Paróquia Nossa Senhora do Ó: 225 anos de testemunho cristão e de devoção mariana

Uma das igrejas mais tradicionais da cidade já foi destruída por um incêndio e adaptou ações pastorais ao longo das décadas

Foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Pontualmente às 19h30, ouve-se no interior do templo e pelas ruas próximas o repicar do sino do alto da torre. Aos que estão na igreja, este é o sinal de que devem ficar em pé para rezar a Ave-Maria e acompanhar o comentário inicial de mais uma das missas da matriz da Paróquia Nossa Senhora da Expectação, no bairro da Freguesia do Ó.

Na assembleia de fiéis, é possível ver famílias inteiras, filhos na companhia de pais idosos e alguns jovens. No altar-mor, a imagem de Nossa Senhora do Ó está entre as de Sant’Ana e São Joaquim, e à frente do presbitério está a de Nossa Senhora das Dores, celebrada por toda a Igreja naquele 15 de setembro. Para os paroquianos, há mais uma razão para render graças a Deus: os 225 anos de criação da Paróquia.

“Louvemos e bendigamos a Deus, porque Ele fez morada aqui na Freguesia do Ó”, afirmou no começo da missa o Padre Carlos Alves Ribeiro, Pároco. “Nós herdamos esta fé e somos gratos a todos os que por aqui passaram”, disse na homilia. “A Freguesia não pode se esquecer de que nasceu da devoção mariana”, enfatizou.

Uma das mais antigas da cidade

A Paróquia Nossa Senhora da Expectação foi erigida em 15 de setembro de 1796, quando a então Rainha de Portugal, Maria I, decretou a tripartição da Freguesia da Sé, única circunscrição da Diocese de São Paulo até então, criando as Freguesias de Nossa Senhora da Penha de França e de Nossa Senhora do Ó. Naquele período, estava em vigor o regime do padroado e o império tinha poder sobre a organização eclesiástica em Portugal e em territórios sob seus domínios, como era o Brasil.

Em um artigo produzido por ocasião dos 225 anos da Paróquia, o Diácono Permanente Benedito Camargo, que atua nesta comunidade paroquial, explica que a nomenclatura freguesia “é proveniente de uma deformação ou da má compreensão do termo Filii Ecclesiae, aportuguesado; “Freguesia”, que é uma porção do povo de Deus – ‘Filhos da Igreja’ –, essa é uma forma de pertença, hoje denominada de ‘Paróquia’”.

Bem antes da oficialização da Paróquia, o catolicismo já era intenso naquelas terras. No começo dos anos 1610, o bandeirante português Manuel Preto e a esposa, Águeda Rodrigues, que ali chegaram em 1580, construíram uma capela dedicada a Nossa Senhora da Esperança (Expectação). Não demorou muito para que a capela se tornasse “lugar de encontro e de oração nas práticas devocionais dos seus habitantes. Ter um lugar para a oração possibilitou o aumento da fé e da esperança do povo. A caridade espalha-se, tornando aquele lu- gar o centro de partilha e solidariedade”, escreve o Diácono Benedito Camargo no já referido artigo.

Em razão das antífonas do breviário romano que eram recitadas na novena de Nossa Senhora da Esperança, iniciadas com o vocativo “Ó”, a capela em poucos anos se tornou conhecida como a Capela de Nossa Senhora do Ó.

Incêndio e reconstrução

Construída próxima às margens do rio Tietê, a capela passou a apresentar sinais de deterioração na década de 1780, em razão da umidade. Assim, decidiu-se pela construção de outro templo, em uma colina daquelas terras, o qual se tornou, em 1796, a matriz da Paróquia recém-criada, tendo como primeiro pá- roco o Padre João Franco da Rocha.

Dias após a comemoração do centenário, um incêndio destruiu completamente a capela, em 22 de setembro de 1896. “Relatos de época dão como causa do incêndio a zelosa atitude do sacristão que, no intuito de queimar uma colmeia de abelhas que se instalara na porta do templo, acabou por provocar a tragédia”, lê-se em um dos trechos do livro “200 anos de Paróquia Nossa Senhora do Ó: 1796-1996”, produzido pela comunidade paroquial na comemoração do bicente- nário de fundação.

Já no ano seguinte, uma comissão de moradores se mobilizou para viabilizar a construção de uma nova igreja, cuja pedra fundamental foi lançada em 9 de janeiro de 1898. A inauguração do atual templo ocorreu em 27 de janeiro de 1901, há 120 anos.

