Para especialistas, participação da família é essencial no processo educativo

Dom Carlos Lema, Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade, com participantes do Seminário de Estudos sobre a CF 2022 (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

O primeiro painel do Seminário de Estudos sobre a Campanha da Fraternidade 2022, realizado no dia 27 de outubro pelo Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade da Arquidiocese de São Paulo, refletiu sobre os entraves para o desenvolvimento da educação brasileira, o ritmo da alfabetização e o nível de aprendizagem, experiências nacionais e internacionais de métodos pedagógicos com resultados expressivos e a formação continuada dos professores.

Esses temas foram debatidos por Ilona Becskeházy, doutora em Educação pela USP, que atua na implementação de políticas educacionais comparadas; Pedro Caldeira, doutor em Gestão da Informação, atualmente professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro; e Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo, pesquisador e coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Gestão de recursos escassos

Francisco Borba destacou que, nos últimos 50 anos, a educação no Brasil enfrentou desafios para a universalização do acesso à escola, seguido dos esforços para que os estudantes concluam os estudos, levando em conta que a evasão escolar ainda é um problema grave no País. Considerando que educação implica o investimento de recursos, o aumento de alunos nas instituições levou à busca de soluções inadequadas que resultaram em uma má qualidade do ensino, que acabou se tornando o padrão educacional brasileiro. “Portanto, não é apenas um problema financeiro, mas de má gestão de recursos escassos”, afirmou.

O sociólogo reconheceu que existem muitas experiências bem-sucedidas na educação brasileira que, contudo, raramente se tornam políticas públicas de Estado. Borba acrescentou que, quando tais experiências são analisadas, é identificada a atuação fundamental de um sujeito educador que faz a diferença na escola.

“Pode ser um gestor, um grupo de professores, uma organização não governamental que começou a apoiar a escola, uma associação de pais e mestres. Sempre existe, porém, um sujeito que nada contra a corrente e faz com que aquela escola seja diferente”, afirmou o sociólogo, acrescentando que, em geral, são identificados passos importantes para o sucesso das iniciativas: um diagnóstico adequado da realidade, em influências ideológicas; a formação de uma comunidade de aprendizado, que se organize em torno de um ideal, tendo respostas criativas para os desafios.

Caso de Sobral

Um desses exemplos bem-sucedidos é o do município de Sobral (CE), que apresenta os melhores indicadores educacionais do Brasil. Esse foi o objeto de pesquisa do doutorado da professora Ilona, que, posteriormente, coordenou a versão final do currículo de Matemática e Língua Portuguesa desse município, no qual, desde o ano 2000, todas as crianças são alfabetizadas.

A professora ressaltou que o primeiro fator para o sucesso da iniciativa naquela cidade foi uma decisão política da autoridade municipal que, após a avaliação de desempenho de seus estudantes, causou uma indignação moral que motivou uma ação concreta para a mudança. Depois, foi chamado um professor para implantar um programa de formação de docentes para a alfabetização baseada nas ciências cognitivas.

Metodologias

Ao refletir sobre os motivos de as crianças não aprenderem, mesmo frequentando as escolas, o professor luso-brasileiro Pedro Caldeira afirmou que é fundamental fazer uma distinção clara entre o conhecimento biologicamente primário e o conhecimento biologicamente secundário. Ele deu como exemplo o fato de que para aprender a andar, falar ou comer, uma criança não precisa de uma metodologia de ensino. Porém, para aprender a ler e escrever, sim, por meio das ciências pedagógicas com suas metodologias próprias.

“A aprendizagem da leitura precisa de ensino direto e explícito. A da escrita também precisa ser sistematizada em metodologias de ensino na sala de aula”, destacou o educador, acrescentando que não conhecer bem a própria língua é “uma forma de impedir que o sujeito consiga desenvolver melhores raciocínios e pensar melhor a realidade com a qual se depara”.

Papel da família

O segundo painel tratou do papel da família e a participação da comunidade no processo educacional. Esse tema foi abordado pelos professores Edivan Mota, pedagogo e filósofo especialista em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela USP; Cecília Canalle, doutora em Metodologia e Linguagem pela USP; e Simone Fuzaro, fonoaudióloga, mestre em Educação pela PUC-SP e orientadora familiar.

Criador e gestor do Programa de Educação da Família, implantado na escola pública em que dirige em Diadema (SP), Edivan reforçou que a crise da educação no Brasil é conceitual e estrutural. No entan- to, “se não houver a participação da família no processo educativo, não haverá aprendizagem que, na verdade, é o fim último da escola”.

“E exigência intelectual deve andar com a exigência moral. Os pais e a escola devem ter clareza da importância dessa parceria”, disse o professor.

“Para que uma criança chegue à escola apta para a aprendizagem, ela precisa ser estimulada nas suas principais potências: na afetividade, na vontade e na inteligência. Isso é função da família”, completou Simone, acrescentando o quanto o trabalho na formação das virtudes impacta a aprendizagem de uma criança, comparando-a à “preparação de um terreno para que dê bons frutos”.

Amor pela educação

A professora Cecília partiu de sua experiência de mais de 40 anos de docência para falar que o ato de educar deve ser movido por uma “paixão”, isto é, um sentido profundo e amor pela vocação de ensinar. Destacando o âmbito da educação cristã, a educadora frisou que essa não é possível se não for fruto de uma experiência autêntica e profunda com Jesus. Para isso, é fundamental a comunidade que ajuda a identificar os sinais palpáveis de Cristo nas coisas mais corriqueiras da vida, inclusive no processo de ajudar as crianças e adolescentes a aprender.

Sobre esse aspecto, Dom Carlos Lema reforçou que seja transmitida aos professores a necessidade de tomarem consciência do seu trabalho como uma verdadeira vocação. “Na educação, trabalhamos com o material mais valioso que existe, as pessoas. É ajudar a construir sua personalidade e conduzi-las no caminho da vida”, concluiu.

O presidente da Associação Nacional de Educação Católica (Anec), Padre João Batista Gomes de Lima, elogiou a iniciativa pela profundidade das reflexões que ajudam a introduzir os vários aspectos propostos pela CF 2022 com objetividade. “Nós vivemos um momento especial na busca por melhorar a qualidade do ensino em nossas escolas, atentos a uma formação voltada para a autonomia e baseada nos valores fundamentais. Essa é a missão e o compromisso das escolas católicas”, afirmou.

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