como o acesso à moradia, à educação, à saúde. “O Estado deveria olhar a família como parceira e não como algo que atrapalha”, completou.

Nesse sentido, o Cardeal salientou que os regimes totalitários tendem a absorver o papel da família, reduzindo a sociedade a um conjunto de cidadãos anônimos e isolados, que são mais frágeis e mais facilmente manipuláveis.

O Arcebispo indicou a necessidade de as famílias se organizarem em associações para reivindicar e defender por suas necessidades, assim como os comerciantes, operários e outros atores da sociedade, tendo uma representação pública reconhecida, por meio da qual se fazem ouvir:  

A família é um sujeito político que tem que fazer ouvir a sua voz e manifestar a sua participação na vida pública da sociedade.

Comunicação

A jovem Bianca Rabelo de Araújo membro da Pastoral da Comunicação, perguntou ao o Cardeal como as estruturas de comunicação católicas podem ajudar os fiéis a se interessarem pela política e a combater o radicalismo nos movimentos políticos.

O Arcebispo reconheceu o papel importante da comunicação e o quanto a Igreja ainda tem muito a aprender para lidar devidamente com essa realidade, tanto para o exercício da própria missão quanto para a atuação na sociedade.

Nesse sentido, Dom Odilo afirmou que os comunicadores católicos deveriam contribuir nesse âmbito por meio de uma comunicação sempre compromissada com a verdade e não comprometida com grupos cujos interesses a manipulam. “A nossa comunicação deve levar as pessoas a refletir, a fazer um discernimento sobre a própria comunicação”, destacou.

Outro conselho dado pelo Arcebispo é que os grupos da Igreja se interessem pelo bom uso da comunicação, dando, sobretudo, voz àqueles que não são ouvidos na sociedade e deem visibilidade às questões que, muitas vezes, são esquecidas.

Para concluir a resposta o Cardeal reforçou a necessidade de os agentes da Igreja aprenderem a usar os meios e processos comunicativos, recordando que, este tempo de pandemia lançou todos no “mar revolto da comunicação”.  “Quem tem capacidade, procure ajudar nas comunidades, colocando o que aprenderam a serviço da Igreja”, recomendou.

Urgências e prioridades

O último convidado da live foi o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ele pediu que Dom Odilo indicasse quais os pontos que ele considera prioritários da cidade nessas eleições municipais.

O Cardeal afirmou que, em suas visitas às paróquias, comunidades e organizações eclesiais, teve a oportunidade de ver e conhecer as inúmeras realidades que fazem parte da metrópole. A partir dessas percepções, ele elencou algumas realidades que merecem maior atenção dos gestores públicos.

A primeira urgência indicada é a da população em situação de rua:   

Não é possível que São Paulo, uma cidade tão grande, tão rica, com tanto potencial, com tantos imóveis vazios, não consiga resolver o problema da população de rua. É uma questão de decisão política. A cidade, por meio de seus representantes, deveria encarar isso com coragem, com uma espécie de pacto social para resolver essa situação deprimente em que vivem mais ou menos 30 mil pessoas 

Dom Odilo também chamou a atenção para a degradação da região central da cidade, causando a desvalorização de imóveis. “Por que não revalorizar o Centro Velho e investir na recuperação dos imóveis para que haja moradias, ao invés de ampliar e investir em novas áreas habitacionais onde é preciso criar toda uma infraestrutura, novos investimentos, quando nessas áreas centrais já existe tudo isso?”, questionou.

Quanto às periferias, o Arcebispo afirmou serem muitas as questões que merecem atenção. “Para começar, vamos melhorar as ruas de nossa periferia?”, indagou, destacando que há bairros que não recebem melhorias há décadas ou sofreram melhorias aparentes e precárias.  

Outro aspecto apontado pelo Cardeal é a necessidade de descentralização dos centros de interesse para investimentos na cidade, possibilitando que as áreas periféricas sejam desenvolvidas. O Arcebispo acrescentou que o poder público deve se fazer presente nessas regiões para que a cidade não caia nas mãos de poderes paralelos.

Por que não descentralizar os investimentos para melhorar a vida da população que vive nas grandes periferias? Essas poderiam ser algumas iniciativas para melhorar muito a vida da cidade de São Paulo que nós amamos muito.

Liberdade e responsabilidade

Ao concluir a live, Dom Odilo recordou que faltam menos de dez dias para as eleições e recomendou às pessoas para que façam um sério discernimento sobre as suas escolhas:

A escolha de cada um é importante para a cidade. Não escolher, simplesmente, por simpatia, mas ver realmente quem é essa pessoa em quem gostaria de votar. Será que merece minha confiança? Será que realmente vai levar avante aquilo que promete? Portanto, é preciso olhar com objetividade, escolher com liberdade, não se sentir constrangido ou obrigado por favores… Votar por convicção em pessoas idôneas, honestas, dignas, que tenham caráter e que realizem aquilo que se espera.

Assista à íntegra do Diálogos com a Cidade:
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