“Graças ao trabalho dos habitantes do lugar, a construção foi erguida em três anos, tempo recorde para a época. Destaque nessa tarefa foi o trabalho dos animais utilizados na busca da água, trazida do rio Tietê, que possibilitou a construção do novo prédio. Mulas foram utilizadas. Como é sabido, esses muares, orientados em processo repetitivo, passam a executar as tarefas, sozinhos, e assim, iam ao rio e retornavam dele sem condutores, bastando ter alguém que colocasse a carga ao lombo e quem descarregasse”, escreve o Diácono Benedito Camargo.

Para a construção da nova igreja, famílias colaboraram financeiramente e terrenos que eram de propriedade da Paróquia foram vendidos para angariar verbas. “Não obstante a falta de recursos do povo, que é sumamente religioso, presta ele seus serviços pessoais e, em grande número, tem concorrido com certos materiais, empenhando-se pela breve conclusão da nova igreja”, lê-se em uma carta de 24 de julho de 1898, enviada ao Núncio Apostólico do Brasil pelo Padre João de Freitas Monteiro e Vasconcellos, então Pároco.

Oração e evangelização

Acervo paroquial

Em 1904, surgiu na comunidade o Apostolado da Oração, um dos primeiros grupos a atuar na nova matriz. Documentos de 1927 indicam a presença tanbém da Irmandade Santíssimo Sacramento, Pia União das Filhas de Maria, União Católica de Moços São Luiz Gonzaga, Associação dos Escoteiros Católicos e Grupo de Bandeirantes Católicas.

Entre as décadas de 1930 e 1950, foram intensificados os grupos de Catequese e os momentos orantes no templo e nas casas. Em 1961, com a entronização da imagem do Beato Santo Antônio de Categeró, a igreja passa a receber mais fiéis regularmente, em especial no dia 18 de cada mês, para as missas devocionais ao Bem-Aventurado, as quais ocorrem ainda hoje.

Festa do Divino Espírito Santo

Uma das tradições na Paróquia Nossa Senhora do Ó é a Festa do Divino Espírito, que acontece na Solenidade de Pentecostes e que em 2021 comple- tou 200 anos.

“A responsável por levar a festa a Portugal foi a Rainha Isabel, esposa de Dom Diniz, que entregou seu cetro e sua coroa ao Divino Espírito Santo, pedindo a paz para seu país, que estava em guerra. Vem daí a tradição de a família imperial se despojar de suas prerrogativas, destinando-as a um local sempre ricamente ornamentado, onde ficam a imagem do Divino Espírito Santo, o cetro e a coroa, simbolizando que é Dele, do Espírito Santo, o reinado durante a festa”, conta Maria Lúcia Miserochi de Oliveira Lins, uma das organizadoras da Festa do Divino na Paróquia.

Anualmente é escolhido, por sorteio, o cortejo imperial: alferes (porta-bandeira), capitão-do-mastro e imperador. Há, ainda, os guardiões da bandeira, famílias que, ao longo do ano, realizam momentos de evangelização pelo bairro, incluindo visitas às casas e hospitais.

Acervo paroquial

Incidência no bairro

Com a chegada do Cônego Noé Rodrigues, em 1966, os fiéis da Paróquia Nossa Senhora do Ó intensificaram a realização de gestos concretos de misericórdia.

A Obra Assistencial Nossa Senhora do Ó e a Fundação Nossa Senhora do Ó, atualmente geridas pelos padres camilianos, surgiram na Paróquia e viabilizaram a construção do Hospital Nossa Senhora do Ó, que por décadas foi o único da região, bem como a manutenção de creches em comunidades carentes. Iniciativas como a Feira das Nações, criada na época do Cônego Noé, permitiam angariar recursos financeiros para a manutenção dessas atividades.

Romano Iughetti, paroquiano desde 1972, e um dos autores do livro do bicentenário da Paróquia, recorda que o Cônego sempre desejou que a comunidade não reduzisse suas ações à manutenção do templo. “A construção das creches, por exemplo, foi uma ideia do Cônego Noé ao perceber que havia muitos casais com filhos pequenos que precisavam trabalhar e não tinham com quem deixar as crianças”, afirmou Iughetti.

O paroquiano, assim como Carlos Mikola, da equipe do conselho administrativo, e o Padre Carlos recordaram que foi o Cônego Noé, junto com o Diácono Benedito Camargo e o senhor João Mota, que por primeiro se mobilizaram para que um dia o metrô pudesse chegar à Freguesia do Ó, algo que deve estar concretizado até 2025, com a inauguração da Linha 6 – Laranja. O Cônego foi pároco até abril de 1998 e morreu em 2012, aos 95 anos de idade.

Rumo à santidade

Ao completar 225 anos, a Paróquia Nossa Senhora do Ó, de acordo com o Padre Carlos, conta tanto com paroquia- nos que moram no próprio bairro quanto com outros que já não residem mais na Freguesia do Ó, mas continuam a participar das missas e atividades pastorais.

A transmissão da fé cristã e das tradições tem ocorrido entre as gerações, embora haja o desafio, segundo o Pároco, de envolver mais os jovens nas iniciativas paroquiais.

A última turma de Catequese, iniciada antes da pandemia, teve 65 pessoas, que receberam o sacramento da primeira Eucaristia este ano, de acordo com a catequista Márcia Regina de Oliveira Alves. Padre Carlos diz perceber a maior procura de adultos pelos sacramentos da Iniciação à Vida Cristã. Até o fim deste ano, por exemplo, cerca de 30 adultos serão crismados. O Sacerdote afirma que muitos deles passaram a ter maior contato com a fé cristã assistindo às missas pela tevê, vendo conteúdos pelas mídias sociais e, ao se interessar em saber mais sobre a Igreja, decidiram-se pelo ingresso na preparação para o Batismo, primeira Eucaristia e Crisma.

Entre os grupos com maior atividade na Paróquia, está o Encontro de Casais com Cristo (ECC), já em sua 94a edição. “O ECC abre as portas para os casais e eles vão mergulhando em outros serviços da comunidade”, comenta o Pároco. Também em expansão está o Terço dos Homens, que no último mês liderou uma iniciativa de arrecadação de alimentos, que resultou em 4 toneladas de itens.

Padre Carlos lembra que a doação de alimentos é uma prática recorrente dos paroquianos e não só diante de mobilizações especiais. “Todos os meses, ajudamos diretamente 40 famílias e ainda conseguimos enviar alimentos para duas ou três paróquias da Região. Os paroquianos são bem sensíveis a isso. Neste tempo de pandemia, em nenhum mês faltaram alimentos para ajudar a quem mais precisa.”

Restauro do templo

Uma das campanhas permanentes da Paróquia é para o restauro do templo, que vem sendo feito conforme as recomendações técnicas, uma vez que a igreja matriz é tombada desde 1992 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).

“Nós começamos o processo de restauro porque o forro estava na iminência de cair, mas graças a Deus isso não aconteceu. Eu cheguei à Paróquia em 2012 e tínhamos R$ 80 mil em caixa, para uma demanda que custa mais de R$ 2 milhões”, recorda Padre Carlos.

Para angariar recursos, a equipe de restauro da Paróquia organizou rifas, carnês e foi à procura de doações, que permitiram, além da estabilização do forro, a pintura das paredes, o resgate de aspectos da arquitetura original, além de terem sido encontrados documentos e obras de arte que eram desconhecidos ou dados como desaparecidas.

Em 13 de agosto de 2015, houve a missa de ação de graças pela conclusão do restauro do forro, vitrais superiores, cornijas e lustres centrais da igreja. Também já se concluiu o restauro de toda a nave, das Capelas do Batismo, de Nossa Senhora das Dores, do Beato Santo Antônio de Categeró, além dos bancos. Ainda faltam ser restaurados o presbitério, a Capela do Santíssimo, o piso, as portas, a sacristia e a casa paroquial.

Cenário de novela

Nas proximidades da matriz paro- quial já foram gravados filmes, comerciais e outras produções televisivas, incluindo cenas da novela “O tempo não para”, que foi ao ar pela TV Globo entre julho de 2018 e janeiro de 2019, com um enredo que retratava, de modo fictício, a vida da família que fora a primeira proprietária das terras da Freguesia do Ó.

“Na época da novela, muitos vieram conhecer a Paróquia por curiosidade. A novela acabou por divulgar o bairro. Ainda hoje, quando vou celebrar em algum lugar, falo que sou da Paróquia daquela novela sobre a Freguesia do Ó”, brinca Padre Carlos, lembrando que as gravações, algumas no interior do templo, não interferiram nas atividades paroquiais.

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